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Embaixador turco ao Correio: "Não há consenso histórico sobre 1915"

Hüseyin Diriöz diz reconhecer o sofrimento de armênios e de outros povos afetados pela guerra, refuta o termo "genocídio" e argumenta que a "realidade é mais complexa"

postado em 24/04/2015 19:31
A Turquia decidiu antecipar em um dia e comemorar nesta sexta-feira (24/4) o centenário da Batalha de Galípoli ; também chamada de Dardanelos ;, que marca o desembarque de tropas franco-britânicas no país, durante a Primeira Guerra Mundial. Enquanto armênios de todo o mundo se reúnem para lembrar o centenário do genocídio de cerca de 1,5 milhão de pessoas, autoridades turcas receberam líderes mundiais em uma pomposa cerimônia em Istambul. Os turcos se recusam a tratar o massacre armênio pelo Império Otomano como genocídio e argumentam não haver consenso entre acadêmicos e políticos sobre o que aconteceu há 100 anos. O embaixador turco em Brasília, Hüseyin Diri;z, explicou a posição do país ao Correio, em entrevista por email. Diri;z disse reconhecer o sofrimento de armênios e de outros povos afetados pela guerra e defendeu que seu país não nega a história e que a "realidade é mais complexa".

O que o dia 24 de abril significa para o senhor e seu país?

O presidente (Recep Tayyip) Erdogan, então primeiro-ministro da Turquia, disse em sua histórica mensagem sobre os eventos de 1915 em 23 de abril de 2014 que: "O 24 de abril carrega particular significado para nossos cidadãos armênios e para todos os armênios ao redor do mundo, e dá uma valiosa oportunidade para dividirmos opiniões livremente sobre uma questão histórica". A Turquia nunca negou o sofrimento dos armênios durante a Primeira Guerra Mundial, assim como o das outras comunidades que formavam o Império Otomano. O que nos opomos é apresentar os trágicos eventos de 1915 como um genocídio perpetrado por um lado contra outro. A realidade é mais complexa. Ao defender esse fato, não estamos fugindo de encarar a história. Ao contrário, a realidade deve ser vista por inteiro, não apenas com base na visão de um lado.

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A Turquia rejeita o termo "genocídio" porque é importante para o país que o massacre não seja descrito dessa forma?
"Genocídio" é um crime específico claramente definido pela lei internacional. A Convenção de 1948 nos diz que o que genocídio e como pode ser verificado: um tribunal internacional competente pode determinar se um evento foi genocídio. O tribunal competente é definido pela Convenção. Uma decisão como essa existe para o Holocausto, para Ruanda e Srebrenica. Mas nenhuma decisão do tipo existe para 1915. Então não existe nada perto de um "consenso legal".

O governo brasileiro não reconheceu o massacre como genocídio, como o senhor entende a posição do Brasil?
De forma certa, a vasta maioria dos países não reconheceram os trágicos eventos de 1915 como genocídio. Deve ser reforçado que não há nenhum consenso histórico, acadêmico ou legal sobre o que houve em 1915. É essa falta de consenso acadêmico e legal sobre o assunto que leva alguns grupos armênios a focar em órgãos políticos para conseguir apoio para a sua versão da história. Até o momento, 20* dos 200 países do mundo fizeram declarações apoiando a visão armênia da história. Em quase todos esses países, a diáspora armênia é ativa. Em cada caso, não houve "consenso político" sobre o assunto mesmo nos países onde essa decisão foi tomada. O que pedimos para os outros países não é para que adotem uma posição pró-Turquia. Nós apenas pedimos o reconhecimento do fato de que a questão é objeto de um debate acadêmico legítimo.

O que o senhor acredita ser necessário para que a questão com a Armênia seja superada?

A Turquia aceita armênios e muçulmanos, entre outros, sofreram muito nesse trágico episódio da história e declarou sua disposição e prontidão em diversas ocasiões para estabelecer uma comissão mista, composta por historiadores, para estudar os eventos de 1915 de forma acadêmica. Cabe aos historiadores trabalhar nesses eventos e esclarecê-los. Nós acreditamos que todos os esforços possíveis para revelar a verdade histórica devem ser colocados adiante, mas também acreditamos que um futuro pacífico comum só pode ser construído em uma base sólida por meio do diálogo. Nós esperamos que o lado armênio também exerça esforços nesse sentido. Mais uma vez, nós reforçamos a importância de mostrar compaixão e atitude humana mútua da história, em vez de inimizade.

O governo turco marcou para 24 de abril uma cerimônia para comemorar a Batalha de Galípoli, o que foi considerado desrespeitoso pelo governo armênio. Por que a decisão de realizar a cerimônia no mesmo dia em que Yerevan lembra o massacre?

O começo das batalhas navais é comemorado como "Dia dos Mártires", no 18 de Março de todos os anos. O dia 25 de abril, que marca o começo das batalhas em solo de Galípoli, é observado como "Dia de Anzac" na Austrália, Nova Zelândia e outros vários Estados na Comunidade das Nações (formado por membros do antigo império britânico). Portanto, um comemoração internacional de alto nível foi organizada pela Turquia na ocasião do aniversário das batalhas de Galípoli, em 24 de abril de 2005. No ano passado, com a participação de 36 países, Galípoli foi palco de outro evento internacional espetacular. Em 23 de abril de 2015, um dia antes da comemoração das cerimônias dos 100 anos das Batalhas de Galípoli, líderes dos países envolvidos no combate se reuniram em uma Cúpula de Paz para mandar uma mensagem global de paz para o mundo todo. No entanto, vemos que o lado armênio tenta deliberadamente criar confusão entre as celebrações de Galípoli e a cerimônia realizada em Yerevan no mesmo dia.


* Segundo dados oficiais armênios, 21 países, incluindo a Áustria, que anunciou a decisão nesta semana, e a União Europeia reconhecem o genocídio.

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