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A vez dos cinquentões no Itamaraty

Nova geração assume postos-chaves no Itamaraty com o voto de confiança do chanceler Celso Amorim. Embaixador Antônio Patriota chega de Washington e deve ser oficializado na próxima semana como secretário-geral, substituindo o agora ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro

postado em 22/10/2009 08:25
A chegada de Antônio Patriota à Secretaria-Geral das Relações Exteriores será o exemplo mais emblemático das mudanças que colocaram uma nova geração de diplomatas na linha de frente do Itamaraty. Assim como Patriota, que assumiu seu primeiro posto como chefe de representação em Washington aos 52 anos, e aos 55 torna-se o número dois do ministério, está um grupo de embaixadores na faixa dos 50 anos. Todos estrearam, recentemente, como titulares em postos-chaves da diplomacia brasileira. A renovação é elogiada por especialistas, que esperam, no entanto, uma continuidade na linha de ação, tendo em vista a proximidade dos indicados com as diretrizes da política externa do governo Lula. "É uma renovação positiva, que traz gente que está há mais de 20 anos na carreira diplomática e, portanto, tem experiência. Além disso, são reconhecidos pela boa formação e alcançaram destaque na sua geração da escola diplomática", analisa o professor da Universidade de Brasília (UnB) José Flávio Sombra Saraiva, diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. "A substituição de gerações nas funções públicas é algo importante e deve ser estimulado. Quando desembarcamos na China, por exemplo, percebemos que os diplomatas e diretores das empresas são muito jovens", compara. O movimento no Itamaraty começou nos últimos cinco anos, quando diplomatas como Mauro Vieira e o próprio Patriota assumiram, pela primeira vez como embaixadores, os postos mais importantes do continente - Buenos Aires e Washington, respectivamente -, ambos com pouco mais de 50 anos. Agora, Vieira sucederá o colega nos Estados Unidos, e Patriota já está no Brasil para assumir, provavelmente na próxima semana, como secretário-geral, no lugar de Samuel Pinheiro Guimarães, que saiu dias antes de completar 70 anos e se aposentar. Nos últimos dois anos, outros recém-promovidos a embaixadores assumiram postos de peso. A decisão de indicar diplomatas relativamente jovens para funções importantes, no entanto, parece ser uma novidade só no governo Lula. Enquanto Guimarães assumiu como secretário-geral aos 63 anos, em 2003, seus antecessores no cargo, como Celso Amorim e Roberto Abdenur, chegaram ao posto com 51 anos. "Essa é uma estratégia do Itamaraty, de colocar gente nova em postos-chaves para dar-lhes uma responsabilidade acrescida e, no próximo governo, dependendo de qual seja, permanecer pelo menos parte dessa formação", avalia o professor de Relações Internacionais da UnB Amado Cervo. Ele destaca que a atual equipe está "muito afinada com a política exterior" do Planalto. Alinhamento De fato, os novos nomes são reconhecidos por levarem adiante uma orientação que recebe constantes críticas pela ênfase nas relações Sul-Sul. "Os que estão ocupando novos cargos vão continuar com a mesma política seguida até aqui, até porque são pessoas de total confiança do ministro Celso Amorim. Então, não vai haver surpresas na ação deles até o final deste governo", destaca Rubens Barbosa, embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1999 e 2004. "Há uma expectativa em torno deles porque houve uma renovação grande. São pessoas jovens, são burocratas competentes e vamos esperar o que eles vão fazer", completa. O fato de o novo secretário-geral chegar ao cargo a pouco mais de um ano do fim do governo Lula, contudo, não é visto como um grande problema pelos especialistas. "Pode haver mudança de governo com continuação da mesma linha (na diplomacia)", considera Barbosa, que evita fazer previsões. Para Amado Cervo, um chanceler de governo tucano poderia até mudar parte da equipe que assume agora, mas não a "estratégia interna". "Sempre há um toque pessoal, uma fixação de prioridades, mas a diplomacia de Estado é tradição que vem de décadas". Saraiva, por sua vez, acredita que não há como voltar atrás na direção tomada pela política externa brasileira. "A diplomacia é matéria de Estado e a inclinação ao Sul, geralmente associada a Amorim ou a Samuel Pinheiro, é a mesma uma inclinação que a China, a Índia e os EUA fizeram", afirma. "Essa é uma agenda que veio da estrutura do sistema internacional. Não é brincadeira, não é vã filosofia. É a realidade da emergência de novas polarizações internacionais", completa. Quatro ases Antônio Patriota O novo secretário-geral das Relações Exteriores foi primeiro de sua turma no Instituto Rio Branco e desponta como %u201Cescolhido%u201D do ministro Amorim para sucedê-lo, caso o presidente Lula faça seu próprio sucessor. Aos 55 anos, trabalhou diretamente com o atual chanceler na missão brasileira na ONU e, mais tarde, como chefe de gabinete no Itamaraty. Foi também subsecretário-geral para assuntos políticos, em colaboração estreita com seu antecessor imediato, Samuel Pinheiro. Vem dos Estados Unidos, seu primeiro posto no exterior como embaixador. Everton Vargas O atual embaixador na Alemanha também foi subsecretário-geral para assuntos políticos e respondeu diretamente pela área de meio ambiente e "temas especiais" no ministério. Nessa posição, acompanhou de perto processos como as negociações da Rodada de Doha. Com 54 anos, é outro integrante dos círculos mais próximos a Celso Amorim e Samuel Pinheiro e identificados com a política Sul-Sul do governo Lula. Mauro Vieira O novo embaixador designado para Washington, no lugar de Patriota, é mais um dos diplomatas que estrearam no posto mais alto da carreira em lugar de destaque: desde 2004, chefiava a representação do país na Argentina. Hoje com 58 anos, também foi chefe de gabinete do ministro Celso Amorim, no primeiro ano do governo Lula. Ricardo Neiva Tavares Caçula da "turma dos cinquentões", acumula na carreira promoções por mérito e estreou como embaixador à frente da missão brasileira perante a União Europeia, em Bruxelas, para onde foi enviado no ano passado - coincidindo com a elevação do status da representação e o início da parceria estratégica UE-Brasil. Com 52 anos, chefiou até 2008 a assessoria de imprensa do gabinete na condição de assessor especial do ministro Amorim. Críticas à doutrinação Apesar de especialistas apontarem a reorientação da política externa, sob o governo Lula, na direção dos países emergentes como uma consequência quase natural do rearranjo internacional, a chamada política Sul-Sul tem recebido críticas principalmente depois que um dos mais importantes nomes do Itamaraty condenou publicamente a "doutrinação" e a "intolerância à pluralidade de opinião" dentro do ministério. A repercussão das declarações do ex-embaixador em Washington e ex-secretário-geral Roberto Abdenur foi tanta que o diplomata foi chamado ao Senado, em fevereiro de 2007, para dar explicações sobre uma possível %u201Ccontaminação ideológica%u201D do Itamaraty. Na época, Abdenur denunciou que as promoções dentro do ministério se davam "de acordo com a afinidade política e ideológica, não por competência", e que até os diplomatas mais experientes tinham de ler livros com "viés da postura ideológica Sul-Sul" quando chegavam ou saíam de Brasília. Entre essas leituras obrigatórias estava, por exemplo, Chutando a escada, do acadêmico chinês Ha-Joon Chang. Ele argumenta que os países desenvolvidos tentam impedir as nações em desenvolvimento de chegarem ao topo da política mundial. O diplomata ainda criticou a "dimensão exagerada" dada à cooperação com países menos desenvolvidos, o antiamericanismo que afasta o Brasil da maior economia do mundo e até a parceria com a China - país que, a seu ver, não pode ser considerado aliado, mas concorrente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, credita hoje os reduzidos efeitos da recessão mundial no Brasil a essa "diversificação" das relações não só políticas como econômicas. "A crise econômica, embora tenha trazido transtorno ao mundo, permitiu que as pessoas arejassem a cabeça e ninguém mais pudesse dizer que era dono da verdade. Eu sei o que é fazer reunião com países ricos antes da crise e depois da crise", disse Lula após a reunião do G-20 em Pittsburgh, no mês passado.

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