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Sufoco na embaixada

Simpatizante do presidente deposto, Manuel Zelaya, e jornalista relatam ao Correio a tensão dentro da representação brasileira em Tegucigalpa. Governo de fato barra entrada de alimentos no prédio e coloca franco-atiradores de prontidão

postado em 24/09/2009 07:00
Os gritos tornavam a entrevista quase inaudível. ;Assassino! Assassino!” As palavras ecoavam ao telefone, enquanto o hondurenho Juan Barahona, coordenador do Bloco Popular e líder da Frente Nacional contra o Golpe de Estado, se aproximava da Casa Presidencial, em Tegucigalpa. ;Somos mais de 150 mil pessoas e vamos continuar nas ruas todos os dias, em repúdio absoluto;, avisou à reportagem o ativista pró-Manuel Zelaya.

Enquanto a ;Marcha da Resistência Pacífica; seguia rumo à Embaixada do Brasil, onde o presidente deposto se encontra refugiado, o Correio falava, por celular, com o jornalista Jose Luis Galdamez e com Carlos Eduardo Reina ; o filho do ex-presidente Carlos Reina recebeu de Zelaya a incumbência de organizar o movimento por seu retorno ao poder. Ambos estavam dentro da representação diplomática brasileira e contaram que o líder afastado ficou satisfeito com a intervenção do colega Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia Geral da ONU (leia matéria nesta página).

A partir de uma extremidade dos jardins da embaixada, Reina admitiu que a situação era de ;grande tensão;. ;Ontem (segunda-feira), éramos 313 cidadãos aqui. Com a ajuda dos direitos humanos, conseguimos retirar cerca de 243, que vieram se refugiar ante a brutal repressão nas ruas;, relatou. ;Temos problemas de alimentação, (os soldados) não deixam passar comida, roupas, remédios, nem um antibiótico necessário para uma pessoa que está com infecção nos brônquios.;

Na tentativa de garantir o mínimo de higiene no prédio, simpatizantes de Zelaya se organizaram, durante a manhã, e fizeram uma faxina no local. Galdamez, por sua vez, considerou as condições de higiene ;precárias;, disse que existe apenas um banheiro para 70 pessoas ; entre elas, três brasileiros ; e acusou Micheletti de violar direitos humanos fundamentais. ;Lançaram bombas aqui que machucam o tímpano. Temos gente com dor de cabeça, náuseas e vômitos;, descreveu. A Anistia Internacional se declarou ;alarmada; com a situação deflagrada em Honduras pelo golpe de 28 de junho.

Diante de um quadro cada vez mais tenso e imprevisível, Reina pediu a intervenção das Nações Unidas e descreveu como as forças de segurança exercem pressão sobre a embaixada, na tentativa de forçar a saída de Zelaya. ;Nos telhados das casas vizinhas, vemos franco-atiradores com rifles e policiais com aparatos que distorcem os sinais dos celulares;, comentou, por volta das 13h20 (16h20 em Brasília).

Naquele momento, Zelaya estava reunido com a mulher, Xiomara Castro; o filho, Jose Manuel; assessores e advogados. O ativista considerou lamentável a ;agressão ao território brasileiro; e garantiu que Honduras vai reparar os danos morais ao Brasil, ;quando o presidente for restituído ao poder;. Também acusou Micheletti de preparar uma invasão à embaixada ; segundo ele, o plano incluiria matar Zelaya e simular um suicídio. Às 17h30 (hora de Brasília), Reina contou que militares reprimiam com violência os manifestantes a apenas três quadras da representação. O Correio voltou a falar com Barahona às 19h (hora de Brasília). Ele disse que 26 pessoas ficaram feridas, algumas à bala. A polícia confirmou que um jovem foi morto na terça-feira à noite.

Diálogo
Mais cedo, em entrevista à agência France-Presse, Zelaya disse que espera dialogar ;pessoalmente; com Roberto Micheletti. ;Esse é o objetivo (da volta a Honduras), dialogar de forma pessoal, não apenas com ele, como também com os grupos econômicos do país, com os grupos políticos que têm interesse em participar das eleições de novembro;, comentou. ;Cheguei a Honduras com uma proposta de diálogo que foi respondida com bombas de gás lacrimogêneo.; Enigmático, comentou que ;países da América Central; o ajudaram a retornar ao país.

O governo de fato aceitou receber uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Tegucigalpa. Por meio de um comunicado, Micheletti se mostrou disposto à negociação, desde que Zelaya reconheça as eleições previstas para 29 de novembro. ;Primeiro, eu quero escutar da parte dele que aceita as eleições;, declarou à emissora BBC. Juan Barahona, no entanto, garantiu: ;A saída é só uma: retirar esse golpista do poder;.


Simpatizante do presidente deposto, Manuel Zelaya, e jornalista relatam ao Correio a tensão dentro da representação brasileira em Tegucigalpa. Governo de fato barra entrada de alimentos no prédio e coloca franco-atiradores de prontidão







Lula pede volta ao poder
Ao abrir a rodada de discursos da 64; Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou para pedir a restituição do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, ao poder. Lula anunciou mais tarde que já conversou com o colega americano, Barack Obama, e espera que os dois possam discutir ainda esta semana a crise no país centro-americano. No discurso, o presidente brasileiro pediu à comunidade internacional que fique atenta à segurança da embaixada brasileira em Tegucigalpa.

Assim como o brasileiro, os presidentes do Uruguai, Chile e Argentina se declararam contra o governo de fato em Honduras e o golpe que tirou Zelaya do posto. Horas antes, o presidente deposto, aquartelado na embaixada brasileira em Tegucigalpa, fez um apelo para que a ONU não abandone o povo de seu país. ;Nós estamos agradecidos a tudo que a comunidade internacional já fez, mas agora pedimos a todos que estão nas Nações Unidas que não abandonem o povo hondurenho neste momento crítico;, afirmou Zelaya à France Presse.

;A comunidade internacional exige que Zelaya reassuma imediatamente a Presidência e deve estar atenta à inviolabilidade da missão diplomática brasileira na capital hondurenha;, disse Lula. Ele destacou que, se faltar vontade política dos líderes mundiais, continuarão a proliferar ;anacronismos, como o embargo contra Cuba e golpes de Estado como o que derrocou o presidente constitucional de Honduras;.

A presidenta do Chile, Michelle Bachelet, também aproveitou seu discurso para pedir ;eleições livres e democráticas; em Honduras, que devem ser coordenadas pelo presidente ;eleito democraticamente;. A mandatária lembrou que a América Latina ;condenou energicamente os retrocessos democráticos;, como o que ocorreu em Honduras.

A argentina Cristina Kichner, por sua vez, alertou a comunidade internacional para o ;precedente; criado por um governo não reconhecido. ;Se não construirmos uma estratégia precisa e forte que faça retornar a democracia em Honduras (;) estaremos semeando um precedente;, disse. O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, também pediu a restituição da ordem democrática no país, acrescentando que seu país ;rejeita a ruptura da institucionalidade;.

Parlamentares
A Câmara dos Deputados aprovou o envio de uma comissão a Honduras para avaliar a situação da embaixada brasileira em Tegucigalpa. ;A ideia é rechaçar todas as tentativas de desvirtuamento das instituições e proteger a integridade da representação brasileira em Honduras;, declarou o deputado Ivan Valente (PSol-SP). Não há data definida para a partida da comitiva. Também ontem, nove deputados federais e um senador entregaram um documento à Embaixada de Honduras, em Brasília, pedindo o retorno imediato do presidente deposto.

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