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Chanceleres da Unasul passam por verdadeiro teste

Bloco regional se reúne na tentativa de reaproximar os vizinhos, rompidos por causa de denúncias sobre a presença da guerrilha das Farc em território venezuelano. Brasil propõe vigilância conjunta na fronteira e tenta dispensar intervenção de Washington na crise

postado em 29/07/2010 08:31
Bloco regional se reúne na tentativa de reaproximar os vizinhos, rompidos por causa de denúncias sobre a presença da guerrilha das Farc em território venezuelano. Brasil propõe vigilância conjunta na fronteira e tenta dispensar intervenção de Washington na criseOs chanceleres dos países da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) reúnem-se hoje em Quito, no Equador, para tentar dar um fim à tensão entre dois de seus parceiros. Na semana passada, a Venezuela rompeu as relações com a Colômbia depois de o presidente Álvaro Uribe, que deixa o poder no próximo dia 7, acusar o governo de Hugo Chávez de abrigar em seu território guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A posição brasileira, adiantada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por seu assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, será convencer os dois vizinhos a monitorarem a fronteira em conjunto, como já é feito pelos colombianos com o Equador. ;Eu pretendo conversar muito com o Chávez, conversar muito com o (Juan Manuel) Santos (sucessor de Uribe), porque o tempo é de paz;, afirmou Lula aos jornalistas ao receber em Brasília o colega nicaraguense, Daniel Ortega.

Uribe apresentou a denúncia formalmente à Organização dos Estados Americanos (OEA), onde conta com o peso dos Estados Unidos, aliados fundamentais no combate às Farc e nos atritos com Hugo Chávez, mas o Brasil tenta promover uma resposta de cunho político no âmbito da Unasul. ;Os dois países vão ter a possibilidade de ter uma conversa, que deveria ser direta e discreta. Uma conversa pública não funciona muito, porque há recriminações de ambas as partes, que só fazem alimentar outras. Tanto da parte da Venezuela quanto da Colômbia, a disposição para o acordo é maior que para o desacordo;, considera Marco Aurélio. ;E o conjunto da região está muito interessado em que o acordo se faça.;

Uma vez aberto o caminho para a conciliação, o governo brasileiro pensa em propor a vigilância conjunta das fronteiras. ;Isso, de certa forma, neutralizaria uma série de ações que complicam a vida dos países: Farc, Exército de Libertação Nacional (ELN), paramilitares, narcotraficantes;, disse Marco Aurélio. Experiência semelhante foi bem-sucedida com o Equador, onde a situação ficou ;muito mais crítica; em março de 2008, depois que os militares colombianos bombardearam um acampamento das Farc em território equatoriano. ;Se lá funcionou, acho que também pode funcionar para evitar faíscas (entre Venezuela e Colômbia);, destacou.

O visitante nicaraguense opinou que seria ;uma guerra terrível para a América Latina;, e se demonstrou esperançoso com a mediação da Unasul. Entretanto, o otimismo de Lula e Ortega não é compartilhado pelo ex-chanceler equatoriano Marcelo Fernández de Córdoba. Para ele, a reunião de hoje é ;inútil; no que diz respeito a soluções e se presta apenas ;para Chávez fazer um pouco de propaganda e a Colômbia manter sua postura;, como disse à agência Reuters. ;Não sairá mais que uma exaltação para que os dois países resolvam as disputas.;

;Loucura;
Se, por um lado, Uribe insiste na participação internacional para analisar as denúncias que fez perante a OEA, ele rejeitou a ideia de envolver ;atores internacionais; em um processo de paz com as Farc, pois entende que isso daria ;oxigênio; aos guerrilheiros. ;Cuidado ao afrouxar a nuca da cobra, porque ela está meio adormecida, mas se afrouxamos ela volta a respirar;, ilustrou, falando em um ato de despedida no Ministério da Defesa. ;Só exigimos da comunidade internacional que cumpra as normas internacionais que nós cumprimos, que são as de não dar abrigo ao terrorismo e combatê-lo;, cobrou Uribe.

O governo de Caracas recusou, até aqui, a proposta colombiana de criar comissões de verificação sobre a presença das Farc no território venezuelano. Depois de fazer uma turnê por vários países sul-americanos, entre eles o Brasil, o chanceler Nicolas Maduro garantiu que seu objetivo foi ;construir a paz;. Ele prometeu que seu país apresentará ;um plano de paz; para a Colômbia, e fez ;um apelo a homens e mulheres honestos; do país vizinho para que ;detenham a loucura do governo Uribe; e ;as agressões contra a Venezuela;.

Quem atira a primeira pedra?
O presidente brasileiro ficou numa saia justa no fim da visita de Ortega. Os jornalistas perguntaram se ele telefonaria para o colega Mahmud Ahmadinejad para pedir pela vida da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento sob acusação de adultério. Lula ressaltou que já pediu por uma francesa e por americanos no Irã, assim como por brasileiros na Indonésia e na Síria, mas ponderou que ;um presidente da República não pode ficar na internet atendendo a todo pedido que alguém faz de outro país;. ;As pessoas têm leis, as pessoas têm regras. Se começarem a desobedecer as leis delas para atender ao pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação. Eu, sinceramente, não acho que nenhuma mulher deveria ser apedrejada por conta de... sabe, traição;, respondeu.

Solidariedade com Zelaya

Defender uma repatriação segura para o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, deposto por um golpe militar, em junho de 2009, continua sendo um tema ;de honra; do governo brasileiro em relação à América Central. Durante a visita do presidente nicaraguense, Daniel Ortega, o assunto ocupou um lugar de destaque. ;Não podemos admitir que o golpe de 28 de junho de 2009 se torne incentivo a novas aventuras antidemocráticas;, disse Lula, na presença de Ortega. ;Um golpe que chegou quando menos se esperava, quando se pensava que os golpes haviam desaparecido para sempre da região. Uma enorme ferida no processo de integração centro-americano;, concordou Ortega, que fez um longo discurso antes do almoço oferecido no Itamaraty.

Ambos os presidentes afirmaram que, até o momento, não há condições de reconhecer o governo do presidente hondurenho Porfirio Lobo, vencedor da polêmica eleição realizada em novembro último, sem reconhecimento formal da OEA. Para Lula e Ortega, Lobo deve criar condições para que Zelaya regresse ao país. No entanto, nenhum dos dois comentou o fato de os países do Sistema de Integração Centro-Americano (Sica) ; com a exceção da Nicarágua ; terem decidido normalizar as relações com Honduras na terça-feira passada. Os países centro-americanos também pediram que o vizinho seja readmitido na OEA.

No contexto doméstico, Ortega vive uma polêmica semelhante à de Zelaya: ele defende que é o povo quem deve decidir, nas eleições de novembro de 2011, sobre a reeleição presidencial, proibida pela Constituição nicaraguense. A medida foi autorizada por sentença judicial ; rejeitada por 70% da população, segundo uma recente pesquisa de opinião. Ortega, eleito em 2006, tem mandato até 2011.

Além de discutir o panorama centro-americano e a integração com organismos como a Unasul e o Mercosul, Lula e Ortega também avaliaram o andamento de programas de cooperação bilateral em agricultura, habitação popular, saúde, educação, energia e combate à fome. (VV)

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