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Paquistão: ninho do terrorismo

Em meio a acusações de cumplicidade com extremistas, tropas prendem autor dos atentados contra Mumbai, capital financeira da Índia. Especialistas vêem escolas religiosas como celeiros do fanatismo

postado em 09/12/2008 07:39
Desde julho de 2007, eles amarraram bombas no próprio corpo e se explodiram em pelo menos 90 ocasiões, deixando 1.200 mortos no Paquistão ; país cujo passado carrega a mácula de uma perigosa convivência com o terrorismo. Mais uma prova da capacidade dos extremistas foi dada nos últimos dois dias. Armados com lança-foguetes, granadas e armas automáticas, integrantes da milícia fundamentalista Talibã incendiaram cerca de 200 veículos que apoiariam a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em sua ofensiva no Afeganistão. Pressionada pela Índia e acuada por bombardeios norte-americanos, Islamabad ;varreu; ontem um acampamento perto da cidade de Muzaffarabad (noroeste), na Caxemira paquistanesa. Helicópteros deram suporte a soldados que, após a breve troca de tiros, prenderam 16 suspeitos de terrorismo, entre eles Zaki-ur-Rehman Lakhvi. Comandante das operações armadas do grupo islâmico Lashkar-e-Tayyba, Lakhvi é considerado um dos mentores dos atentados que mataram 163 pessoas em Mumbai (Índia), entre 27 e 29 de novembro passado. Para explicar as ligações escusas entre setores do Estado e a parte mais fanática do islã, o Correio consultou especialistas em defesa paquistaneses. Eles acreditam que a estrutura educacional e a disputa pela Caxemira transformaram o país em berço do terrorismo. Grande parte dos fanáticos determinados a morrer e a matar pelo islã é formada na infância. De acordo com Syed Rifaat Hussain, professor do Centro Regional de Estudos Estratégicos de Colombo (Sri Lanka), as madrassas (escolas religiosas) se disfarçam de fontes de prosperidade no Paquistão. ;Graças às pavorosas condições da educação pública, a maioria das famílias se vê obrigada a enviar os filhos para as madrassas, que lhes oferecem livre acesso e moradia gratuita;, explica. ;Essas instituições se expandiram durante a invasão soviética ao Afeganistão e atuam como berçário para elementos e grupos extremistas.; Hoje, elas são mais de 40 mil e abrigam até 2 milhões de alunos, que aprendem a decorar cada sura (capítulo) do Corão. Em 23 de dezembro do ano passado, quatro dias antes de ser assassinada, a ex-premiê Benazir Bhutto alertou: ;As madrassas políticas ensinam os seus alunos a fazer bombas, a usar rifles e a matar mulheres, crianças e idosos;. Militância Heranças da guerra afegã-soviética, esses estabelecimentos promovem a ortodoxia e, segundo o estrategista militar Hasan-Askari Rizvi, alguns estão ligados à militância. No entanto, ele sustenta que apenas a parte ideológica do terror é disseminada nos bancos das madrassas. ;O treinamento ocorre nos campos, localizados em regiões remotas;, afirma. Para Tariq Rahman, diretor do Instituto Nacional de Estudos do Paquistão da Universidade Quaid-i-Azam (Islamabad), políticas defendidas pelo país no passado determinaram o ;potencial; exportador do terrorismo. Sob o regime do general Muhammad Zia Ul-Haq (1978-1988), os Estados Unidos se aliaram a Islamabad para combater os comunistas no vizinho Afeganistão. ;Os norte-americanos ajudaram os árabes radicais a serem treinados em áreas tribais do Paquistão e nas madrassas;, explica. ;Após a retirada dos EUA, os mujahedin (guerrilheiros sagrados) foram usados pelas agências de inteligência paquistanesas para se abrigar no Afeganistão, onde deram origem ao Talibã, e alguns acabaram deslocados secretamente para a Caxemina, onde combateram o Exército indiano;, acrescenta Rahman. Os atentados de 11 de setembro de 2001 representaram o suposto fim dessa política de defesa. Hussain lembra que o governo do Paquistão retirou o apoio aos talibãs, mas ex-elementos da comunidade de inteligência discordaram dessa mudança de postura. ;Esses elementos, liderados pelo general Hameed Gul, ainda vêem alguns dos grupos extremistas como a primeira linha de defesa contra ameaças da Índia;, admite. Rizvi confirma que a relação entre o serviço secreto paquistanês e os terroristas foi rompida em 2004. ;O Paquistão agora luta contra alguns desses grupos nas áreas tribais e, por isso, não há possibilidade de envolvimento do Estado nos ataques contra Mumbai;, diz. O fim da suposta aliança de conveniência entre o Paquistão e o radicalismo não deve ecoar nas relações de Islamabad com Washington, que provavelmente vão permanecer problemáticas. O presidente eleito Barack Obama deixou claro o desejo de usar a força para desmantelar os santuários terroristas ao longo da fronteira com o Afeganistão. Nesse sentido, os paquistaneses não têm escolha a não ser entrar no jogo e extirpar um câncer que insiste em se espalhar como metástase pela Ásia e pelo mundo.

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