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Raúl ensaia adotar o "capitalismo social" implantado no Brasil

Programas de complementação e transferência de renda farão parte de uma reestruturação no país

Silvio Queiroz
postado em 01/01/2011 08:38
Feitas as contas, foi mesmo preciso uma amizade de mais de duas décadas, plena de admiração recíproca, para que Fidel Castro faltasse à data magna do calendário político cubano ; o aniversário da revolução, que triunfou no Revéillon de 1958 para 1959 ; e viesse à primeira posse de Lula, em 2003. Dilma não terá na plateia nem Fidel nem o irmão e sucessor Raúl. Mas a ausência não significa que o namoro esfriou. Ao contrário: a mesma razão pela qual o presidente cubano não deixaria jamais de estar em Havana, hoje, certamente faz com que ele tenha pensamentos reservados à nova colega brasileira.

A revolução cinquentona passa por considerável crise de maturidade e ensaia uma dessas ;repaginações; que o tempo impõe. Raúl, que assumiu como interino em meados de 2006 e passou a titular da posição no início de 2008, já lançou sua plataforma de ajustes no sistema, um processo que resolveu batizar de ;atualização do socialismo;. O ano para colocar o processo em marcha será 2011, e a conta é salgada: para corrigir ;distorções; na estrutura de rendas e salários, além de aliviar o peso da máquina pública, no primeiro semestre meio milhão de cubanos trocarão a segurança mumificada dos empregos no Estado pela aventura inédita do empreendedorismo. Poderão escolher uma lista de atividades que o pacote abriu para a iniciativa autônoma.

O Brasil da era Lula entra no enredo na parte da concepção que orienta um dos pilares da reforma. A mesma preocupação com as ;distorções; do modelo ; reconhecidas, por sinal, pelo próprio Fidel ; conduzirá à eliminação de um dos símbolos do regime em suas primeiras décadas: a libreta (cartão) do racionamento. Na troca do igualitarismo subsidiado por um favorecimento seletivo às famílias de renda mais baixa, Cuba ensaia importar alguma coisa do ;capitalismo social; empreendido por aqui pela via dos programas de complementação e transferência de renda. E, claro, o Brasil tem igualmente contribuições a oferecer na capacitação profissional da nova geração de trabalhadores.

De guerrilheira a gerente
Se em 2003 Lula era, para Fidel, o líder operário que mais de uma geração de comunistas sonhou ver no poder, Dilma é egressa das guerrilhas inspiradas na América Latina pelos barbudos da Serra Maestra. E vai subir a rampa do Planalto como sucessora escolhida não tanto pela trajetória passada, mas pelo perfil de ;gerente; que assumiu no comando da Casa Civil. É nessa Dilma que os cubanos estarão de olho para a continuidade de um leque de projetos, começando pela ambiciosa ampliação do porto de Mariel e pela fábrica de lubrificantes da Petrobras.

É na capacidade operativa da ;mãe do PAC; que repousa agora a meta, lançada pelo ministro Celso Amorim, de transformar o Brasil no principal parceiro latino-americano de Cuba, desbancando a Venezuela de Hugo Chávez.

Mais dinheiro no bolso
Quase como no verso da célebre valsa do ano-novo, os diplomatas cubanos serão beneficiados por tabela por uma das últimas medidas do pacote de Raúl. Pressionado por um momento agudo da crônica escassez de divisas, o governo extinguiu o imposto de 10% que era cobrada no câmbio sobre as remessas em dólares recebidas pelos cidadãos que têm parentes nos EUA. A taxa, instituída para ajudar a compensar o custo das operações bancárias da
ilha, sob o bloqueio americano, acabou estimulando o recurso a ;mulas; para levar o dinheiro, que acabava sendo trocado no paralelo.

Como também são pagos na moeda do inimigo, os diplomatas entravam na conta um pouco como Pilatos no Credo.

A África agradece

É da dirigente comunista Ana Maria Prestes, neta do célebre Cavaleiro da Esperança, que vem o testemunho sobre a envergadura assumida por Lula entre os dirigentes africanos. Integrante da Comissão de Relações Internacionais do PCdoB, ela relata em seu blog, o Altamira (http://altamira.blogs.sapo.pt): "Na minha última viagem à Africa do Sul, a ministra de Relações Exteriores pegou na minha mão e me disse, olhando nos olhos: ;Vocês precisam eleger a sucessora de Lula, pela África;".

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