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"Teerã quer um lugar no triângulo do Sul"

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postado em 01/05/2009 07:00

O embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, falou com exclusividade ao Correio sobre os temas que o presidente Mahmud Ahmadinejad discutirá com o colega Luiz Inácio Lula da Silva durante a visita que fará a Brasília na próxima quarta-feira.

Em conversas anteriores, o Irã convidou o Brasil para entrar na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Haverá conversas sobre esse tema novamente?

O presidente Lula, baseado nas novas descobertas de campos de petróleo, desejava que o Brasil fosse membro da Opep. Esse interesse da parte brasileira foi muito bem-vindo pelo Irã para fortalecer a cooperação sul-sul. Naturalmente, na Opep existem países exportadores de petróleo, e o Brasil levará muito tempo até chegar a esse nível de exportação. Mas a presença brasileira ajuda no fortalecimento da organização. O mundo no futuro é o mundo da energia. Então, países que têm uma política energética ativa vão ter um papel muito importante nas interações e criação de fontes futuras. E até dentro do triângulo Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) a necessidade que esses povos têm de energia favorece a cooperação. Talvez pudéssemos fazer um quarteto no qual participe o Irã.

No mês passado, o ministro de Relações Exteriores, Manouchehr Mottaki, visitou Brasília e se reuniu com o ministro de Energia, Edison Lobão. Mencionou-se o interesse de a Petrobras voltar a investir no Irã. Nesta visita presidencial, algo mais deve ser acertado com a Petrobras?

Naquela reunião falou-se de cooperação de um modo geral. Certamente, a Petrobras é uma parte importante e já está presente em Tusan, no sul do Irã. Qualquer novo investimento será muito bem-vindo de nossa parte. E o Irã também pode cooperar não só na área de petróleo, como também petroquímica, refinarias e intercâmbios dentro do Brasil. O Brasil tem grande experiência em hidrelétricas e o Irã na construção de usinas termelétricas e ciclo combinado. E há projetos de usinas em terceiros países nos quais o Brasil poderia colaborar.

O Rio de Janeiro se prepara para ativar a terceira usina nuclear no país ; Angra 3. O Irã poderia colaborar nessa parte?

Na pauta não existe nenhum ponto de referência à energia nuclear, tanto sobre geração, como outras cooperações.

Mas Brasil e Irã são países que detêm tecnologia nuclear; Energia nuclear é ainda um tema tabu entre os dois governos?

Essa questão é muito importante, mas não tem prioridade neste momento. Cada país tem um modelo que provém de uma cultura, uma história, um pano de fundo; O Irã está tentando desenvolver um modelo iraniano. Esse modelo de desenvolvimento é diferente do modelo ocidental, do oriental e de outros modelos que possam existir. Tenho certeza de que no Brasil também há um modelo nacional que responde ao desenvolvimento do país. Na área de energia nuclear, posso salientar que todos os equipamentos no Irã estão baseados numa ideia nacional, e os cientistas iranianos são jovens, a maioria tem menos de 30 anos. O desenvolvimento da ciência nuclear no Irã é baseado no slogan da Revolução Islâmica: independência. Isso significa auto-suficiência em todas as áreas: economia, ciências, tecnologia; Se hoje em dia a questão nuclear se tornou um orgulho nacional, é porque tem raiz no pensamento e no coração do povo.

Por que uma linha de crédito de US$ 200 milhões para o Brasil?

O Brasil é o melhor lugar para a reexportação dos produtos iranianos para a América Latina e o Irã é o melhor lugar para a reexportação dos produtos brasileiros para a Ásia Central e o Oriente Médio. Penso que podemos usar essa linha de crédito para as reexportações entre os dois países. É importante destacar que esse valor é um primeiro passo, mas a longo prazo poderá chegar a bilhões de dólares. Sobre os bancos, a crise internacional demonstrou a fragilidade das transações. Certamente, esse sistema precisa de novas fórmulas sobre as quais Brasil e Irã poderão conversar. Nesse sentido, os bancos brasileiros também são bem-vindos no Irã. E por isso também convidamos as empresas de seguro iranianas para vir ao Brasil.

E sobre as próximas eleições no Irã, o que podemos esperar?
As eleições no Irã têm suas particularidades. Uma semana antes não podemos ter nenhuma previsão sobre quem vai ganhar. O povo iraniano costuma eleger candidatos que acreditam no povo, que vêm das camadas sociais mais necessitadas e trazem ideias de defesa de justiça, que sejam corajosas e possam combater as opressões. Quem tem mais chance são as pessoas que têm mais popularidade, mais ligações, são mais próximas ao povo, combatem a pobreza e até desenvolvem a justiça social em nível mundial. E que acreditam e praticam as ideias do islã.

Os iranianos no exterior podem votar?
Qualquer cidadão iraniano em qualquer parte do mundo tem direito ao voto. No Brasil, vamos abrir centros em várias cidades.

O presidente Ahmadinejad tentou fazer justiça social em nível mundial na última Conferência contra o Racismo e dividiu as opiniões da comunidade internacional. Como foi vista sua participação no país?

No Irã, todos os grupos, inclusive a oposição, apoiaram o presidente. Mas queria fazer uma pergunta: será que os direitos humanos são diferentes para os europeus e para africanos, ou será que são valores universais? Penso que o discurso do presidente Ahmadinajad, a palavra dele foi a das pessoas injustiçadas, sofridas, pobres. Penso que a violação dos direitos humanos é maior nos países defensores desses ;direitos humanos; do que em outras partes do mundo. Basta olhar para os imigrantes nesses países. Será que não temos direito de falar? Quero enfatizar que na Conferência de Genebra havia mais de 4.500 pessoas. Quantas ficaram e quantas deixaram a sala (quando Ahamdinejad falou)?

Como podemos resolver os problemas no Oriente Médio?

Respeitando a democracia. Todos os refugiados palestinos voltando para sua pátria. Fazendo eleições livres, independentemente de raça ou religião. Temos de deixar que o povo decida. Aquele que se encontra atualmente no poder é uma imposição.
Mas há uma dificuldade: tanto Israel como a Palestina querem Jerusalém como capital; Jerusalém é uma cidade santa para os muçulmanos, os cristãos e os judeus. Há mais de 1.300 anos de islã e 2.000 anos de cristianismo, e as pessoas viviam nessa cidade sem problemas. Todos têm direito de praticar seus cultos livremente. Se nós acreditarmos nos direitos dos povos, Jerusalém fica uma questão resolvida. Se nós queremos ajudar, temos de dar condições para que o povo possa decidir seus destinos e não impor pela guerra e pela força.

Vemos que o presidente dos EUA, Barack Obama, está tentando dialogar com o Irã. Como o senhor analisa a situação?

Houve operações e injustiças por parte dos americanos, antes e depois da Revolução Islâmica. Basta olhar para a história contemporânea para ver a interferência dos americanos nos assuntos internos do Irã (ele cita o asilo concedido ao xá e o apoio a Saddam Husseim na guerra de oito anos contra o Irã, entre outros episódios). Até esse momento, existem bilhões de dólares, dinheiro iraniano, confiscados pelos EUA, que não são devolvidos. Os EUA não suspenderam o embargo contra o povo iraniano. Há várias conspirações, enviaram espiões; Tudo isso baseia-se num argumento: os EUA não querem respeitar a decisão do povo iraniano pela revolução islâmica popular. Apesar de tudo isso, o povo iraniano é muito generoso. Mas ainda não verificamos nenhuma mudança prática. O que chega são palavras. Para mostrar boa vontade, penso que o primeiro passo seria suspender o embargo ao Irã. O direito de uso a ciência e da tecnologia, penso que é direito de cada povo. Para finalizar, esperamos dos EUA mudanças mais práticas: mudanças nas palavras não ajudam a resolver as questões.

E como vão as relações com a América Latina?
No governo do presidente Ahmadinejad, há duas prioridades da política externa: dar mais atenção à África e desenvolver as relações com a América Latina. Essa política é baseada na ideia de melhorar a cooperação Sul-Sul. Nos países do Sul existem grandes riquezas e forças de trabalho. É uma região que procura a justiça social, luta contra a pobreza e a exclusão social. Sentimos que são nossos amigos.

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