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Eleição é teste de maturidade para iranianos

Oferta de Barack Obama a ;um novo começo; com os Estados Unidos está no centro das reflexões dos 46 milhões de cidadãos que escolherão novo presidente no ano em que a revolução islâmica chegou aos 30

postado em 12/06/2009 10:00
No ano em que a revolução islâmica do aiatolá Ruhollah Khomeini completou 30 anos, o Irã vai às urnas para eleger seu novo presidente e responder a uma questão sobre maturidade ; dos eleitores, dos dirigentes e sobretudo das instituições que caracterizam um regime único, republicano na raiz, porém com poderes fortemente concentrados nas mãos do líder religioso. Quatro candidatos à Presidência disputam, nesta o voto de 46 milhões de eleitores habilitados, e a escolha dos iranianos levará em conta fatores internos, como o estado da economia e o descontentamento latente da juventude e da elite intelectual com os rigores morais do regime. Mas eles responderão, sobretudo, à oferta do novo presidente norte-americano, Barack Obama, de estabelecer o diálogo e encerrar três décadas de ;desconfianças e mal-entendidos; entre os dois países. A presença de cerca de mil jornalistas estrangeiros para acompanhar o pleito dá a medida do interesse internacional pelo desfecho. ;Inesperadamente, a política externa tornou-se uma questão muito importante nesta eleição;, analisa a especialista Farideh Farhi, da Universidade do Havaí (EUA), em entrevista para o Conselho de Relações Exteriores (CFR), instituto independente que funciona como laboratório político do Departamento de Estado. Ela lembra que os três candidatos desafiantes questionaram a postura belicosa do atual presidente, Mahmud Ahmadinejad, que se indispôs com a Europa pela insistência em negar o Holocausto e recusar o diálogo sobre o programa nuclear do Irã. ;A mudança de governo nos Estados Unidos e as ditas propostas de diálogo não vão interferir no resultado da eleição;, discorda o embaixador iraniano no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, que falou à imprensa sobre as expectativas para a eleição. O diplomata lembrou ainda que a política externa iraniana ;está sob supervisão do líder supremo e não vai ser alterada pelo novo presidente;. Shaterzadeh recomenda aos observadores do cenário iraniano que se desfaçam de modelos clássicos. ;As fórmulas ocidentais de ;esquerda; e ;direita; não levam a nenhuma conclusão sobre como o povo iraniano vota;, argumenta. ;Em geral, ele elege quem melhor representa os valores da revolução islâmica, como a justiça social e o combate à pobreza, e que tenha um modo de vida simples.; Não passou desperbida aos próprios iranianos, porém, a diferença fundamental entre Ahmadinejad e os oponentes (leia quadro ao lado). ;Todos os três usaram uma linguagem de détente (distensão) com o mundo exterior;, pondera Farideh Farhi. ;Karroubi chegou a dizer que restabeleceria relações com todos os países do mundo, menos Israel.; Imprevisível Embora existam partidos, movimentos e alianças eleitorais, o Irã tem um sistema peculiar em que os candidatos são inscritos individualmente. A personalização do debate, aliada às limitações da campanha, torna imprevisíveis as eleições de hoje ; e a história da República Islâmica é farta em exemplos. O próprio Ahmadinejad, há quatro anos, era ex-prefeito de Teerã, praticamente desconhecido no interior do país, mas derrotou com folga o prestigiado ex-presidente Hashemi Rafsanjani. Em 1997, a surpresa foi o religioso reformista Mohammad Khatami, que desbancou o escolhido do líder supremo com dois terços dos votos. Ahmadinejad, em princípio com ligeiro favoritismo, pode surpreender novamente ; desta vez como o primeiro presidente a ser derrotado na tentativa de se reeleger. CARDEAIS DA REPÚBLICA Ali Khamenei Líder da revolução, é o principal expoente da facção conservadora do regime islâmico. Não declarou voto, mas torce por Mahmud Ahmadinejad. Ali Akbar Hashemi Rafsanjani Ex-presidente (1980-1988), tem bom trânsito entre conservadores e reformistas, mas é desafeto do atual presidente. Mohammad Khatami Sucessor de Rafsanjani, foi patrono de reformas políticas e sociais anuladas por Khamenei. Chegou a inscrever-se neste ano, mas desistiu em favor de Mir Hossein Moussavi. EMARANHADO DE PODERES Líder supremo Corresponde a uma espécie de quatro poder, segundo o conceito religioso de velayat-e-faqih (primado do jurisconsulto). O líder é apontado pela Assembleia dos Peritos e seu mandato em princípio é vitalício. Define a política externa e militar, intervém em disputas entre os demais poderes e pode destituir tanto o presidente quanto o Parlamento. O atual titular, o aiatolá Ali Khamenei, sucedeu em 1989 ao líder da revolução, aiatolá Khomeini. Assembleia dos Peritos Composta por 88 religiosos eleitos por voto universal. Além de apontar o líder, pode se pronunciar sobre questões relativas ao direito islâmico. Conselho dos Guardiões Integrado por seis religiosos (indicados pelo líder) e seis juristas (apontados pelo chefe do Judiciário, por sua vez nomeado pelo líder). Aprova ou veta candidatos ao Parlamento e à Presidência, e referenda todos os dirigentes eleitos. Também tem poder de veto sobre leis aprovadas pelo Majlis (Parlamento). Presidente É eleito por voto universal e direto, para um mandato de quatro anos que pode ser renovado apenas uma vez consecutivamente. Traça os planos de governo e indica o gabinete. Tem autonomia limitada nas áreas de competência do líder, a quem deve obediência. Parlamento O Majlis tem 290 membros eleitos para mandatos de quatro anos. Além de confirmar os ministros, tem iniciativa legislativa, mas pode sofrer vetos por parte dos guardiões. Durante a presidência do reformista Mohammad Khatami, foram revogadas pelo conselho reformas do Código Civil em benefício das mulheres. OS CANDIDATOS: Quatro no páreo Mahmud Ahmadinejad O atual presidente surpreendeu na eleição de 2005 com uma campanha que associou um ;homem do povo; a um discurso ultranacionalista e conservador. No plano externo, fez do programa nuclear um ponto de honra do país no confronto com ;a arrogância; do Ocidente. Internamente, soltou as amarras de órgãos de repressão política e moral, como os milicianos e os ;esquadrões antivício;. Mehdi Karroubi Líder religioso que se alinhou com a facção mais radical e antiamericana do regime nos primeiros anos da revolução, identificou-se nos últimos anos com os reformistas e presidiu o Majlis (Parlamento) durante a Presidência de Khatami. Nesta campanha, procurou colocar-se ;à esquerda; de Moussavi no campo do comportamento, de olho no voto feminino e juvenil. Mir Hossein Moussavi Primeiro-ministro sob a Presidência de Hashemi Rafsanjani (1989-1997), cultivou fama de administrador eficiente e político moderado. Volta à cena política com apoio do ex-presidente Mohammad Khatami, que se retirou da disputa para evitar a dispersão dos votos reformistas. Tenta atrair simpatia também dos conservadores moderados, insatisfeitos com Ahmadinejad. Mohsen Rezai Veterano da guerra contra o Iraque, quando comandou a Guarda Revolucionária (unidade militar de elite), entrou na disputa com apoio de setores conservadores que discutem as credenciais políticas e a competência administrativa de Ahmadinejad. Questiona os exageros retóricos do atual mandatário e pode roubar-lhe votos decisivos para o desfecho da eleição.

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