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Especialista prevê dificuldades após acordo de paz na Colômbia

Em cerimônia solene na cidade de Cartagena das Índias, o presidente, Juan Manuel Santos, e Timoleón Jiménez, líder da guerrilha das Farc, assinam acordo de paz e prometem nova era

Rodrigo Craveiro
postado em 27/09/2016 11:41

Santos e Timochenko (D) se cumprimentam, sob aplausos de Ban Ki-moon (E) e de Raúl Castro (do lado oposto): solenidade carregada de simbolismo

Depois de 1.439 dias de negociações em Havana e de 52 anos de um conflito sangrento, gestos carregados de simbolismo selaram o compromisso pela paz entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo de Juan Manuel Santos, em Cartagena das Índias. Por volta das 17h30 (19h30 em Brasília), Timoleón Jiménez ;Timochenko;, líder da maior guerrilha marxista da América Latina, e o presidente colombiano assinaram o acordo de paz com o chamado ;balígrafo; ; uma bala de fuzil transformada em caneta. Santos retirou um broche com o símbolo da pomba da paz, que o acompanhava desde que ascendeu ao poder, e o entregou a Timochenko. Ambos se saudaram com um longo aperto de mãos, sob os aplausos de 2.500 convidados e de 15 chefes de Estado, entre eles o cubano Raúl Castro; além do secretário de Estado norte-americano, John Kerry; do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon; e do rei Juan Carlos da Espanha. O Brasil esteve representado pelo chanceler, José Serra.
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;Minhas primeiras palavras são dirigidas ao povo da Colômbia, que sempre sonhou com esse dia e que nunca abandonou a esperança de construir a paz do futuro. (;) Que ninguém duvide de que nos moveremos à política sem armas;, declarou o comandante máximo das Farc, ao prometer cumprir os termos do pacto. ;Com esse acordo que assinamos hoje, esperamos pôr fim ao longo conflito que derramou sangue em nosso país. Ele não apenas encerra o conflito, que começou em Marquetalia, em 1964, como sela o caminho das armas;, acrescentou, ao apontar uma ;vitória da sociedade colombiana e da comunidade internacional;.

O líder guerrilheiro garantiu que as Farc não renunciaram às suas ideias e explicou que o grupo as confrontará na arena política, sem violência. Segundo Timochenko, o acordo representa ;um sopro de ar fresco para os mais pobres da Colômbia;. ;Em nome das Farc-EP, ofereço, sinceramente, perdão a todas as vítimas do conflito. Por toda a dor que pudemos causar com esta guerra.; Ao fim do pronunciamento, caças da Força Aérea fizeram novo estrondo no céu de Cartagena.

Mais de 2,5 mil pessoas, muitas vestidas de branco, prestigiram evento

Santos tomou a palavra e afirmou: ;Hoje, ao assinar o acordo de término do conflito com as Farc, dizemos, cheios de esperança: Tem sido um sulco de dores, de vítimas, de mortes, mas conseguimos nos levantar sobre ele para bradar ;O bem germina já! A paz germina já!’;, disse o presidente. ;O que firmamos hoje é uma declaração do povo colombiano ante o mundo de que nos cansamos da guerra, de que não aceitamos a violência como meio para defender as ideias. De que dizemos ;Não mais guerra!’;, comentou. A multidão, em uníssono, repetiu a frase.

De acordo com o mandatário, o acordo com as Farc honrará milhões de vítimas, criará uma justiça transicional e levará desenvolvimento e bem-estar aos pequenos agricultores, além de fortalecer a democracia. Em um dos pontos altos do discurso, ele se dirigiu à guerrilha e fez uma saudação, inimaginável anos atrás. ;Membros das Farc, hoje, quando empreendem seu caminho de volta à sociedade, quando começam seu trânsito para se converter em um movimento político sem armas, seguindo as regras da justiça, da verdade e da reparação contidas no acordo, como chefe de Estado desta pátria que todos amamos, lhes dou as boas-vindas à democracia;, disse.

Em entrevista ao Correio, Cesar Augusto Lasso Monsalve, sargento da polícia de Meta que esteve sequestrado pelas Farc por 13 anos e 5 meses, saudou o fim do conflito. ;A maior vitória será ver a nação em paz, não mais preocupada com a guerra, ainda que a maldade esteja imersa no ser humano;, comentou. Por sua vez, Madalena Rivas, mãe do major Elkin Hernández Rivas ; morto em um resgate frustrado, em 2011, após 13 anos, 1 mês e 2 dias no cativeiro ; disse à reportagem que esperava pelo pedido de perdão da guerrilha (leia o depoimento).

Mais cedo, Uribe comandou protesto contra a assinatura do acordo

Desafios
No domingo, a paz será submetida à aprovação popular. Os colombianos responderão ;Sim; e ;Não; à pergunta: ;Você apoia o acordo final para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?; O ex-presidente Álvaro Uribe, opositor ao diálogo com as Farc, comandou ontem uma marcha com 2 mil pessoas, em Cartagena, a favor do ;Não;.

Mauricio Romero Vidal, especialista da Pontificia Universidad Javeriana (em Bogotá), adverte sobre dificuldades pós-acordo. ;O governo tem que decretar anistia aos membros das Farc que não respondam a acusações de delitos de lesa humanidade;, explicou. O estudioso crê que o desarmamento, previsto para os 180 dias seguintes à assinatura, dependerá disso. ;Outro ponto complicado é o da segurança para os chefes das Fac. Qualquer atentado contra eles será muito grave para a credibilidade do processo e do governo. Mas o referendo de domingo será a prova central, a curto prazo;, aposta Vidal. Segundo ele, a vitória do ;Não; representaria uma desautorização ao governo.

Fora da lista do terror
A União Europeia (EU) decidiu suspender a guerrilha das Farc de sua lista de organizações terroristas, anunciou o chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, horas antes da assinatura dos acordos de paz na Colômbia. ;Esta decisão terá pleno efeito, uma vez seja assinado o acordo de paz;, declarou Mogherini em um comunicado. A medida se traduz, na prática, na suspensão das sanções adotadas contra a guerrilha depois de sua inclusão na lista da UE, em 2002. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, anunciou que vai resolver se retira ou não as Farc do rol entidades terroristas formado por Washington.

Temer promete cooperação

Em nota divulgada no inicio da noite de ontem, o presidente Michel Temer afirmou que ;o Brasil está com a Colômbia neste momento histórico em que se assina o acordo de paz com as Farc;. Segundo ele, os colombianos transmitem a todos uma mensagem de confiança e de esperança. ;Confiança na capacidade do diálogo para superar os conflitos, por mais longos que sejam, por mais insolúveis que possam parecer. E esperança num futuro de paz, na nossa região e no mundo;, escreveu. Temer reiterou que o governo brasileiro manterá a cooperação para a paz na Colômbia. ;Estamos prontos a seguir contribuindo, em particular, nos temas de relevância direta para o pós-conflito, seja bilateralmente, seja por intermédio da ONU;, declarou.


Depoimento

À espera do perdão

;Meu filho foi assassinado em um resgate absurdo feito pelo Exército, após 13 anos, 1 mês e 12 dias em poder das Farc. A Operação Júpiter ocorreu em 26 de novembro de 2011. Foi uma grande tragédia o que ocorreu a meu único filho homem e aos três companheiros. Tem sido terrivelmente duro. Deus tem me dado forças para seguir vivendo e para buscar a paz. Elkin era um grande homem. A nossa expectativa é de que as Farc cumpram com o que prometeram. Que abandonem as armas, que não haja mais sequestros nem assassinatos. Para que haja paz em nosso país. Após a morte dele, fui tomada pela soberba e pelo rancor. Com o tempo, passei a entender que era melhor perdoar, para que eu pudesse viver em paz. Mas eu também gostaria que as Farc nos pedissem perdão. Depois que assassinaram o meu filho, a polícia nos negou até mesmo a pensão e o seguro-saúde.;

Em cerimônia solene na cidade de Cartagena das Índias, o presidente, Juan Manuel Santos, e Timoleón Jiménez, líder da guerrilha das Farc, assinam acordo de paz e prometem nova era

Madalena Rivas, mãe do major Elkin Hernández Rivas, sequestrado em 14 de outubro de 1998 e assassinado em 26 de novembro de 2011

Pontos do acordo

Reforma rural integral
Transformação estrutural do campo, fechando as brechas entre o campo e a cidade e criando condições de bem-estar para a população rural. A proposta é integrar as regiões e erradicar a pobreza.

Participação política
Fortalecimento do pluralismo e da representação de pontos de vista e interesses da sociedade. A participação política implicaria no abandono de armas pelas Farc.

Cessar-fogo bilateral e fim das hostilidades
Fim das ações ofensivas entre as forças de segurança e as Farc. Ponto crucial para a deposição das armas e a reincorporação dos guerrilheiros à vida civil.

Soluções ao problema das drogas ilícitas
Defende uma solução definitiva para o problema das drogas ilícitas, o que inclui cultivos e produção e comercialização.

Vítimas
A guerrilha e o governo concordam que o ressarcimento das vítimas deve estar no centro do acordo. Fica criado o Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição.

Implementação e verificação
Criação de Comissão de Implementação, Seguimento e Verificação do Acordo Final
de Paz e de Resoluções de Diferenças. A meta é servir de instância para a resolução de diferenças.

Eu acho...

;O acordo de paz com as Farc abre a possibilidade de se abordar problemas urgentes, que não têm sido enfrentados, pois a energia e os recursos dos governos foram focados no combate ou na negociação com as Farc. Problemas com o meio ambiente, a educação, a infra-estrutura, a redução da desigualdade entre o campo e a cidade e a pobreza serão temas prioritários. Não mais o conflito.;

Em cerimônia solene na cidade de Cartagena das Índias, o presidente, Juan Manuel Santos, e Timoleón Jiménez, líder da guerrilha das Farc, assinam acordo de paz e prometem nova era

Mauricio Romero Vidal, especialista da Pontificia Universidad Javeriana (em Bogotá)

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