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Massacre de Columbine faz aniversário

Dez anos depois do massacre de Columbine, especialistas alertam para brechas na segurança das escolas, comparam armas a símbolos de virilidade e descartam mudanças rápidas na legislação

postado em 21/04/2009 07:57 / atualizado em 08/10/2020 10:16

Quando Felicia Mullins, de 46 anos, se recorda daquele 20 de abril de 1999, tudo o que sente é horror, tristeza e confusão. Era uma terça-feira e a diretora financeira de uma empresa de engenharia em Littleton, no Colorado, tentou telefonar para um dos colegas ao saber da tragédia. A 16km do escritório, Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, 17, detonaram bombas caseiras e atiraram contra os alunos da Columbine High School, em um ataque iniciado às 11h27 (hora local). Dois filhos do amigo de Felicia estudavam na escola e sobreviveram. “Soube que eles estavam a salvo horas depois, em uma casa próximo à escola. Eu me senti aliviada. As linhas telefônicas estavam tão ocupadas que ninguém podia fazer ligações. O caos e o medo reinaram por um longo período”, afirmou ao Correio. Por volta das 20h de ontem (hora de Brasília), Felicia, o colega e o filho — hoje seu assistente no escritório — se reuniram no Anfiteatro Clement Park para lembrar o massacre que se tornou marco no debate sobre posse de armas, foi tema das eleições presidenciais de 2000 e 2004 e inspirou o documentário Tiros em Columbine, de Michael Moore. Eric e Dylan mataram um professor, 12 colegas e feriram 23 alunos antes de cometerem suicídio. Muitos sobreviventes foram obrigados a conviver com o trauma, algumas vezes um fardo pesado demais. A irmã do assistente de Felicia, uma das ex-estudantes de Columbine, cometeu suicídio anos atrás. A tragédia não parece ter servido de alerta às autoridades dos Estados Unidos. Apesar de o número de homicídios em escolas ter diminuído de 33 entre 1998/1999 para 14 em 2005/2006, as instituições de ensino têm brechas para novos massacres. De acordo com uma pesquisa do Centro Nacional de Estatísticas em Educação, 1% das escolas públicas dos EUA têm detectores de metal, 43% instalaram câmeras de segurança e 14% exigem que os alunos usem uniforme. Em entrevista ao Correio, por telefone, Kenneth Trump — presidente dos Serviços Nacionais de Segurança nas Escolas (com sede em Cleveland, no estado de Ohio) — admitiu que as instituições de ensino nos EUA estão mais protegidas que 10 anos atrás, mas têm sérios problemas. “Sabemos que o tema da posse de armas envolve forte batalha política. O presidente Barack Obama está em seus primeiros 100 dias de governo e ainda não sabemos o que vai ocorrer”, afirmou. No entanto, Trump alerta: “Uma arma na mão de um garoto ou em uma escola já e muito”, afirmou. Durante a campanha eleitoral, Obama havia prometido tentar vetar o comércio de armas pesadas, uma filosofia do Partido Democrata. Eleito, recuou e disse que não pretende retomar a proibição. Lições Trump reconhece que as escolas extraíram lições de Columbine. “Uma delas é que toda a ameaça deve ser levada a sério”, explicou. “Passamos a treinar funcionários de escolas para identificarem sinais precoces de violência nos alunos e aprenderem táticas de resposta a atiradores. Os gestores das instituições também aprenderam a reforçar as medidas de vigilância no câmpus e a designar uma equipe de gerenciamento de crise”, acrescentou. No entanto, ele lamentou o fato de o governo ter perdido o foco da segurança nas escolas para priorizar o combate ao terrorismo, depois do 11 de setembro, as guerras do Iraque e do Afeganistão e as eleições presidenciais. Ex-psiquiatra do FBI, Frank Ochberg tem estudado o fascínio que as armas representam para os norte-americanos desde os assassinatos do ativista Martin Luther King e do senador Robert Kennedy. “Por várias razões históricas, nosso país se tornou fortemente armado. As armas se tornaram parte do ‘oeste selvagem’, mas também símbolos sagrados de virilidade, herdadas do pai com lições de maturidade”, afirmou à reportagem. Na opinião dele, Obama precisa curar a economia e fechar feridas do passado para obter consenso político. “Acho que apenas depois de anos de sucesso, ele poderá lidar com o problema das armas. Não será banindo-as, mas melhorando a segurança em torno delas”. Promessa de vingança cumprida Um dos autores da tragédia de Columbine, Eric Davis Harris, que tinha 18 anos na época, havia nascido em Wichita, no Kansas. Sua família se mudou para Littleton, no Colorado, em 1993. O adolescente começou a frequentar a escola Ken Caryl Middle, onde conheceu Dylan Klebold na sétima série. Os dois praticavam diversos atos de delinquência e chegaram a ser presos por arrombar uma van. Eric sonhava em integrar a Marinha norte-americana. Mas a inscrição do rapaz foi negada pouco antes do tiroteio, provavelmente porque ele usava antidepressivos. Além disso, desde 1998 ele passava por terapias para controlar a agressividade. O outro autor do atentado foi Dylan Bennet Klebold, nascido em 11 de setembro de 1981, na cidade de Lakewood, no Colorado. Os pais afirmam que ele era muito quieto e tímido, mas vizinhos da família lembram que não parecia haver nada de errado com o jovem. Em 1995, Dylan, Eric e outros amigos foram estudar em Columbine, onde fariam a nona série. Nesta escola de ensino médio, Dylan era conhecido por participar ativamente de atividades teatrais e audiovisuais. Além disso, era assistente de computação na instituição. Tinha interesse em cursar ciências da computação da Universidade do Arizona. Sua família já havia, inclusive, juntado dinheiro para pagar o dormitório na faculdade. Nos meses anteriores ao tiroteio, Eric e Dylan registraram, em vídeo, o que pretendiam fazer à escola e aos colegas. Os dois mostraram em uma filmagem como esconderiam as armas nos sobretudos. Eric detalhou, em um diário virtual, a planta do prédio, e anotou os horários em que o refeitório ficava lotado. Tanto nas gravações quanto nos textos, os adolescentes mostravam o desejo de se vingarem de pessoas que eles acusavam de humilhá-los. O ataque foi planejado com mais de um ano de antecedência. Em 20 de abril de 1999, Eric e Dylan detonaram bombas caseiras no refeitório do colégio na hora do almoço, para, em seguida, matar a tiros os sobreviventes. A maioria das bombas falhou, mas os jovens mantiveram o plano e iniciaram o tiroteio. Enquanto atiravam, riam e gritavam. Especialista americano fala sobre o massacre de Columbine Imagens do massacre de Columbine

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