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Entre os mórmons, a aversão a Trump tem raízes profundas

No Templo de Salt Lake City, capital do estado de Utah e dos mórmons, os fiéis param para expressar sua revolta contra Trump

postado em 06/11/2016 13:41
Grosseiro, instável, arrogante, misógino. Os mórmons, o grupo religioso mais próximo aos republicanos, têm muitas palavras duras para Donald Trump, candidato que fere suas convicções mais profundas.

No Templo de Salt Lake City, capital do estado de Utah e dos mórmons, os fiéis param para expressar sua revolta contra Trump. "Sou republicana, mas não posso votar em Trump", afirma Nancy Peterson na entrada do gigantesco templo ornamentado com enormes flechas de inspiração gótica e que é o lugar sagrado desta corrente derivada do cristianismo.
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"Não gosto de como trata as minorias, as mulheres, as pessoas de outros países", acrescenta esta terapeuta que decidiu dar seu voto a Hillary Clinton. Esta comunidade puritana que apregoa a modéstia e para a qual a família é sagrada, está em choque pelas acusações de agressões sexuais lançadas contra Trump, que ele nega. Também está indignada com o fato de Trump ter se vangloriado de conquistar mulheres agarrando-as à força.

Aqueles que votarão em Trump farão isso quase tampando o nariz. É o caso de David Lifferth, um analista de negócios de 51 anos. "Queria que tivéssemos um candidato melhor".

"Não é digno. Estou em absoluto desacordo com muitas coisas que diz", afirma. Uma parte do establishment político mórmon também está contrariada. Mitt Romney, candidato presidencial republicano em 2012, travou uma batalha contra Trump nas primárias, e dois legisladores de Utah, Mike Lee e Mia Love, não apoiam a candidatura do magnata.

Utah tem três milhões de habitantes e 60% deles são mórmons. A aversão a Trump é tal que um candidato desconhecido, Evan McMullin, tem chances reais de vencer ali as presidenciais de terça-feira. Se isso acontecer, será a primeira vez em meio século que os republicanos perdem neste estado montanhoso do oeste americano.

"Santidade do matrimônio"

McMullin é um mórmon de 40 anos, desertor do Partido Republicano e ex-agente da CIA. Fez campanha se apresentando como a alternativa conservadora a Trump.

Muitos mórmons, como David Bybee, um empresário de 56 anos, encontraram em McMullin um candidato providencial ao qual podem votar sem trair os valores "judaico-cristãos como a santidade do matrimônio, a vida do feto".

Loic Anthian, franco-americano de 54 anos, também votará em McMullin. "Não sabe muito, mas isso importa pouco. É um voto de oposição", disse. Os mórmons, que não bebem álcool, também têm "um problema com o estilo de vida" de Trump. "Ganha dinheiro com cassinos, jogo, bebida", afirma.

Mas esta antipatia tem causas mais profundas, que alcançam a própria identidade deste movimento de 14 milhões de adeptos em todo o mundo, incluindo seis milhões dos Estados Unidos. É tradicional que os mórmons realizem missões de evangelização no exterior, especialmente na América Latina. Isso os tornou mais sensíveis à causa dos hispânicos que outros grupos cristãos de direita.

Discriminados, perseguidos

Os mórmons, que se casam muito jovens e frequentemente têm 5 ou 6 filhos, não querem mais "políticas migratórias que dividam as famílias", algo que pode ocorrer se Trump cumprir sua promessa de expulsar 11 milhões de imigrantes ilegais, lembra Matthew Burbank, professor de ciência política da Universidade de Utah.

Mas se há algo de Trump que toca um ponto muito sensível para os mórmons é sua vontade de impedir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos. Esta ideia lembra aos mórmons o tempo em que eles mesmos eram discriminados.

Em 1820 e quando tinha 14 anos, Joseph Smith, fundador da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, o nome completo da igreja mórmon, disse ter tido uma visão de Deus na qual confiava a ele a tarefa de restaurar a igreja desde sua origem.

Perseguidos, os seguidores de Smith fugiram de vários estados e se refugiaram em Utah. O próprio Smith morreu nas mãos de um grupo de fanáticos em Illinois.

Evan McMullin destaca o visceral apego dos mórmons à liberdade de cultos. "Os partidários de Trump (...) atacaram minha fé, minha família, meu serviço, minhas políticas, minhas intenções", declarou a estudantes em Salt Lake City. "Este é o tipo de ataque que nossos pais fundadores precisaram enfrentar", acrescentou.
Por France Presse

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