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Sobreviventes de Auschwitz lamentam roubo de placa

postado em 19/12/2009 08:15
Em entrevista ao Correio, por e-mail, dois sobreviventes do campo de concentração Auschwitz II-Birkenau falaram sobre o roubo do arco que trazia a inscrição "O trabalho liberta", instalado sobre os portões. Eva Mozes Kor é romena, tem 76 anos e vive em Indiana (Estados Unidos). Foi cobaia nas experiências do médico nazista Josef Mengele, perdeu 117 familiares no campo e escapou da morte graças à vontade de viver. Gábir Hirsch nasceu em Békéscsaba, na Hungria. Aos 80 anos, também perdeu a mãe e vários familiares no local.

Como os senhores veem o roubo do arco com a inscrição "O trabalho liberta", que estampava o portão do campo de concentração de Auschwitz?
Eva Mozes Kor: Eu não sabia que havia sido roubado. Estarei em Auschwitz em janeiro para o 65; aniversário da liberação do campo. Eu estou triste que alguém tenha roubado a placa. Por que? Esta é uma ofensa contra todas as pessoas vitimadas pelos nazistas. É um monumento histórico. Isso foi algo desrespeitoso. É um crime remover tal símbolo de Auschwitz.

Gábir Hirsch: É um crime contra todo tipo de ex-vítimas da política nazista. Não é apenas uma ofensa contra os judeus. O símbolo representava Auschwitz-Birkenau, mas era a entrada do campo principal (Stamm-Lager) e os detentos que estavam no campo principal eram, em sua maioria, políticos alemães e poloneses, mas também criminosos e padres. A maior parte dos judeus foi assassinada e mantida em "campos de trânsito e extermínio", em Auschwitz II, também chamado de Birkenau.


O que a inscrição significa para os senhores?
Eva Mozes Kor: O símbolo tem sido uma parte integral do campo. Tem sido um símbolo histórico do passado trágico e ensinou gerações de visitantes sobre a mente bizarra dos nazistas. Eu caminhei sob a inscrição pelo menos seis vezes por semana, indo e voltando dos laboratórios de Mengele em Auschwitz.

Gábir Hirsch: Enquanto estive em Auschwitz II durante todo esse tempo, eu vi a placa apenas após a liberação e durante minha visita ao campo de concentração, na década de 1990. Ao mesmo tempo, placas de madeira nas barras de Birkenau traziam inscrições similares.


Este símbolo era um dos mais importantes do Holocausto? Sua existência é necessária para perpetuar a memória do Holocausto?
Eva Mozes Kor: O símbolo tem sido um dos mais importantes do Holocausto. Eu não acredito que o roubo dessa peça vá deter a memória do Holocausto ou atrapalhar as cerimônias em memória das vítimas. Creio que esse é um ato desconcertante, que deveria ser punido.

Gábir Hirsch: Para os detentos de Auschwitz, este é provavelmente um dos mais importantes símbolos para lembrá-los do sofrimento. Mas para os detentos de outros campos, há outras inscrições e símbolos não menos importantes.

De que modo Auschwitz mudou sua vida?
Eva Mozes Kor: Eu cheguei em Auschwitz em maio de 1944, com meus pais, duas irmãos mais velhas e com Miriam, minha irmã gêmea. Apenas Miriam e eu sobrevivemos, porque fomos usadas pelo Dr. Josef Mengele em seus experimentos mortíferos. Eu recebi a injeção de alguns germes letais e Mengele disse que eu teria apenas duas semanas de vida. Eu sobrevivi, por causa de minha vontade de viver. Nós sobrevivemos à inanição, ao frio, às doenças, à marcha da morte, para descobrir que nenhum de nossos parentes estava vivo. Eu perdi 117 membros de minha família, que foram assassinados pelos nazistas. Tios, tias, avós, primos... Depois de 270 dias em Auschwitz, fomos liberados pelas tropas soviéticas. Mas eu não era mais uma criança, e tinha apenas 11 anos. Os 270 dias em Auschwitz levaram embora minha família, minha infância, minha saúde e minha inocência, mas ainda acredito que as pessoas são boas de coração. Isso me ensinou que eu posso sobreviver a qualquer coisa, e que sou mais forte que Hitler, mais forte que Mengele e mais forte que o mal. Deus sempre triunfa sobre o mal. Eu perdoei todo mundo e estou livre do que fizeram comigo.

Gábir Hirsch: Auschwitz e o Holocausto mudaram minha vida. Perdi minha mãe, muitos parentes e colegas da escola. Eu fiquei em Auschwitz de 29 de junho de 1944 até a liberação, em 27 de janeiro de 1945 - foram 213 dias. A situação mais difícil para mim foi quando me vi separado de minha mãe e as repetidas seleções no campo.

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