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Brasileiros relatam ao Correio pânico em shopping de Munique

Atentado mata nove pessoas e fere 21 em restaurante e em shopping, no centro da cidade. Autoridades decretam estado de emergência e iniciam caçada humana. Chanceler Merkel lidera reunião com gabinete de crise

Rodrigo Craveiro
postado em 23/07/2016 06:00

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O advogado brasiliense Luís Henrique Alves Sobreira Machado, 35 anos, tinha acabado de chegar no apartamento onde mora, a apenas 250m do shopping Olympia-Einkaufszentrum, em Munique, 585km ao sul de Berlim. ;Tomei banho, comi algo, abri a janela e, dois ou três minutos depois, comecei a ouvir vários disparos. Não consegui contar quantos tiros. Achei muito estranho, pois era um barulho extremamente alto num lugar bem tranquilo. Escutei a gritaria das pessoas e fiquei em estado de alerta;, contou ao Correio, por meio do WhatsApp. O horror e o medo mancharam o fim de tarde na pacata capital da Baviera. Às 17h50 de ontem (12h50), ao menos três homens armados, segundo testemunhas, dispararam dentro e em frente a um restaurante McDonald;s. Eles teriam atravessado a rua e continuado o ataque no centro comercial. Pelo menos nove pessoas foram mortas e 21 ficaram feridas.

Até o fechamento desta edição, a polícia admitia ;situação de terror agudo;. No início da madrugada, anunciou que o atirador, um rapaz de 18 anos de dupla nacionalidade alemã-iraniana, estava, ;muito provavelmente, sozinho; e se matou. O corpo foi encontrado com um tiro na cabeça, ao lado de uma mochila vermelha. As autoridades decretaram estado de emergência e alerta máximo. Na segunda-feira, um afegão de 17 anos feriu cinco com um machado dentro de um trem, em Wuerzburg, a 277km. O ataque de ontem ocorreu no quinto aniversário do atentado perpetrado por Anders Breivik, ultradireitista que matou 76 na Noruega.

Enquanto paramédicos e agentes cercavam o Olympia-Einkaufszentrum, as forças de segurança impunham um bloqueio virtual à cidade de 1,4 milhão de habitantes e empreendiam uma caçada aos suspeitos, que teriam sido vistos fugindo por uma estação de metrô. Os cidadãos atenderam às recomendações para que não saíssem de casa e criaram uma rede de solidariedade pela internet. Testemunhas descreveram que um dos homens gritava ;Eu sou alemão; e ;Allahu Akbar; (;Deus é maior;, em alemão), ao descarregar a arma em crianças. ;Ele estava matando as crianças. Elas estavam sentadas para comer e não puderam correr;, contou à TV CNN uma mulher de nome Loretta.

Rumores
Boatos sobre ;diversos atiradores à solta; e sobre disparos em vários pontos da cidade aumentaram o pânico. A maranhense Brunna Nastassia Machado, 30 anos, havia terminado a aula de alemão e, por questão de minutos, não foi surpreendida por um alarme falso de tiroteio em Odeonsplatz, uma praça do século 19 e atração turística em Munique. Ao chegar em casa, soube do ataque e entrou em choque. ;Achei que fosse ficar bem, pois eu estava ;calma;. Na verdade, fiquei sem ação e comecei a chorar;, disse a designer de moda que passou a maior parte da vida em Brasília.

A chanceler alemã, Angela Merkel, convocou para hoje uma reunião de emergência do Conselho Federal de Segurança. Peter Altmeier, chefe de gabinete do governo do país, afirmou à TV ARD que ;não descarta qualquer possibilidade;. ;A chanceler está sendo mantida atualizada e tudo o que sabemos e podemos dizer é que foi um ataque desumano e cruel. (;) Não descartamos uma conexão terrorista;, declarou. O presidente, Joachim Glauck, se disse ;horrorizado;. ;O sangrento atentado de Munique me horrorizou no nível máximo;, admitiu. O líder norte-americano, Barack Obama, prometeu à Alemanha ;todo o apoio de que precisar;, enquanto o francês, François Hollande, dirigiu uma ;mensagem pessoal de apoio; a Merkel.

A cidade reviveu lembranças do terror ; em 5 de setembro de 1972, nas Olimpíadas de Munique, o grupo palestino Setembro Negro matou 12 pessoas, entre treinadores e atletas de Israel. Magnus Ranstorp, especialista do Colégio de Defesa Nacional da Suécia, reconheceu a hipótese de envolvimento do extremismo islâmico, mas não descartou um ato de ultradireitistas. ;Eu tenho visto ameaças específicas do Estado Islâmico (EI) contra a Alemanha. O país era considerado o próximo alvo;, comentou ao Correio.

No momento do atentado de ontem, Reinhard (nome fictício) tinha acabado de desembarcar do trem. Ele caminhava para casa, perto do shopping, quando foi alertado de que algo estava errado. ;Uma mulher me disse que eu deveria ir por outro caminho, pois houve tiroteio do lado oposto à estação ferroviária. Eu subi a Rua Hanauer e filmei tudo. Ninguém sabia o que estava ocorrendo;, relatou à reportagem. O vídeo de Reinhard teve mais de 780 mil visualizações e mostra várias viaturas estacionadas diante do centro comercial, além de policiais correndo em direção ao shopping.

Porão
A estudante de engenharia mecânica Tatiana Novaes Theoto, 22 anos, ficou cerca de quatro horas presa dentro de um porão, acompanhada de 13 pessoas, com medo do tiroteio. ;Eu estava em uma festa, na região histórica de Odeonsplatz, quando recebemos notícias sobre o ataque, do outro lado da cidade. Saímos e, no momento em que estávamos próximos ao centro, perto de casa, veio o desespero. Não tinha mais trem, ônibus, nem nada. Só viaturas de polícia e ambulâncias. Começaram as ameaças de que rolava um tiroteio na região. Foi uma correria absurda. Conseguimos nos abrigar numa loja, dentro do porão. Foi terrível. Qualquer barulho fazia com que a gente ficasse tenso;, afirmou ao Correio a paulista.

Gatos contra o horror
O fenômeno tinha sido visto após os atentados em Paris e em Bruxelas. Após os pedidos da polícia para que vídeos e fotos relacionados aos atentados não fossem divulgados nas redes sociais, internautas alemães começaram a publicar fotografias de gatos. Um sinal de respeito ao apelo por discrição, enquanto as forças de segurança perseguiam os suspeitos.


Depoimentos

;A situação por aqui é muito ruim. A polícia recomenda que todos fiquem em casa. A principal estação de trem de Munique foi esvaziada. Não se pode pegar nem mesmo táxi. É ficar dentro de casa e aguardar as recomendações das polícias pelos próximos dias. Vivemos uma sensação de intranquilidade muito grande. As pessoas que cometeram esses assassinatos ainda não foram presas. Sempre existe o temor de terrorismo islâmico. Por aqui, ainda não se sabe se foi um atentado coordenado. A imprensa local tem noticiado tudo de forma bem cautelosa.;
Luís Henrique Alves Sobreira Machado, 35 anos, advogado brasiliense que faz doutorado em Munique

;Espero que a Europa comece a reagir com dureza. Era um pouco esperado que isso pudesse ocorrer, cedo ou tarde. Mas isso não me fará voltar correndo para o Brasil. Amanhã (hoje) é meu aniversário, e pensamos em cancelar a mesa reservada num restaurante no centro de Munique. Tenho medo de ir para a escola, na segunda-feira. As coisas se acalmam, ou a gente finge que acalma, para seguir com a vida.;
Brunna Nastassia Machado, 30 anos, estudante de alemão em Munique, criada em Brasília


;A ameaça de terrorismo é muito presente aqui. Eu tentava não pensar nisso. Com uma situação dessas, a gente se sente impotente. É 0h30 agora e ainda escuto sirenes. Após o atentado, tudo ficou parado. Sem metrô, trem, táxi e ônibus. Voltamos para casa a pé.;
Tatiana Novaes Theoto, 22 anos, estudante em Munique há um ano, nascida em Jundiaí (SP)

As portas ficaram abertas
Dezenas de alemães usaram as redes sociais para oferecer abrigo e proteção a quem foi pego no meio do tiroteio, em Munique. Por meio do Twitter, a hashtag #offentür (;porta aberta;) indicava casas cujos proprietários colocaram à disposição para as pessoas que não conseguiram voltar para casa, com a suspensão dos serviços de ônibus e de metrô. Se a atitude despertou elogios de muitos internautas, teve quem alertou para o risco de os terroristas se refugiarem nas residências, por meio dessa ferramenta.

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