Mundo

Discussão sobre as relações do Brasil com países acusados de abusos e violações alimenta o debate sobre política externa

postado em 08/08/2010 07:00
Mulheres ameaçadas de morte por apedrejamento, blogueiros proibidos de sair do país, civis em deslocamento forçado por guerras e conflitos armados ; dramas de outras partes do mundo ganharam a atenção dos brasileiros, e a preocupação com política externa e defesa dos direitos humanos passou a se refletir no debate eleitoral. No fim de junho, representantes dos presidenciáveis aderiram a uma agenda de 10 compromissos em torno de princípios humanitários, durante um seminário promovido em Brasília pelo Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa. ;É fundamental que os candidatos apresentem e debatam as diretrizes da política externa que implementarão, caso eleitos;, declarou a representante da ONG Conectas Direitos Humanos e cossecretária do comitê, Camila Asano.

Houve unanimidade entre os representantes das campanhas de Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSol) na adoção dos 10 pontos, que incluem desde a prioridade dos direitos humanos frente a outros interesses até o uso do diálogo em favor dos princípios humanitários.

No entanto, a deputada Iriny Lopes (PT-ES), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e autora do requerimento para a realização do seminário, lamenta que o interesse seja temporário. ;Direitos humanos ainda não entraram na agenda permanente. É muito factual: acontece um fato e aí as pessoas se manifestam. Não há uma compreensão de que eles devem permear todas as políticas de Estado;, ressalta Iriny ao Correio. Mas ela comemora uma pequena vitória: ;Em parte, o fato de a questão aparecer na pauta eleitoral deve-se a alguns avanços das posturas brasileiras, tanto fora quanto dentro do país. E me refiro não só ao governo, mas também à sociedade;.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido criticado por aproximar-se de países que as potências ocidentais consideram exemplos de desrespeito aos direitos humanos, como Irã, Coreia do Norte e Cuba. As pedras também têm caído sobre o Itamaraty, na figura do chanceler Celso Amorim. ;A política externa pragmática, que relativiza princípios, torna o Brasil complacente com os regimes autocráticos. Isso não é coerente com a tradição de nossa diplomacia, de alinhamento com a defesa da dignidade humana;, criticou Marina Silva, na última sexta-feira. Em Brasília, um diplomata especialista no tema defendeu a posição do ministério. ;O fato de o Brasil não dirigir uma crítica pública (durante a visita de determinados governantes) não significa que essa preocupação não possa ser manifestada a portas fechadas;, disse à reportagem.

Pesos e medidas
Claudiene Santos, pesquisadora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), destaca que as violações praticadas em alguns países acabam chamando mais a atenção do brasileiro do que outras. ;Por que a gente reconhece que a iraniana (Sakineh Ashtiani) que será apedrejada está sendo violentada e não reconhece também que a cubana (a blogueira Yoani Sanchéz) está sendo cerceada nos seus direitos? Algumas práticas violentas são reconhecidas mais facilmente, e aí entra o componente da cultura ; o que não significa que elas não possam ser repensadas, ainda que façam parte da tradição;, analisa.

Iriny argumenta que violações de direitos econômicos, sociais e ambientais também constituem delitos contra a dignidade humana. ;Existem grandes potências que causam os maiores danos coletivos, porque inclusive extrapolam suas fronteiras. A quebra de postura em relação à proteção ambiental, no exercício da proteção comercial exagerada que obriga à pobreza países que poderiam ter um desenvolvimento maior: tudo isso é violação de direitos humanos.;

A deputada considera que ;o inaceitável para um presidente do Brasil; seria ;qualquer sinal de concordância com esse tipo de política adotada em outros países;. Mas, apesar do aumento do peso no cenário internacional, ela avalia que o país ainda ;não está no ponto ideal;, e precisa vencer problemas internos de direitos humanos. ;O Brasil ainda não tem essa potência toda em nível internacional para impor posições políticas;, opina.

Sakineh contesta assassinato
A iraniana Sakineh Ashtiani, objeto de uma campanha internacional e solidariedade para salvá-la da morte por apedrejamento, refutou a informação de que teria sido condenada também pelo assassinato do marido. ;Eles mentem. Estão preocupados com o interesse internacional pelo meu caso e tratam, desesperadamente, de distrair a atenção e confundir a imprensa para poder me matar em segredo;, disse Sakineh, por meio de um intermediário, ao jornal britânico The Guardian. Na quinta-feira, o juiz iraniano Mossadegh Kahnemui disse a emissários da ONU que ;essa mulher, além de duplo adultério, foi culpada de um complô para matar o marido;. A acusada sustenta que foi absolvida da acusação de homicídio, embora o autor do crime esteja solto. ;É porque sou mulher;, denunciou.

Pecado universal

Todos os países do mundo violam direitos humanos, segundo seus defensores. Conheça os problemas de alguns governos com os quais o Brasil mantém relações

China
Pena de morte, execuções extrajudiciais, tortura de prisioneiros e trabalho infantil.

Estados Unidos
Pena capital, inclusive com cadeira elétrica e câmara de gás. No governo Bush, militares foram acusados de torturar detentos em Guantánamo, no Afeganistão e no Iraque.

Coreia do Norte
Execuções extrajudiciais, desaparecimentos e detenções arbitrárias por motivos políticos.

Irã
Impede as mulheres de pedir o divórcio, permite a condenação de menores de idade como adultos, cerceia a liberdade religiosa e castiga a homossexualidade. Aplica pena de morte por enforcamento e apedrejamento.

Cuba
Mantém na prisão cerca de 180 dissidentes do regime dos irmãos Castro. Não respeita a liberdade de expressão nem o direito de
ir e vir.

Colômbia
Mais de 3 milhões de pessoas em deslocamento forçado por conflitos entre grupos rebeldes e militares, além de execuções extrajudiciais de civis suspeitos de cooperar com alguma das partes.

Honduras
Assassinato de jornalistas que defenderam o presidente Manuel Zelaya após o golpe de Estado de junho do ano passado, como também de profissionais que apoiavam o presidente interino, Roberto Micheletti.

Venezuela
Fechamento de meios de comunicação opositores ao governo de Hugo Chávez, coibindo a liberdade de imprensa. Erosão dos direitos democráticos.

Guiné Equatorial
Prática de tortura e detenções arbitrárias são apenas as mais graves entre as violações cometidas nos 31 anos de governo do presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.

União Europeia
Registra casos de perseguições e discriminação contra estrangeiros em todos os 27 países-membros.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação