Mundo

Dor, desespero e clamor por justiça

No 15º aniversário do genocídio de 8 mil bósnios, parentes enterram corpos de 775 vítimas

postado em 12/07/2010 07:53
Quando as tropas do general servo-bósnio Ratko Mladic impuseram o cerco de 11 dias sobre a cidade de Srebrenica, Ramic Senad tinha apenas 16 anos. ;Aquele 11 de julho foi demoníaco. Eu me lembro da multidão de refugiados, dos homens sendo separados de suas famílias;, conta ao Correio, pela internet. Todos os dias ele olha as fotografias do pai e do irmão, cujos restos mortais foram enterrados exatamente um ano atrás. A família separou-se na floresta, ao tentar alcançar um campo de refugiados em Potocari, a apenas 4km. ;Eu e minha mãe conseguimos chegar lá, onde os soldados holandeses da ONU nos aguardavam;, relata. ;Nunca mais vi meu pai e meu irmão. Contaram-me que foram executados pelos servo-bósnios na mata;, acrescenta. O ritual realizado há um ano por Ramic e sua mãe foi repetido ontem por milhares de pessoas.

No 15; aniversário do genocídio de Srebrenica ; durante o qual 8 mil muçulmanos foram executados ;, uma multidão tomou conta do cemitério de Potocari, na Bósnia-Herzegóvina, para sepultar mais 775 vítimas. Mães abraçavam os caixões verdes de seus filhos, homens inclinavam-se e oravam a Alá diante das sepulturas, lágrimas eram derramadas ; inclusive por chefes de Estado. Estavam ali o presidente da Sérvia, Boris Tadic, e o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. Segundo a rede de TV Al-Jazeera, Tadic disse que compareceu à cerimônia para fazer um ;gesto de reconciliação;. ;Espero construir pontes de amizade e de compreensão entre as nações da região;, afirmou.

Mancha
;O 11 de julho é para que jamais se esqueça de que houve um genocídio aqui. Mataram inocentes;, desabafa Ramic. A reportagem tentou entrar em contato com Hasan Nuhanovic, que trabalhava como intérprete das tropas holandesas na época do cerco a Srebrenica. ;Acabo de retornar de lá e estou realmente cansado. Acabo de enterrar minha mãe e meu irmão;, afirmou, por e-mail, ao justificar a recusa à entrevista.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, qualificou o massacre de Srebrenica de ;uma mancha em nossa consciência coletiva;. Em nome do povo norte-americano, ele exigiu a prisão de Mladic. O general de 66 anos foi acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) para a ex-Iugoslávia de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Em 1996, a corte emitiu uma ordem de detenção internacional contra o militar, atualmente foragido. ;Por ocasião do 15; aniversário do genocídio de Srebrenica, e em nome dos Estados Unidos, somo minha voz à daqueles que lamentam a grande perda e refletem sobre a tragédia inimaginável;, declarou Obama. ;O horror de Srebrenica é uma mancha em nossa consciência coletiva.; A mensagem do mandatário foi lida durante a cerimônia no cemitério de Potocari.

Pela internet, a sérvia Bajagic Nada contou que perdeu ;vários amigos; em Srebrenica. Três anos antes do massacre, ela e a família mudaram-se para Novi Sad, na Croácia. ;Foi uma tragédia. Eu me sinto terrível e não posso imaginar que existam pessoas tão monstruosas, capazes de fazer aquilo;, lamenta. ;Nasci em Srebrenica e me sinto triste porque meus amigos não estão mais comigo.;

Memória
Limpeza étnica

Em julho de 1995, a cidade de Srebrenica foi palco de um massacre durante a guerra da Bósnia. Os milhares de fugitivos muçulmanos que estavam sob proteção das forças da ONU em uma zona de segurança foram atacados pelas tropas do general Ratko Mladic e do então presidente servo-bósnio Radovan Karadzic. Os dois seguiam uma política de ;limpeza étnica; no país. Apenas naquela região, mais de 8 mil pessoas foram mortas. A maioria das vítimas era do sexo masculino, incluindo garotos com menos de 15 anos e idosos com mais de 65.

O ataque resultou no maior assassinato em massa na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Para o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, o crime é considerado um genocídio. Tanto Mladic como Karadzic estão sendo processados pelo massacre. Em março de 2010, o governo da Bósnia-Herzegóvina identificou, por meio de exames de DNA, 6.414 vítimas enterradas na cidade.

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