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Especialistas traçam cenário negativo para economia mundial se Trump vencer

A percepção generalizada é de que um eventual governo do magnata provocará uma recessão e, até mesmo, um retrocesso no comércio internacional

Simone Kafruni
postado em 07/11/2016 06:05

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Os olhos do mundo estão focados no desenrolar das eleições presidenciais norte-americanas com uma preocupação nunca vista pelos analistas de mercado. Eles temem um impacto altamente negativo na economia global caso o bilionário republicano Donald Trump vença a disputa com a democrata Hillary Clinton. A percepção generalizada é de que um eventual governo do magnata provocará uma recessão e, até mesmo, um retrocesso no comércio internacional. Com a ex-secretária de Estado americana, acreditam os economistas, a situação será menos desastrosa em qualquer cenário.

Para adicionar suspense ao quadro eleitoral americano, o que parecia uma clara vitória de Hillary há duas semanas, na opinião de Gregory Daco, chefe de Macroeconomia dos Estados Unidos da Oxford Economics, se transformou numa disputa acirrada. ;Ainda acreditamos em uma vitória de Hillary Clinton com um Senado dividido e republicanos mantendo a Câmara dos Deputados, o que tornaria previsível um crescimento em torno de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA;, destaca.

No entanto, a análise do economista revela outros cenários. ;O impacto das propostas de Trump variaria de uma queda no PIB para uma recessão nos dois primeiros anos, muito aquém do crescimento propagado por ele de 3% a 4% ao ano na próxima década;, diz.

O tombo da maior economia do mundo seria provocado por altas tarifas de comércio, sobretudo em produtos chineses e mexicanos, e a retaliação proveniente da política proposta por Trump. A deportação de imigrantes ilegais aumentaria para 600 mil por ano. A economia dos EUA seria atingida por um choque de confiança, desacelerando no curto prazo e chegando, ao fim de 2020, a recuar 5%. ;A recuperação global será minada, com commodities e ativos abalados, petróleo, ações e moedas dos mercados emergentes enfraquecidos;, projeta Daco.

Negociação

O analista da Oxford Economics também considera um quadro no qual Hillary teria que negociar suas propostas com um Congresso dividido, com redução do aumento do salário mínimo para US$ 10 por hora (sua proposta é de US$ 15) e corte de gastos. ;O plano do Congresso seria modestamente expansivo, com impulso em torno de 0,2 ponto percentual do PIB americano em 2017-2018, enquanto, no cenário das propostas de Hillary, a economia cresceria cerca de 0,6 ponto percentual mais rápido em 2017-2018 do que a previsão de expansão de 2%;, ressalta.

Qualquer que seja o cenário com Hillary será menos desastroso para a economia brasileira e mundial do que se as ideias de Trump forem colocadas em prática, dizem os especialistas. Para o professor de Economia Internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF), André Nassif, ambos os candidatos têm viés protecionista. ;Mas o Trump é muito mais radical;, assinala. O acadêmico lembra que a indústria manufatureira americana migrou para a Ásia, incluindo a de bens de alta tecnologia, como a Apple, que desenvolve seus produtos nos EUA, mas os produz na China. ;Existe um debate sobre até que ponto isso é de interesse estratégico no longo prazo, o que pode levar ao recrudescimento do protecionismo;, afirma.

Uma das formas de tentar induzir ou evitar que as empresas se transfiram dos EUA é aumentando a tarifa de importação, que é muito baixa nos EUA, o que está na proposta de Trump. ;A Hillary não é uma ameaça para o livre-comércio, porque ela não tem uma visão protecionista radical;, destaca Nassif.

Isso inclui o posicionamento do futuro presidente dos Estados Unidos sobre a Parceria Transpacífica de livre-comércio entre 12 países, a chamada TTP, que foi enviada por Barack Obama ao Senado, mas ainda depende de apreciação. ;A eleição do Trump é um perigo. Com a Hillary, o ideário de inserção liberal não vai ser refeito. Ninguém espera que ela enterre a TTP, mas pode ser revista. Trump deve enterrar. Sua postura será muito protecionista e isso pode colocar em risco a dinâmica do comércio mundial, que ainda está se recuperando muito lentamente;, acrescenta Nassif.

Acordos

Para o Brasil, a TTP seria uma boa iniciativa porque o país precisa entrar mais nos acordos de livre-comércio, tanto na América Latina tanto no Pacífico, se quiser aumentar as exportações, na opinião do cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), para quem uma postura protecionista é tudo o que o Brasil não quer do seu segundo maior parceiro comercial. ;O Brasil está negociando para tirar tarifas de alguns produtos. Os EUA, também. Os dois países querem fazer acordos de serviços e o Brasil também quer atrair investimentos dos EUA. A questão dos vistos está sendo negociada, e o Brasil tenta manter a isenção de taxas que prevaleceu durante as Olimpíadas;, alerta Fleischer.

O professor lembra que há centenas de milhares de brasileiros sem documentos morando nos Estados Unidos. ;Trump vai deportar todo mundo. Hillary vai negociar certos casos, quem paga imposto há mais tempo ou quem tem familiar lá;, afirma. Fleischer ainda comenta a predisposição de Trump em punir empresas americanas que produzem fora do país e vendem lno mercado interno. ;Vai ser um desastre para a economia americana e mundial. Ao contrário de Hillary, que deve estreitar o relacionamento Brasil-EUA;, afirma.

Outra grande preocupação para a economia mundial, no entender de Fleischer, é a China. ;O Trump quer fechar o país aos produtos chineses para obrigar os americanos a comprarem produtos made in EUA;, assinala. ;Como a China vai reagir? Vai haver retaliação e não será nada engraçado de se ver. Pode ter colapso do comércio mundial;, alerta Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios.

Incerteza

Outro detalhe que preocupa o mundo, ressalta Frischtak, é que, quando Trump entrou na corrida eleitoral, ele não tinha nada a perder. ;Como marketing pessoal, foi perfeito, tempo de mídia. Mas, possivelmente, ele não esperava ser o candidato republicano. Consequentemente, não tem uma equipe. Não há economistas ou pessoas capacitadas para compor o governo dele. Nem o apoio total dos republicanos, ele tem. Isso gera uma incerteza muito grande;, argumenta.

Tal insegurança diante do futuro da maior economia do mundo, acrescenta o presidente da Inter.B, vai fazer ;a percepção de risco explodir e aumentar o prêmio global;. ;Isso provocará uma fuga para o dólar, com impacto cambial nas economias emergentes, como o Brasil;, afirma. Frischtak sublinha que o programa econômico de Trump é uma mistura de ;hipernacionalismo e protecionismo;, com isco para a economia global, em recuperação.

;Não vamos nem conseguir contemplar as reações em cadeia nos diferentes países. Acredito numa fragmentação potencial da União Europeia, por exemplo, com governos de extrema direita ganhando força;, estima. Ainda assim, ele crê que Trump sofrerá uma pressão muito forte do Congresso. ;Se ele colocar a economia global numa recessão, pode haver impeachment;, aposta.

Outra questão é a política monetária. Para Nassif, da UFF, o Fed (banco central dos EUA) é muito pragmático e só reage frente à inflação e ao emprego. ;Como a tendência é de a economia se retrair com Trump, sem nível de sustentação de crescimento, a tendência será de segurar a alta de juros;, avalia. Já com Hillary, emenda, é possível que aumente o emprego, o consumo, e, portanto, também a inflação, o que deve estimular a expansão dos juros nos EUA. ;Isso pode impactar de forma negativa o Brasil;, avalia. O dólar valorizado pressiona a inflação e pode obrigar o Banco Central brasileiro a retardar a queda da taxa Selic.

O professor daUFF ainda faz outra consideração preocupante: ;Estamos analisando a economia, mas é preciso ficar atento à questão geopolítica porque Trump não esconde a simpatia que tem por Vladimir Putin (presidente da Rússia);, alerta.

Mais fluxo


As relações comerciais Brasil- EUA podem melhorar com Hillary Clinton na presidência, no entender de Emmanuel de Oliveira Jr., professor da Graduação em Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap). ;Ela dará mais atenção aos mercados emergentes. O fluxo de comércio tende a aumentar;, estima. Já no caso de uma vitória do republicano, Oliveira, teme até mesmo pela autonomia do Federal Reserve (Fed), banco central norte-americano. ;Como ele tem uma política errática, pode gerar instabilidade econômica, ferindo os fundamentos macroeconômicos da economia;, ressalta.

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