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Correio visita zona desmilitarizada que divide Coreias do Sul e do Norte

Rodrigo Craveiro - Enviado Especial
postado em 04/06/2016 09:00

Panmujon, Zona Desmilitarizada ; ;Não acenem para os soldados norte-coreanos. Se fizerem qualquer gesto, não façam comunicação com eles.; À medida que o ônibus avança, dirigido por um militar sul-coreano, outro integrante do exército de Seul dita as normas. É proibido fotografar de dentro do veículo. Estamos em Panmunjom, o coração da Zona Desmilitarizada, também chamada de DMZ, uma das áreas mais vigiadas e conturbadas do planeta. Apenas 40km separam Seul da fronteira.

No caminho, margeando o Rio Hangang, postos de observação, arame farpado, refletores e alto-falantes surgem a todo o momento, enquanto avançamos rumo ao norte. Em alguns postos de observação, um tanque de guerra estacionado sinaliza que qualquer agressão de Pyongyang terá reação imediata. A entrada da área de 4km de largura, entrecortada por floresta intocável e em região montanhosa, é fortemente controlada pelo exército da Coréia do Sul. A imagem de um campo de arroz onde garças descansam parece uma metáfora de que a tranquilidade ficou retida em um lado da ponte.

Mais adiante, um viaduto de concreto surge do nada. Foi construído para ser implodido, no momento em que um tanque norte-coreano atravessar a estrutura. Dentro de uma casamata esverdeada coberta por algumas folhas, um militar está de prontidão e manipula um lança-morteiros. No canto, um campo de beisebol contrasta com o risco de morte iminente. Entramos na Área de Segurança Conjunta (JSA), por onde atravessa o famoso Paralelo 38, estabelecido após a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, em 1945, para separar a ocupação norte-americana da Soviética. Para identificação e nossa própria segurança, somos obrigados a usar uma braçadeira azul e branca com a palavra press (imprensa, em inglês). O histórico da DMZ justifica a medida: nos últimos anos, ali ocorreram sequestros e assassinatos (veja o quadro).

Seguimos até a Casa da Liberdade, um prédio de arquitetura oriental e arrojada construído em 1998 pela Coreia do Sul para sediar reuniões entre militares, entre membros do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e entre familiares separados pela Guerra da Coreia (1950-1953). Os militares exibem um vídeo em que, de forma superficial, explica sobre as principais instalações da JSA e da DMZ em Panmujon. O material, pontuado com imagens de soldados em exercícios de guerra, reforça a ideologia de que EUA e Coreia do Sul estão cara a cara com o inimigo. ;In front of them all!” (;Na frente de todos eles;, pela tradução livre) é o principal lema da JSA.

Frente a frente


Atrás do prédio, está o último bastião da Guerra Fria. O primeiro contato causa perplexidade. Diante de uma das três construções azuis erguidas pela Organização das Nações Unidas, três militares sul-coreanos do Batalhão do Comando de Segurança da ONU. Usam óculos escuros e trazem uma expressão impassível. Todos têm o corpo voltado para um grande edifício ao fundo, guardado por um soldado norte-coreano. A linha de concreto no solo demarca o exato ponto da fronteira entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte.

Dentro da casa azul da esquerda, ficam sempre mais dois militares sul-coreanos: um deles, parado na cabeceira da mesa onde o tenente-general William Harrison Jr. ; representando o Comando das Nações Unidas ; e o general norte-coreano Nam Il assinaram o Acordo de Armistício Coreano, em 27 de julho de 1953, interrompendo uma guerra que matou 3 milhões de pessoas. O outro vigia a porta dos fundos, por onde se acessa a Coreia do Norte. Apenas militares têm a autorização para atravessá-la. Um colega jornalista, após registrar imagens do entorno, é repreendido pelo soldado anfitrião e tem a câmera vasculhada, com as fotos apagadas.

Retornamos ao ônibus, que segue por uma estrada sinuosa, ladeada por floresta. Em determinado ponto, se avista os dois mastros imponentes com as bandeiras da Coreia do Norte ; o quarto mais alto do mundo ; e do Sul. Eles se erguem, respectivamente, a partir dos vilarejos de Kijong-dong e de Daeseong-dong, separados por apenas 2,2km. Uma das funções dos soldados da JSA é proteger os moradores do lado sul-coreano.

Pouco à frente, paramos ao lado de uma gigantesca estrutura branca, a qual não se tem autorização para fotografar. Estacas brancas fincadas ao solo indicam a fronteira. Não há qualquer sinal de vida ou de construções erguidas nos últimos 60 anos ao longo de 2km a cada lado da divisa ; é a chamada zona de segurança ou zona-tampão. Do mirante, é possível avistar Kijong-dong, a cadeia de montanhas da Coreia do Norte e, a alguns metros de onde estamos, a famosa Ponte Sem Retorno. A paisagem, aparentemente bucólica, destoa do som que vem do vilarejo norte-coreano. A todo o momento, mensagens transmitidas por meio de alto-falantes enaltecem a figura de Kim Il-sung, fundador do país comunista. O tom de voz é claramente desafiador e intimidatório. No regresso à Casa da Liberdade, passamos por dois imensos tanques de guerra estacionados e por trincheiras. Uma lembrança de que a paz no local ainda não ultrapassou a fronteira das aparências.

O repórter viajou a convite da TV Arirang


Incidentes na DMZ


Nos últimos 48 anos, uma série de confrontos e ataques custaram vidas na fronteira

21 de janeiro de 1968 ; Pelo menos 31 agentes norte-coreanos invadiram a DMZ em um plano para assassinar o presidente Park Chung-hee, após cortarem a cerca de arame erguida por soldados dos EUA. Eles atravessaram o Rio Imjin e foram interceptados por militares sul-coreanos a apenas 100m da Casa Azul, a residência de Park, em Seul. Após troca de tiros, o comando fugiu para montanhas. Todos foram perseguidos e eliminados nos dias seguintes.


18 de agosto de 1976 ;
Soldados norte-americanos cortavam uma árvore que obstruía o campo de visão entre dois postos de controle quando foram surpreendidos por soldados norte-coreanos armados com machados. O ataque durou menos de um minuto e custou as vidas do primeiro-tenente Mark Barrett e do capitão Bonifas, que teria sido degolado com um único golpe.


7 de dezembro de 1979 ; Uma patrulha americana na DMZ cruzou acidentalmente a linha da fronteira e pisou em minas terrestes norte-coreanas. Um soldado dos EUA morreu e dois ficaram feridos.


23 de novembro de 1984 ; Um turista civil soviético fotografava o local onde foi assinado o armistício quando atravessou a fronteira gritando ;Por favor, me salvem!”. Durante a tentativa de guardas sul-coreanos de resgatá-lo, os norte-coreanos dispararam tiros de advertência. No total, 17 norte-coreanos invadiram a linha e travaram combate que durou 30 minutos. Três soldados norte-coreanos e um sul-coreano morreram. Com o consentimento do Comando das Nações Unidas, militares comunistas cruzaram a fronteira e resgataram mortos e feridos. O soviético, de nome Masgak, obteve asilo político nos Estados Unidos.

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