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Teerã recusa apelo

Ao negar oferta de asilo a condenada à morte por apedrejamento, regime admite caráter humano de Lula, mas afirma que presidente está desinformado sobre o caso

postado em 04/08/2010 07:00
Manifestante se veste como condenada ao apedrejamento e mostra a foto de Sakineh Ashtiani: clamor mundialSe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendia usar a aproximação com o Irã para salvar a vida de uma mulher condenada a apedrejamento, percebeu que a rigidez do regime teocrático islâmico se sobrepõe a gestos de cordialidade política. ;Pelo que sabemos do senhor (Lula) da Silva, ele tem um caráter sensível e humano, e provavelmente não recebeu informações suficientes (sobre o caso);, declarou Ramin Mehmanparast, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, referindo-se à sentença imposta a Sakineh Ashtiani, 43 anos, acusada de adultério. ;Podemos dar detalhes do crime dessa pessoa, que foi condenada, e então acho que a questão ficará esclarecida para ele;, emendou.

Lula não preferiu o silêncio. ;Primeiro, eu fico feliz que o ministro do Irã tenha percebido que sou um homem emocional. Eu sou muito emocional. Segundo, eu não fiz um pedido formal (de asilo). Eu fiz um pedido mais humanitário;, declarou, durante a cúpula do Mercosul, em San Juan (Argentina). O polêmico apelo ocorreu no último sábado, durante comício em Curitiba. ;Eu tenho de respeitar a lei de um país, mas se valem a minha amizade e o carinho que tenho pelo presidente do Irã (Mahmud Agmadinejad) e pelo povo iraniano, se esta mulher está causando incômodo, nós a receberíamos no Brasil;, admitiu.

O asilo foi novamente oferecido ontem. ;Pelo que eu soube, ou ela ia morrer por apedrejamento ou por enforcamento, e nenhuma dessas mortes é humanamente aceitável. Obviamente que, se houver a disposição do Irã em conversar sobre esse assunto, nós teremos imenso prazer em conversar e, se for o caso, essa mulher poderia ir ao Brasil;, disse Lula. Mas deixou claro que respeita a soberania de Teerã. ;Eu sei que cada país tem suas leis, sua Constituição, sua religião. Gostando ou não, temos que respeitar o procedimento de cada país;, lembrou.

O Correio apurou que Sakineh Ashtiani recebeu com esperança a tentativa de intercessão de Lula. ;Conversei hoje (ontem) com Sajjad, o filho de Sakineh. Ele me contou que a mãe soube da oferta do presidente Lula e estava feliz por isso;, afirmou à reportagem, por e-mail, a iraniana Mina Ahadi, fundadora do Comitê Internacional contra o Apedrejamento. De acordo com Mina, Sakineh divide a cela com 40 condenadas à morte na prisão de Tabriz (noroeste). ;Ela está em situação muito ruim. Sente tristeza e depressão.; No início de julho, a Justiça comutou a pena de apedrejamento para enforcamento.

Marina Nemat já viveu o drama de Sakineh. Foram dois anos, dois meses e 12 dias atrás das grades, na prisão de Evin, no noroeste de Teerã. ;Fui condenada à morte aos 16 anos, mas tive sorte e deixei o local;, relatou ao Correio, por e-mail. A liberdade veio na forma de um casamento forçado com Ali Moosavi, um dos guardas do presídio. O sofrimento fez com que ela se unisse à dor de Sakineh. ;Ashtiani foi açoitada 99 vezes, como parte da sentença. Ela está ciente do apoio internacional e isso lhe dá um fio de esperança;, acrescentou Marina, autora de Prisioneira de Teerã.

Resistência
A escritora denuncia arbitrariedades envolvendo o caso. ;O governo tentou prender o advogado de Sakineh (Mohammad Mostafaei), mas, como ele não estava em casa, levou a mulher e o cunhado. No país onde nasci, as sentenças de morte são cumpridas sem aviso. Já houve situações em que o caso estava sob revisão e o acusado foi executado sem notificação judicial;, lamenta Marina. Segundo ela, o desrespeito aos direitos humanos não é recente. ;Enquanto as autoridades perceberem que o mundo está indiferente a seus crimes, continuarão a cometê-los. Todos aqueles que creem nos direitos humanos e na democracia têm de enviar ao governo iraniano a mensagem de basta;, disse a ex-prisioneira, que agradeceu o gesto de Lula.

Lily Mazahery, uma das mais renomadas advogadas persas, destacou que o brasileiro ;respeita os direitos das vítimas, emudecidas pelas leis selvagens;. ;Eu não tinha dúvidas de que o regime declinaria a oferta. Lula mostrou uma tremenda coragem, ao estender a oferta de asilo;, admitiu. Para ela, Sakineh Ashtiani ;é a vítima mais recente das leis draconianas implementadas desde a Revolução Islâmica, em 1979;. A ativista afirma que o adultério é virtualmente impossível de ser provado. ;O apedrejamento só pode ser aplicado se quatro homens justos tiverem presenciado a relação sexual;, reforça.

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