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"Máquina do Big Bang é ligada

Físicos lançam prótons no interior do Grande Colisor de Hádrons, o mais complexo instrumento científico já construído. Teste deve simular condições após a explosão que criou o universo e revelar novos elementos

postado em 11/09/2008 09:35
;Quatro, três, dois, um... Vá!” O relógio marcava 9h32 (4h32 em Brasília), na sala de comando da Organização Européia de Pesquisa Nuclear (Cern) ;na fronteira da Suíça com a França ;, quando o narrador anunciou assim o surgimento de um flash branco nos dois telões. Era a senha de que o experimento científico mais caro e mais complexo da humanidade tinha dado seus primeiros passos rumo à simulação do Big Bang, a grande explosão que originou o cosmo. A platéia, formada por cerca de 200 jornalistas e centenas de cientistas, comemorou com aplausos assim que o primeiro feixe de prótons foi injetado no interior do Grande Colisor de Hádrons (LHC), um túnel de 27km de circunferência construído a 100m de profundidade. Duas horas depois, o segundo feixe foi lançado, em sentido anti-horário. Nos próximos dias, ambos vão se aproximar da velocidade da luz até colidirem. O choque deve ajudar a decifrar mistérios do universo, como a presença de dimensões e dos bósons de Higgs (leia o quadro). Ouça podcast com Alberto Santoro, físico brasileiro envolvido com o LHC O projeto LHC comporta mais de 8 mil cientistas de 85 países ; 70 são brasileiros. Os especialistas contornaram problemas elétricos horas antes da injeção de prótons. ;Um cabo elétrico ;envelheceu; e perdeu sua camada isolante, mas não foi nada demais;, contou ao Correio o holandês Jos Engelen, diretor científico e vice-diretor-geral do Cern. ;O fato de os feixes terem dado voltas ao redor do túnel prova que o acelerador funciona. Mas nós não celebramos o fim de um experimento de sucesso, e sim o início de um extenso programa de testes;, ressaltou, ao se confessar ;aliviado;. O maior desafio foi manter o acelerador de partículas resfriado a 273 graus Celsius abaixo de zero. Por telefone, de Genebra, o físico carioca Alberto Santoro, líder do grupo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) que trabalha com o Detector Solenóide Compacto de Múons (veja o gráfico), contou que o equipamento representa um novo marco da ciência. ;Em breve, diremos que existia a ciência antes e depois do Colisor;, comentou. A expectativa é de que a supermáquina forneça mais respostas que dúvidas e recompense os 14 anos de trabalho e US$ 9 bilhões investidos. Santoro admite que a não-detecção dos bósons de Higgs pode provocar uma confusão na física, levando à reformulação de conceitos. ;O LHC deve responder se existem novos isotipos e se o espaço tem quatro dimensões;, acrescentou. O brasileiro considera importantes as possibilidades de se compreender as interações fundamentais da natureza e apontar os ;tijolos; com os quais seria recriado o universo. Santoro revelou que a experiência evolui rapidamente: apesar de a energia atingir 7 trilhões de elétron-volts apenas em 2009, as interações entre as partículas já existem e colisões devem ocorrer em breve. Os choques dos prótons concentrarão altas quantidades da energia, fazendo com que a temperatura e a pressão sejam comparáveis às existentes 10-15 de segundo depois do Big Bang. Engelen acha que nas próximas semanas será possível registrar os choques. ;O caminho rumo às colisões está bem definido, mas o LHC é uma máquina única, e temos de aprender a operá-la;, disse o vice-diretor do Cern. Dimensões Segundo o italiano Michelangelo Mangano, físico teórico do Cern, a compreensão da origem da matéria escura seria o mais importante progresso na astronomia desde a observação da radiação cósmica de fundo (CMB), técnica que permitiu à ciência olhar o universo alguns milhares de anos após sua criação. A ciência reconhece sua limitação em registrar o fenômeno: sua existência só é determinada por meio do efeito produzido no movimento das galáxias. ;A descoberta da supersimetria vai acrescentar nova perspectiva na percepção sobre tempo e espaço, já que o fenômeno indicaria outras dimensões;, afirmou Mangano. A física de Isaac Newton e Albert Einstein reconhece quatro dimensões, três espaciais e uma temporal. O Cern enfrentou processos movidos por cientistas receosos que o LHC produzisse um buraco negro capaz de engolir a Terra. Funcionarios até receberam ameaças de morte. O medo do ;Dia do Apocalipse; incentivou a indiana Chhaya, de 17 anos, a se matar com pesticida, após assistir a uma reportagem na TV. Moradores de Bhubaneswar (leste) lotaram os restaurantes para pedir seus pratos favoritos. O francês Yves Sacquin, engenheiro físico do Instituto de Pesquisa sobre as Leis Fundamentais do Universo (Irfu), com sede na cidade de Saclay, lembrou que o Cern contratou cientistas independentes para avaliar os riscos, entre 2003 e 2008. Eles concluíram que, 3 bilhões de anos atrás, a Terra foi bombardeada com raios cósmicos. O fenômeno repetiu-se centenas de milhares de vezes e não afetou o planeta. A expectativa é de que os primeiros resultados sejam divulgados até o fim de 2009. O LHC vai operar por ao menos uma década, sempre entre maio e novembro. Para entender Prótons Partículas subatômicas com carga elétrica positiva descobertas por Ernest Rutherford em 1918 Elétrons Partículas elementares estáveis, de carga elétrica negativa, descobertas em 1897 pelo físico inglês J. J. Thomson fundamentais na constituição dos átomos e moléculas Hádrons Partículas que sofrem interações fortes, e das quais se conhecem dois tipos: os bárions, formados por três quarks, e os mésons, formados por um quark e um antiquark Quarks Partículas subatômicas de carga elétrica fracionária (2/3 ou 1/3 da carga dos elétrons), são consideradas um dos constituintes fundamentais da matéria Bósons de Higgs Teorizados pelo escocês Peter Higgs em 1964, e popularmente chamados de ;partículas de Deus;, são a chave da massa de outras partículas elementares Múons Partículas com propriedades semelhantes às do elétron, mas com massa 207 vezes maior. Abundantes nos raios cósmicos que atingem a superfície da Terra, são instáveis

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