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Charles Darwin, o homem que mudou o pensamento científico

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postado em 12/01/2009 07:00
Há exatamente 200 anos, nascia em Shrewsbury, na Inglaterra, o homem que provocaria um assombro na ciência, entraria em rota de colisão com a religião e mudaria os paradigmas da filosofia. O ambientalista Charles Robert Darwin tinha apenas 22 anos quando iniciou uma viagem pelo mundo a bordo do navio HMS Beagle. Suas observações lhe permitiram desenvolver, em 1838, a teoria da seleção natural, tendo por base a transmutação das espécies. Mais tarde, desenvolveu seus estudos sobre evolução das espécies e escandalizou a Igreja da Inglaterra ao defender que o homem tem como descendentes os macacos. Em entrevista exclusiva ao Correio, a britânica Helena Cronin, diretora do Programa Darwin@LSE do Centro para Filosofia de Ciências Sociais e Naturais da London School of Economics, e o norte-americano Jonathan King, professor de biologia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), revelaram que o legado de Darwin transcende as áreas da ciência.

Analisando a figura de Charles Darwin, qual foi o maior legado do naturalista?
HELENA CRONIN: O legado de Darwin foi ter descoberto o mecanismo pelo qual todas as coisas vivas estão envolvidas. Esse mecanismo era a seleção natural. Isso explicou quase tudo sobre o mundo orgânico. Em particular, isso explicou os aspectos mais impressionantes dos seres vivos -- sua aparência de design. A teoria da seleção natural de Darwin explica como poderia haver um desenho aparente sem um desenhista. Darwin obteve a extraordinária façanha científica de descobrir o que é quase certamente a resposta correta. Sua teoria é provavelmente tão somente a maior teoria conhecida pela ciência que jamais será superada. A física não é mais newtoniana; e nem sempre será einsteiniana. Mas parece que a biologia será sempre darwiniana. É por isso que toda a nossa compreensão dos seres vivos ; sua história ancestral e seu desenvolvimento individual, suas adaptações apuradas e sua diversidade, seus corpos e cérebros, suas mentes e comportamentos ; estão à luz da profunda visão de Darwin.
JONATHAN KING: Dois grandes legados: em primeiro lugar, estabeleceu conectividade e continuísmo entre todas as criaturas vivas. A pesquisa biomédica moderna é baseada no modelo evolucionário segundo o qual os mais superiores vertebrados surgiram dos vertebrados inferiores. Isso é o que capacita experimentação animal e aprendizado por meio da sequência de genes, estrutura de proteínas e propriedades das células de todos os organismos. Em segundo lugar, todos os seres humanos são membros de uma única espécie, a Homo sapiens, derivada de ancestrais comuns. Essa é a base científica para a busca da igualdade humana.


Como vê o embate entre criacionismo e evolucionismo? Como a teoria evolucionária de Darwin abalou as ideias religiosas?
HELENA CRONIN: O fato de qualquer pista, qualquer teoria abalar ideias religiosas não é uma questão de lógica. Cabe à pessoa que mantém as ideia; para muitos a noção de fé é um meio de proteger as ideias de teorias e pistas potencialmente desafiadoras. O darwinismo torna o criacionismo inválido ou inútil? Antes de Darwin, o mais popular argumento para a existência de Deus era de que os seres vivos pareciam como se tivessem sido desenhados e que devia haver algum desenhista, um Deus. A teoria de Darwin, ao explicar como essa aparência de desenho se forma sem um desenhista, minou este argumento. Sua teoria tornou desnecessária a existência de um deus-desenhista. Por isso, desde Darwin, a ciência se tornou um problema a mais para a religião. Mas a religião não é um problema para a ciência.

JONATHAN KING: A teoria evolucionária foi certamente um golpe para aqueles que levavam a Bíblia como palavra literal de Deus. Para muitas outras denominações e religiões, os mecanismos evolucionários não são um problema. De fato alguma resistência veio de grupos religiosos de extrema direita que apoiavam a escravidão e a exploração colonial. A visão de Darwin de que todos os homens são uma espécie minou a legitimidade dessas visões.


É possível afirmar que Darwin trouxe uma ideia racista ao dizer que os brancos são superiores aos negros?
HELENA CRONIN: Em primeiro lugar, pelos padrões de seu tempo, os pontos de vista de Darwin eram muito esclarecidos. Por exemplo, ele acreditava firmemente no movimento abolicionista, que foram defendidos por seus familiares. Quando Darwin viajou pela América do Sul, ele ficou chocado e horrorizado ao ver como os habitantes brancos algumas vezes tratavam como escravos seus servos e os indígenas. Em segundo lugar ; e talvez o mais importante ;, as próprias teorias de Darwin demonstraram que todos os seres humanos são membros de uma espécie única, com as mesmas emoções, pensamentos, necessidades e aspirações, unidos por uma natureza comum.

JONATHAN KING: Darwin não era um racista, mas um abolicionista. Ele odiava a escravidão, acreditava profundamente na cooperação humana, na moralidade e na gentileza. Herbert Spencer e outros introduziram as ideias de darwinismo social e sobrevivência do mais fraco nas sociedades capitalistas. Darwin rejeitou o ponto de vista de Spencer e argumentou em A descida do homem que cooperação, empatia, moralidade seriam vantajosos em animais sociais, e seriam um produto da seleção natural.


Qual é a importância do design inteligente? É uma versão mais suave do criacionismo?
HELENA CRONIN: O design inteligente nada mais é do que o mesmo velho criacionismo pregado durante a época de Darwin. Alguns dos exemplos têm sido atualizados; mas os argumentos não são diferentes daqueles de Darwin refutou 150 anos atrás. Por isso, eles não têm absolutamente nenhuma importância ; intelectual, científica ou historicamente.

JONATHAN KING: O design inteligente é um dos esforços de grupos fundamentalistas para tentar enfraquecer as contribuições científicas do darwinismo. Ele representa o esforço de alguns grupos para prevenir as pessoas do mundo em desenvolvimento de terem pensamento crítica e conhecimento científico profundo do mundo em que vivemos.


De que modo as teorias de Darwin estão mais presentes atualmente?

HELENA CRONIN: A teoria darwiniana é a teoria fundamental da biologia; é a estrutura com a qual toda a biologia é compreendida. Darwin era tão avançado e profundo em seu pensamento que muitas linhas de pesquisa que são perseguidas hoje foram sugeridas pelo próprio Darwin. Quando Darwin é citado em um artigo científico atualmente, não é algo em deferência à piedade ou a história; é porque ele tem alo relevante para dizer. De qualquer modo, há uma área onde a influência de Darwin não teve o impacto que deveria. No fim de A origem das espécies, Darwin predisse que, em um futuro distante, "a luz será projetada no homem" por sua teoria. Cento e cinquenta anos depois, o "futuro distante" ainda não chegou. A teoria darwiniana ainda tem de produzir o impacto correto nas ciências econômicas e sociais, na medicina e na psiquiatria, no direito e nas ciências humanas. Nós estudamos todas as outras espécies em um modo darwiniano ; mas não a nossa própria espécie. De qualquer modo, a profecia de Darwin está à beira de ser completamente cumprida. E sua profunda visão promete transformar nossa compreensão da natureza humana ; e, a partir daí, dar uma contribuição indispensável à política social e à nossa visão de nosso lugar na natureza, na história e no mundo.

JONATHAN KING: Os últimos poucos anos têm revelado a sequência das moléculas de DNA que formam nossos genomas. A grande semelhança entre os genomas de humanos e primatas apóia as visões de Darwin mais fortemente do que ele teria acreditado.


Por que era tão difícil para a sociedade aceitar que viemos dos macacos? Darwin provocou uma poderosa mudança nas mentes?
HELENA CRONIN: Não sou especialista em psicologia. Mas parece que ao menos uma motivação pe de que eles queriam acreditar que somos de algum modo especiais, não apenas como outros objetos no universo, não apenas como outras criaturas. Em A origem das espécies, Darwin ofereceu sua própria perspectiva, muito diferente, do que nos torna especiais: "Quando eu vejo todos os seres não como criações especiais, mas como descendentes lineares de alguns poucos seres que viveram há muito tempo, para mim eles parecem ter se tornado enobrecidos". Do ponto de vista de Darwin, nós não somos diminuídos por nossa conectividade com todos os outros seres vivos; pelo contrário, nossa história ancestral e nossa imensa jornada evolutiva que nos trouxeram ao mundo realça nossa nobreza. Como ele disse nas palavras finais de A origem das espécies: "Há uma grandeza nessa visão de vida que do tão simples, formas mais lindas e maravilhosas tenham sido e estejam sendo criadas".

JONATHAN KING: Não foi tão difícil. A maior parte dos europeus aceitou essas visões muito rapidamente. A oposição veio de um grupo muito reduzido, principalmente na aristocracia, que manteve a noção de que aqueles que governavam era, de fato, seres humanos superiores. As visões de Darwin trouxeram todos os humanos de volta à mesma categoria geral.

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