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Expulsão e ruptura no governo

Berlusconi afasta o presidente da Câmara dos Deputados de partido que eles criaram. Ex-aliado funda legenda e atrai políticos

postado em 31/07/2010 07:00
O governo do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, está prestes a erodir por completo. Um dia depois de ter acusado seu principal aliado e presidente da Câmara dos Deputados, Gianfranco Fini, de ser ;traidor e conspirador;, o premiê avisou: ;Não mais acreditamos nele;. Il Cavaliere, como é chamado o chefe de governo, foi além e rompeu com Fini, apenas 16 meses após ambos terem fundado o partido Povo da Liberdade (PDL, pela sigla em italiano). ;Tirei um peso das costas, me sinto libertado como quando me divorciei;, desabafou. Por sua vez, o parlamentar não se intimidou e desafiou Berlusconi. Ao apresentar-se como ;defensor da legalidade;, Fini ; cotado como forte nome para a chefia de governo no próximo mandato ; recusou-se a pedir demissão do cargo.

;Foi escrita uma página negra para a centro-direita italiana e certamente não renunciarei ao cargo de presidente da Câmara dos Deputados, já que minha missão é garantir o Parlamento e não a maioria que o elegeu;, afirmou Fini, em resposta a Berlusconi. Expulso da legenda na noite de quinta-feira, ele criou ontem o partido Futuro e Liberdade, atraindo 34 deputados que até então apoiavam o premiê. O parlamentar acusou o ex-aliado de ser ;antiliberal;. Berlusconi não se fez de rogado. Garantiu ter apoio suficiente para governar e mandou uma mensagem aos fundadores da nova facção. ;Nós prometemos aos italianos um país mais moderno, mais livre, mais seguro, mais próspero, menos sobrecarregado com impostos e burocracia;, declarou.

Para o cientista político italiano Maurizio Cotta, da Università Degli Studi Di Siena, a menos que Berlusconi reduza o impacto de Gianfranco Fini e de seus seguidores, verá o gabinete enfraquecer. ;O premiê provavelmente pedirá a convocação de eleições antecipadas, caso enfrente mais derrotas no Parlamento;, prevê, em entrevista ao Correio. No entanto, ele lembra que essa decisão cabe ao presidente, Giorgio Napolitano. ;É provável que Napolitano relute em tomar essa medida e talvez tente formar um novo governo, mas isso levaria a um conflito muito intenso entre a Presidência da República e o governo Berlusconi;, acrescenta.

Cotta lembra que Fini planejava um futuro brilhante, na posição de líder de centro-direita. Segundo ele, o surgimento de Berlusconi e a habilidade do atual governo em interpretar a desconfiança dos italianos em seus partidos tradicionais frustraram o projeto de Fini e o fizeram exercer um papel secundário na política. ;A decisão de Berlusconi e de seus seguidores de promover a expulsão de Fini do PDL reafirmou o papel do premiê como único líder do partido, ainda que isso aumente sua vulnerabilidade;, aposta o cientista político. ;Em breve, Berlusconi enfrentará dissensão dentro do PDL, o que aumentará a frequência de perdas no Parlamento;, prevê. Será um teste de fogo para Il Cavaliere.

ANÁLISE DA NOTÍCIA
Um futuro perigoso para Berlusconi
Maurizio Cotta


Berlusconi afasta o presidente da Câmara dos Deputados de partido que eles criaram. Ex-aliado funda legenda e atrai políticosA crise política na Itália envolvendo o premiê, Silvio Berlusconi, e o presidente da Câmara dos Deputados, Gianfranco Fini, tem suas raízes na história muito peculiar do principal partido de centro-direita -- o Povo da Liberdade (PDL) -- e, em especial, da vida política do atual primeiro-ministro na chamada Segunda República. Em 1994, Berlusconi entrou na cena política italiana, quando alguns dos velhos partidos que haviam sobrevivido à crise da democracia cristã e o Partido Socialista estavam tentando redefinir sua identidade e encontrar um novo papel.

Este foi o caso do Partido Comunista, que tentava impor-se como um partido menos ideológico de centro-esquerda e da MSI (neofascista). Esta mudou o nome para Aliança Nacional, convergindo para o centro a partir da centro-direita, a fim de ganhar eleitores perdidos pelos democratas-cristãos. Ambas as partes haviam sido expurgadas do governo por 40 anos e tentavam conseguir um papel mais relevante. No caso da aliança MSI-AN, Gianfranco Fini -- atual presidente da Câmara dos Deputados -- via para si um futuro brilhante, como líder da centro-direita.

O surgimento de Berlusconi com o novo partido e seu sucesso imediato e inesperado -- devido a sua fortuna e à enorme capacidade de interpretar a desconfiança dos italianos para com os partidos tradicionais -- rapidamente frustraram os projetos de Fini. Ele precisou aceitar a liderança de Berlusconi e exercer um papel secundário na centro-direita. A posição de Fini tem se tornado cada vez mais difícil no novo partido unificado que Berlusconi criou (Povo da Liberdade), reunindo o Força Itália e o Aliança Nacional.

É bastante óbvio que o modelo de partido promovido com sucesso por Berlusconi é aquele dominado pelo líder e onde deve haver espaço para um número de sublíderes que são totalmente confiáveis. Fini tem tomado uma postura desafiadora, em relação a Berlusconi. A decisão de Berlusconi e de seus seguidores de promoverem a expulsão de Fini do PDL reafirma o papel de Berlusconi como o único líder do partido. Isso significa que os sucessos do partido (e do governo), mas também seus fracassos, devem ser atribuídos a um único líder. Isso obviamente aumenta a vulnerabilidade de Berlusconi e de seu partido. Também mostra que dentro desse partido será excessivamente difícil produzir um líder diferente, se houver necessidade.

Aparentemente, o perdedor dessa disputa entre o premiê e o presidente da Câmara dos Deputados é o próprio Fini que, tendo sido o líder incontestável de um partido médio como o Aliança Nacional, agora lidera pequenos grupos parlamentares nas duas câmaras do Parlamento e deve recriar uma estrutura partidária no país.

Ao mesmo tempo, a imagem e a popularidade de Berlusconi têm se enfraquecido durante esses meses, graças às prolongadas escaramuças com Fini, colega de partido e cofundador do PDL. Além disso, os novos grupos parlamentares de Fini, que em princípio continuam a apoiar o governo e a ser parte de sua maioria parlamentar, necessariamente enfraquecerão a coesão da maioria do governo, que já não é tão forte como se esperava. A vida do governo será mais complicada, apesar da fraqueza da oposição. Em breve, devemos ver que Berlusconi terá de encarar dissensão interna em sua maioria e isso pode aumentar a frequência de derrotas parlamentares do gabinete.

Também é preciso lembrar que Fini experimenta uma alta popularidade no país e pode, habilmente, usar os erros ou os excessos verbais de Berlusconi para tentar se apresentar como um líder dos moderados de centro-direita. A probabilidade de uma "guerrilha midiática e parlamentar" entre Berlusconi e Fini é muito alta.Eu ficarei surpreso se ela não ocorrer.

A não ser Berlusconi seja capaz de reduzir o impacto de Fini e de seus seguidores, o gabinete ficará enfraquecido, e isso induzirá o premiê a dizer que a decisão dos eleitores de dar a ele a vitória nas eleições foi traída e que a voz dos eleitores deve ser ouvida novamente. As eleições antecipadas provavelmente serão pedidas por Berlusconi, caso ele tenha de enfrentar uma série de derrotas parlamentares.

No sistema italiano, no entanto, não é o poder do primeiro-ministro que decide sobre eleições antecipadas, mas do presidente da República (Giorgio Napolitano), após consulta com as câmaras do Parlamento (uma delas é dirigida pelo próprio Fini). O presidente provavelmente se mostrará relutante a tomar tal decisão e talvez tente formar um novo governo com uma maioria diferente. Mas isso levaria a um conflito institucional muito duro entre a Presidência da República e o governo Berlusconi.

A crise de hoje pode causar sérios problemas, a menos que alguma solução seja encontrada entre os dois líderes, o que criaria uma separação não-beligerante. As probabilidades de isso ocorrer, porém, são escassas.

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