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Convivendo com o mal de Alzheimer

Depoimento da brasiliense Rosana de Macedo Raulino, de 50 anos, que cuidou da mãe, Lucinda de Macedo Raulino -- portadora do mal de Alzheimer -- por 18 anos

postado em 30/07/2008 07:48
"Eu e minha irmã Rita cuidamos de nossa mãe por 18 anos. O início, conflitante e confuso, era desprovido de informações e orientações. Por conta própria, reviramos as matérias disponíveis na tentativa de nos preparar para a missão que se apresentava. Aprendemos a conviver e a tratar da doença, no dia-a-dia, das ocorrências e necessidades. Foram inúmeras as dificuldades. Nos dedicamos a cuidar da nossa mãe. Inicialmente, enquanto uma exercia sua atividade profissional, a outra administrava a casa e cuidava da mamãe. Quando a cuidadora cansava, invertíamos os papéis. Nos últimos Rosana (D), Rita (E) com a mãe, Lucinda: 18 anos de abnegaçãooito anos da doença, pela necessidade e atenção que a fase em que se encontrava nossa mãe exigia, nós duas abandonamos de vez nossas atividades profissionais e nos dedicamos exclusivamente à mamãe. Ela faleceu em 5 de março passado aos 89 anos, na UTI do Hospital Brasília, vencida pela pneumonia. Foi uma lutadora. Uma verdadeira guerreira. Nos ensinou, no auge da sua falta de discernimento, o valor de lutar por nosso bem maior, a vida. Crescemos como seres humanos e aprendemos a exercer verdadeiramente o amor e a compaixão. Não perdemos nada em nossas vidas -- ao contrário, adquirimos corações mansos, felizes por termos feito a coisa certa e a certeza de nada ter faltado, garantindo a dignidade frente à doença. Somos gratas por termos uma família unida, irmão solidários, que contribuíram para chegarmos ao final da missão. Infelizmente, essa realidade não é freqüente no seio da maioria das famílias. Essa é a parte mais sofrida para um cuidador. Não adiantam pesquisas, medicações, tratamentos se o fundamental ainda está longe de ser alcançado: união, solidariedade, partilha e amor entre a família que enfrenta o desafio . "


CUIDADO COM O PACIENTE

"É uma tarefa árdua, penosa, agressiva e desanimadora, por ser uma luta inglória. As dificuldades começam em conseguir detectar os primeiros sintomas; buscar informações e profissionais capacitados para orientação. Por muitas vezes nos deparamos com total despreparo da própria comunidade de saúde. Aceitar a doença em seu amado familiar é a parte mais difícil. Passando por esses processos iniciais, chegam as surpresas constantes e diárias, onde o inesperado torna-se companheiro freqüente. Existe agora outra pessoa, diferente da mãe, pai, avô, avó, tia, que se apresenta e passa a depender, definitivamente, de tudo, até nas ações mais sumárias. Dia a dia, ganhamos um idoso travesso, arteiro, as vezes até impávido. Sem avisos prévios, esse idoso transforma-se em adolescente, sem regras, que mescla o ânimo e a apatia quase simultâneos. Não existem mais os personagens atuais, passando a viver à sombra de lembranças de informações que ainda permanecem na memória média"

A REGRESSÃO DO DOENTE

"Você, filha, passa a ser uma desconhecida que é muito boazinha, mas teima em não levá-la para a casa de seus pais que devem estar muito preocupados com sua demora para chegar em casa. Não muito longe, chegamos e nos deparamos com uma criança que passa a nos chamar de mãe. Essa, sem noção, precisa de toda orientação, cuidados e atenção, como se fosse uma menina. Quando menos esperamos, ganhamos um bebê. Esse já não fala, não anda, não consegue exprimir suas vontades, dores, horrores...Aí, chegamos ao feto"

AS FASES DO MAL DE ALZHEIMER
"Todas as fases são difíceis e dolorosas. Cada qual guarda sua peculiaridade. A fase inicial, quando a confusão mental se instala e se perde a noção do tempo e espaço, mesmo que por lapsos iniciais, acredito ser a mais difícil para o portador. Ele sabe que algo está errado e pode chegar à depressão. Na fase intermediária, o desgaste físico é bem acentuado. Nessa etapa, o portador do mal de Alzheimer, mesmo em idade avançada, não pára um segundo. O cérebro não consegue informar ao corpo que chegou à exaustão. Parecem adolescentes em pleno vigor físico. Os cuidadores, nessa fase, sofrem bastante também pelo desgaste físico, acompanhado sempre pelo desgaste emocional que se instala do início ao fim da doença. Na fase final, a dependência é total. O portador tem que ser alimentado, higienizado, medicado, mudado de decúbito periodicamente... Ou seja, dedicação total e atenção redobrada. Temos que adivinhar dores, monitorar sintomas, chorar por dentro e externar sorrisos e afagos permanentes para que nossos bebês sintam-se protegidos e amado".

RELAÇÃO FAMILIAR
"A relação familiar, marcada por freqüentes segregações pela falta de coragem em enfrentar a doença, torna o caminhar do cuidador sofrido e isolado. Geralmente, o cuidador é um membro da família, do sexo feminino e solteiro. O sofrimento, o comprometimento da saúde física e mental, o exílio social e familiar, são alguns pontos críticos que são acometidos os cuidadores".

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