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"Trapalhões" por profissionais

Veterano soviético aponta erros primários dos agentes descobertos nos EUA e trocados por coronéis do serviço secreto russo

postado em 10/07/2010 07:00
Já não se fazem mais espiões como antigamente (1), ; é o lamento que circula na imprensa russa nos últimos dias, desde que dois casais de espiões tiveram a identidade revelada nos Estados Unidos e provocaram ontem a maior troca de agentes entre Rússia e Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria. Ao todo, foram 10 agentes secretos que admitiram trabalhar para Moscou, nove russos e uma jornalista peruana. Na quinta-feira, ele se declararam culpados perante um juiz de Nova York, que determinou a deportação imediata. Os 10 foram enviados para Viena, onde foram trocados por quatro espiões americanos libertados na Rússia.

O episódio reforçou o papel da capital austríaca como um dos cenários preferidos para as tramas de espionagem durante a Guerra Fria entre os EUA e a extinta União Soviética. E o desfecho saiu sob medida para não colocar em risco a reaproximação diplomática entre as duas potências. A Rússia conseguiu evitar que seus agentes fossem julgados por um tribunal americano, o que seria embaraçoso, e Washington tirou da prisão dois coronéis russos que estiveram a seu serviço. O ;preço; compensou, já que os deportados eram agentes russos de baixa categoria: tinham obtido apenas informações de pouco valor e estiveram o tempo todo sob discreta vigilância do FBI, a polícia federal americana (FBI), que tem na contra-espionagem uma de suas missões.

Na análise do ex-espião, Gevorg Vardanyan, detentor de uma condecoração como Herói da União Soviética, houve ;irresponsabilidade; e ;incompetência;, tanto de quem recrutou os agentes quanto deles próprios, que fracassaram em manter o sigilo de sua identidade nos EUA. Em entrevista ao jornal russo Trud, Vardanyan considerou improvável que o cônjuge de uma espiã ignorasse a verdadeira atividade da companheira, como alegou o marido da russa-britânica Anna Chapman ; isso seria admissível apenas se ela fosse praticamente uma iniciante, portanto sem responsabilidade por ;um trabalho muito importante;.

Questionado sobre a mudança de comportamento de alguns dos detidos, o ex-agente avalia que o recrutamento dessas pessoas foi um erro. ;Se houve mudanças drásticas na conduta, na maneira de se comunicar com as pessoas, na vida privada, tudo isso atesta a incompetência do agente e daqueles que o recrutaram;, avalia Vardanyan. Para ele, um espião deve esconder sinais exteriores da mudança de status e jamais mencionar o recrutamento. ;Tudo deve ser cuidadosamente pensado. Absoluta atenção para os cuidados da adesão. Assim, a probabilidade de falha é reduzida ao mínimo;, explica o veterano. Na antiga União Soviética, falhas como essas podiam ser punidas como ;traição à pátria;.

Para o ex-agente, os EUA agiram bem ao desmascarar os espiões, em vez de esperar alguma ação que pudesse levar a contatos mais relevantes, pois existe uma diferença entre bons espiões e os ;trapalhões;. ;Um pode trabalhar muito bem e cobrir uma extensa rede de agentes, ou simplesmente levantar um escândalo. Ou mais problemas. Muitas vezes, por causa de alguma vantagem momentânea política, ou mesmo de seu interesse pessoal na contra-espionagem, pode precipitar uma ação em detrimento de objetivos globais;, indica.

Vardanyan também criticou o fato de alguns agentes terem exposto a vida pessoal na internet. Apesar de reconhecer as facilidades dos avanços tecnológicos, ele destaca que ;o fator humano ainda é dominante; no submundo da espionagem: ;Sempre é possível decifrar e abrir redes de computadores, rádios e novos meios de comunicação;.

1 - Amigo secreto
No mesmo dia em que se efetivou a maior troca de espiões entre EUA e Rússia no pós-Guerra Fria, um post no blog do biógrafo Pete Earley anunciou a morte de um ;peixe graúdo; fisgado por Washington há 10 anos. Sergei Tretiakov chefiava as operações da inteligência russa na sede das Nações Unidas, em Nova York, quando desertou e pediu refúgio ao governo americano. De acordo com Earley, Tretiakov morreu em 13 de junho, aos 53 anos, vítima de um ataque cardíaco. Foi sepultado três dias depois, em cerimônia restrita à família, que reuniu 200 amigos, colegas e vizinhos para um serviço fúnebre no nono dia após o falecimento, como reza a tradição da Igreja Ortodoxa russa. O valor das informações que passou à CIA e ao FBI pode ser medido pelo pagamento que recebeu: US$ 2 milhões e reacomodação com a família, sob nova identidade e em endereço reservado.

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