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Camponeses paraguaios sem terra ressurgem exigindo terras dos brasiguaios

Agência France-Presse
postado em 27/09/2012 18:50
Ñacundai - Os "carperos", camponeses sem terra que exigem uma reforma agrária no Paraguai, longe de desaparecer após a destituição do ex-presidente Fernando Lugo, que os defendia, retomaram a sua mobilização e exigem a expropriação de quatro propriedades de brasiguaios.

"Se nos provocarem, ;iputa trinka; (haverá batalha, em guarani) e ninguém poderá nos enfrentar. Muitos de nós vão morrer, mas eles também", afirma o líder camponês Federico Ayala no acampamento em que vive com outros 2.500 camponeses às margens do rio Ñacunday (leste), que desemboca no Paraná vários quilômetros depois.

"Estas eram as terras de Anastasio Somoza (ex-ditador nicaraguense que morreu assassinado no Paraguai em 1980). Para lá, ficam as terras do (ex-ditador chileno Augusto) Pinochet", aponta Ayala, que exige a expropriação de 4.000 hectares, atualmente explorados por brasiguaios.

Os chamados brasiguaios são colonos brasileiros e seus descendentes - cerca de 400.000 pessoas, segundo fontes oficiais-, que chegaram nos últimos 50 anos e que protagonizaram uma revolução agrícola no leste do Paraguai. Esta região produz entre 13 e 15 milhões de toneladas de grãos, principalmente soja, fazendo do Paraguai o quarto maior exportador mundial. O hectare está avaliado em cerca de 10.000 dólares.

Além de Ñacunday, existem outros três focos de tensão nos departamentos de San Pedro, Alto Paraná (na fronteira com Brasil e Argentina) e Canindeyú (fronteira com o Brasil).

Em San Pedro, 300 km ao norte de Assunção, cerca de 200 camponeses mascarados que se identificaram como membros da Liga Nacional de Carperos, armados com fuzis e escopetas, ocuparam no final de semana as valiosas terras do brasileiro Ulisses Teixeira. Seu líder, José Bordón, deu um prazo de uma semana ao governo de Federico Franco para expropriar 22.000 hectares. "Aqui vai correr sangue", ameaçou.

Outro conflito latente pode ser identificado nas chamadas terras de Barbero, um italiano que doou pouco mais de 17.000 hectares ao governo, também em San Pedro. Em Canindeyú, 300 km a nordeste da capital, próximo da fronteira brasileira, cerca de 250 invasores se instalaram nas cobiçadas terras dos indígenas Aché Guayakí. Os nativos ameaçam desalojá-los com seus arcos e flechas se o governo não expulsá-los.

"A paciência se esgota. Em um ;pereré; (ao menor ruído) pode haver mortos, como ocorreu em Curuguaty", frisa Ayala, cercado de cerca de vinte camponeses, referindo-se ao local, 250 km a sudeste de Assunção, onde morreram em um confronto 11 camponeses e seis policiais no dia 15 de junho, o que causou dias depois a destituição de Lugo da Presidência pelo Senado.

Anabella Romero González, uma das mulheres líderes do acampamento, chama a atenção pelo seu calçado batido, roupas impregnadas de barro. "Assim vivemos aqui, no barro. Cada vez que chove é um desastre. A enxurrada levou um de nossos banheiros", afirmou.

Ela também se queixa dos agrotóxicos. "Às vezes temos que usar nossas roupas para tapar a boca" no assentamento com cerca de 500 barracas instalado entre as imensas plantações de soja. O chefe, Federico, é um mutilado de 48 anos, que caminha com a ajuda de muletas. "Foi uma yarará", uma cobra de veneno letal, conta. "Isso foi há 10 anos, quando ocupamos uma propriedade em Caaguazú, mas também nos desalojaram", acrescentou.

Um cartaz, com a inscrição "Mario Ferreiro, presidente do Paraguai", resume a posição política da comunidade. Trata-se do candidato a presidente pelo ;luguismo; para as eleições presidenciais de 21 de abril de 2013, nas quais Lugo se candidatará a senador. "Com Lugo íamos conseguir esta terra, mas os parlamentares e seus cúmplices juízes se opuseram e derrubaram o presidente", resume Ayala na língua nativa guarani.

Clairton Feith, filho de brasileiros, atual vereador de uma das comunidades de brasiguaios, disse à AFP: "Com Lugo, vivemos um pesadelo. As mesmas pessoas do governo puseram estas pessoas encima de nós exigindo nossos títulos de propriedade. Há 40 anos nossos pais colonizaram este lugar que era uma selva impenetrável".



Feith criticou a presidente brasileira, Dilma Rousseff. "É uma falta de consideração de Dilma que não reconheça o (governo do) Paraguai, o país que deu hospitalidade e trabalho a mais de 500.000 brasileiros e é uma vergonha que não agradeça a Franco, que nos tirou desse estado de terrorismo em que vivíamos". O Brasil, junto com Argentina e Uruguai, suspenderam o Paraguai do Mercosul até as eleições de abril, em resposta a destituição de Lugo da presidência.

Diante das novas ameaças de violência, o ministro do Interior, Carmelo Caballero, respondeu: "as forças de ordem responderão com firmeza, mas com prudência" às invasões.

O presidente Franco, que no final de semana visitou comunidade brasiguaia de Santa Rita, disse: "A partir de agora, podem dormir tranquilos. Vão e digam aos seus compatriotas do Brasil que no Paraguai vivemos em democracia, liberdade e que têm garantia para investir".

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