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Carta aberta aos colombianos pela paz

Carta aberta aos colombianos pela paz, aos partidos e movimentos de oposição democrática, ao movimento social, às centrais de trabalhadores, ao campesinato, aos estudantes, aos indígenas, afrodescententes, minorias étnicas, jornalistas e deslocados

postado em 30/07/2009 07:00
Compatriotas,

A partir da chegada de Álvaro Uribe Vélez ao governo, surgiu na Colômbia suma nova direita, neoliberal e antidemocrática, que pretende perpetuar-se no poder, se apresenta sem máscaras e esgrime abertamente seus propósitos de governar para os mais ricos, sem esconder suas intenções antipopulares de arrebatar e desmontar, uma a uma, todas as conquistas sociais alcançadas pela classe operária e pelos trabalhadores ao longo de históricas jornadas de luta.

Essa nova direita, ultradireita, que não vacila em recorrer a métodos de gangsterismo, é representada pelo uribismo e suas diferentes facções, que competem entre si para disputar qual é mais reacionária que a outra, porém todas identificadas com o pensamento retrógrado do presidente Álvaro Uribe, de governar exclusivamente a favor da elite do capital financeiro, do novo gamonalismo militar e paramilitar, dos latifundiários, dos setores monopolistas da produção e do capital estrangeiro, outorgando a eles toda classe de benefícios, ao preço de reduzir e atingir os direitos e interesses dos trabalhadores, consolidar a contrarreforma agrária imposta a sangue e fogo pelo paramilitarismo estatal e mafioso, ao preço de centenas de massacres e do deslocamento forçado de cerca de 4 milhões de camponeses pobres, legalizar o dinheiro da máfia e empotrar na Colômbia um regime autoritário duradouro e de viés fascista.

A presença dessa nova direita intolerante e mafiosa mudou o mapa político do país e ameaça o futuro democrático da nação. Constituem as características principais dessa nova direita:

- O monopólio midiático e manipulador da informação, seu militarismo desmedido e seu afã por fazer da Colômbia um Estado policial, que faz a vigilância detalhada e minuciosa dla vida privada de cada colombiano, incluindo juízes e magistrados.

- sua política neoliberal, antissocial e profundamente antipopular, e seu menosprezo pelas reivindicações e necessidades do povo humilde, sob a desculpa da mesma concepção que esgrimia Mussolini em sus perorações fascistas: "O povo não precisa de manteiga, mas de canhões".

- sua disposição de se ajoelhar e sua entrega sistemática aos interesses do Império, manifesta em seu alinhamento total com a política externa agressiva dos Estados Unidos e em seu afã de desempenhar na América o papel que Israel, como Estado terrorista, desempenha na geopolítica do Oriente Médio.

- O desconhecimento dos direitos mais elementares dos opositores, a quem classifica de "terroristas à paisana" ou "aliados dos terroristas", pois, segundo os órgãos de "inteligência", todos os movimentos sociais estariam infiltrados pela guerrilha.

- sua comprovada aliança com o paramilitarismo e a máfia em todos os níveis, o desconhecimento metódico das regras do jogo e da Constituição que jurou defender, a chantagem aos tribunais e ao Congresso, o uso do serviço diplomático para pagar favores políticos e blindar delinquentes e paramilitares amigos seus, assim como seu marcado autoritarismo, fundido a suas pretensões messiânicas, vingativas, personalistas e de abuso do poder.

Para ninguém é segredo que a democracia "à colombiana" sempre foi mais do que "restrita" e oligárquica, em razão de seu rígido presidencialismo e do bipartidarismo excludente que ainda a caracterizam. Aqui nunca houve democracia real, mas um arremedo, com o emprego decisivo da guerra suja e o peso político da vontade do Executivo, sendo isto o que impediu, em boa parte, que apareçam e se consolidem forças políticas alternativas de massas y uma oposição. Sempre tivemos um regime presidencialista, que apertou seus grilhões ao longo de todo o século 20.

A novidade é que ele agora parece estar alcançando sua plenitude e perfeição despóticas, neste reinado militarista de Álvaro Uribe que nos querem impor. Não é mera casualidade que com Uribe tenha chegado à Presidência da República a Opus Dei, setor mais reacionário da Igreja. Ninguém poderá rebater nossa afirmação de que Álvaro Uribe - trabacalero e especialista em falácias - transformou a Presidência d a República em catapulta para suas intenções personalistas de reeleição.

Todas as ações que realiza como mandatário, ou aquilo que deixa de executar, tem o propósito marcado e específico de conquistar votos e fazer-se reeleger. Este governo transformou seu mandato em descarado comitê de campanha à reeleição, e avança para reimplantar no Congresso uma lei de imunidade que assegure a impunidade para ele e todos os seus cupinchas.


Sem esperar sequer pela aprovação da lei que permita sua segunda reeleição, lanço-se em campanha por um terceíro mandato, apelando aos métodos de gansterismo e espionagem política dos opositores e utilizando todos os recursos estatais de que dispõe. Não há dúvida alguma: nas próximas eleições, presidenciais, o Estado será o "grande eleitor". Somado a isso, é indiscutível que existe a pretensão e o projeto de formar um partido da ultradireita, não mais como a união de distintos retazos ideológicos, mas como uma organização compacta, neoliberal em política econômica, ultramontana no aspecto ideológico e antidemocrática no terreno político e social, para que seja o instrumento político da ditadura en ciernes.

O projeto de Novo Estado de Uribe pretende estabelecer um tipo de legalidade diferente da velha legalidade que tem existido e, na prática, outorgar ao presidente um novo poder: o de de autoeleger. Já se reelegeu uma vez, com métodos ilegítimos, e o que pretende agora é poder fazê-lo sempre.

Pretende substituir o princípio dos três ramos do poder público, com distintas funções e competências, pelo princípio autoritário da concentração de todas as funções estatais nas mãos do Executivo. As contínuas arremetidas contra as altas cortes indicam que existe o objetivo de ter uma Justiça dócil e submissa à vontade do Executivo.

Não esqueçamos que, no referendo rechaçado pelo povo no primeiro governo de Uribe, se incluía a eliminação da Corte Constitucional e se sugeria uma Justicia Militar con jurisdição para julgar civis por meio do Estatuto Antiterrorista, que, apesar de ter sido revogado pela Corte Constitucional, se aplica diariamente na Colômbia, nas chamadas "zonas de ordem pública", onde se realizam recenseamentos, se fazem batidas contra a população civil e se recorre ao racionamento de alimentos e remédios indispensáveis, de modo arbitrário e abertamente anticonstitucional. Qual norma constitucional autoriza o Exército a racionar a compra de alimentos e a colocar adesivos convidando à deserção em todas e cada uma das notas de compras dos camponeses, como se todos fosssem guerrilheiros? Dentro da embalagem de uma pretensa segurança nacional, as já amputadas liberdades individuais, assim como os direitos sociais e mesmo os ecológicos, vão desaparecendo, e em seu lugar emerge a razão de Estado.

O Estado da "Segurança Democrática". A tendência é substituir a velha democracia liberal por uma nova democracia autoritária, tendo à frente un déspota autoritário: Álvaro Uribe. Para sua primera reeleição, com o cinismo de um sofista, Uribe engambelou milhões de eleitores com o conto de que, por meio de sua política de Segurança Nacional, a derrota da guerrilha estava logo além da esquina, e até fixou prazo: 18 meses, despois do que a Colômbia seria una Arcádia de Paz. Quando os fatos demostraram o contrário, pediu mais sacrifícios e um novo mandato, porque, segundo ele e seus áulicos, a vitória estava na esquina e estávamos no "fim do fim" - só se necesitava de um novo mandato, de outros quatro anos, para que a Colombia pasasse a ser a "Cidade do Sol". Agora, diz que se necessitam mais quatro anos, porque "a cobra está viva", e quando a insurgência os golpeia, os generais saem assegurando que são os "últimos espasmos do terrorismo". Com estultícies como essas, procuram esconder o fracasso de sua política de segurança.

E assim, de mentira em mentira, vamos completar oito anos de um nefasto mandato, durante o qual aconteceu de tudo. No curso desses anos, o país soube que os serviços de inteligência do Estado (o DAS) foram entregues ao paramilitarismo. Ali se elaboraram listas de sindicalistas, acadêmicos e ativistas sociais a quem os sicários deviam assassinar, e que efetivamente foram assassinados, chegando ao triste recorde de a Colômbia se tornar o país onde mais sindicalistas são mortos.

Truculências, subornos e complôs para se reeleger, massacres e crimes de lesa-humanidade disfarçados de "falsos positivos", espionagem política sistemática contra magistrados, líderes de oposição, dirigentes cívicos e sindicais, juízes, jornalistas e pessoas comuns, que foram disfarçadas como chuzadas, despojamento violento de 6 mihões de hectares de terra tomados de milhões de camponeses mediante terror paramilitar e deslocamento forçado mascarado como "migração voluntária", e como, em vez de paz, o que temos é mais miséria e mais terror oficial, agora dizem que "a cobra continua viva", e se necessitam mais quatro anos para consolidar seu regime policialesco, militarizar mais e mais o país e perpetuar sua ditadura.

A Colômbia governada por Uribe é o único país do mundo onde se comprova que 85 parlamentares governistas são paramilitares e não acontece nada. Simplesmente, reduzem o problema a uns quantos processos penais comuns que culminam com condenações benevolentes, sem maiores consequencias políticas. Só uma questão tira o sono de Uribe e da casta dirigente: que, com todos esses congressistas seus na prisão, o governo corre o risco de perder suas maiorias. Por isso, sai apressadamente a pedir que eles votem seus projetos antes de irem presos. Tamanha imoralidade nounca se tinha visto.

Está claro que Uribe pretende prolongar seu mandato não até 2014, mas até 2019! Para compreender uma proposta tão demente, é preciso conhecer os meandros de seu caráter, assim como seu fanatismo ultramontano orientado pela Opus Dei, e penetrar sua personalidade distorcida, alimentada por ódios viscerais e um egoísmo messiânico. É necessário desmascarar o engodo: por trás da luta contra o chamado "terrorismo" está oculto o propósito de montar uma democracia autoritária, à la Fujimori.

E a "guerra total contra o terrorismo" nada mais é que o caminho para ela. Eis aqui a pérola do projeto político do uribismo. Há muitos que pensam, alguns a partir de posições revolucionárias e seguramente com sinceridade, que, não fosse pela existência da guerrilha, a Colômbia estaria seguindo um caminho atapetado rumo à mais "profunda" democracia. Não desqualificamos essa afirmação, mas convidamos à reflexão. Será esta uma conclusão objetiva, tirada do estudo de nossa historia política? Isso não é desconhecer o modus operandi da oligarquia colombiana ao longo de toda a vida republicana?

Acaso se pensa que a guerrilha na Colômbia surgiu por geração espontânea? Acaso não conhecemos, nós e o povo colombiano, quem são os promotores da política de sangue e fogo con a qual se inaugurou a Violência, da qual ainda não saímos, e que foi a origem da guerrilha? Não está demonstrado até a saciedade que o paramilitarismo é uma estratégia da oligarquia para desenvolver a guerra suja contra o povo e esconder sua mão criminosa? Ou será que vamos acreditar no conto, tirado da mochila do "sociólogo" Álvaro Uribe, de que aqui não há conflito armado, mas a agressão de uns poucos terroristas contra a "democracia profunda" que ele dirige, porque os revolucionários, diz ele, já não defendem ideais e são apenas narcotraficantes?

A Colômbia precisa encontrar os caminhos que conduzam ao fim desta guerra entre irmãos, caminhos de reconciliação que nos levem a Acordos de Paz. Os integrantes das FARC-EP temos lutado e continuaremos lutando, com denodo, com entrega e sacrifício, para alcançar acordos que ajudem a construir uma pátria na qual caibamos todos. Jamais proclamamos o princípio da guerra total, nem da guerra pela guerra, já que nossos objetivos são alcançar mudanças profundos na estrutura social da Colômbia, que levem em conta os interesses das maiorias nacionais e dos setores populares, e desmontar um regime político criminoso, oligárquico, vergonhoso, corrupto, excludente e injusto, como está consignado em nossa Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia.

Com toda a sinceridade que corresponde ao nosso compromisso com a mudança social e a lealdade que devemos ao nosso povo, asseguramos a todos que nos convidam à claudicação que não vamos desistir depois de mais de 40 anos de luta, nem vamos aceitar uma falsa paz na qual a minoria oligárquica continue acumulando todas as riquezas, enquanto as grandes maiorias nacionais são esmagadas pelo peso da pobreza, pelo terror militarista, pela miseria e pela degradação moral de uma classe dirigente corrupta até os ossos.

Não trairemos os sonhos de justiça da Colômbia que clama pela paz com justiça social, nem a memória dos milhares de mortos, nem as vítimas das inumeráveis tragédias geradas por esta cruenta guerra declarada pela oligarquía contra o povo há mais de 50 anos. Não temos alma de trepangos ni de componenderos. O próximo acordo de paz que se alcance na Colômbia não pode ser como o firmado em Santo Domingo, que é o melhor exemplo de como não se chega à paz. Acordos de paz, sim, mas o ponto cardeal é: com ou sem mudanças políticas e sociais estruturais? Democracia ou autoritarismo?

Uma paz entendida apenas como mera reconciliação dos espíritos não apenas é uma fantasia irresponsável e um crime, mas um retrocesso histórico nos anseios do povo colombiano por alcançar a justiça social. Dentro desse contexto, é pertinente debater o papel das organizações democráticas na solução do conflito social e em eventuais conversações de paz, para impedir o enganoso sofisma de que só as organizações dos ricos representam a "sociedade civil", e que a classe operária é representada por Angelino Garzón.

Chamamos todos os patriotas e democratas da Colômbia a debater sobre esses temas, para impedir o estabelecimento perpétuo de uma ditadura ou um governo totalitário e despótico. Convidamos a trabalharmos por um Grande Acordo Nacional de Paz, a construir uma alternativa política que privilegie a paz, convoque ao diálogo, instrumentalize uma trégua bilateral e proceda a suspender de imediato a presença de tropas americanas em nosso território. Que, uma vez alcançados os acordos, com protagonismo das organizações sociais e políticas, se convoque uma Assembleia Nacional Constituinte que referende esses acordos. Impeçamos, todos juntos, que na Colômbia o povo perca todas as conquistas alcançadas por meio de suas justas lutas, e que a guerra seja o modus vivendi de nossa sociedade, apenas pela intransigência oligárquica de impedir a qualquer custo que haja mudanças estruturais para beneficiear as maiorias nacionais, e de perpetuar um regime político que, todos sabemos, é injusto, imoral e antidemocrático.

Compatriotas,

Secretariado do Estado-Maior Central

FARC-EP.

Montanhas da Colômbia, julho de 2009

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