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Chile tenta 'esquecer' Pinochet dez anos após sua morte

Para o governo da presidente socialista Michelle Bachelet, cujo pai morreu torturado pela ditadura, e que também governava o país no momento da morte de Pinochet, a data não é relevante

postado em 09/12/2016 09:42
No 'Chile sem Pinochet', poucos se atrevem atualmente a reivindicar publicamente sua figura Santiago, Chile - Dez anos após sua morte, apenas poucos partidários de Augusto Pinochet recordarão neste sábado (10/12) o aniversário da data com uma missa privada. A figura do ditador é cada vez menos perceptível em um Chile que tenta deixar para trás seu legado.

Pinochet faleceu em 10 de dezembro de 2006, aos 91 anos, quando sofreu um ataque cardíaco. A data não terá homenagens públicas a sua figura.

A Fundação Augusto Pinochet organizará uma pequena missa em Los Boldos, na costa central do Chile, onde estão as cinzas do ditador. Menos de 100 pessoas devem comparecer à cerimônia, número muito abaixo das 50.000 que acompanharam seu funeral, a última demonstração de apoio ao ;pinochetismo;.

Para o governo da presidente socialista Michelle Bachelet, cujo pai morreu torturado pela ditadura, e que também governava o país no momento da morte de Pinochet, a data não é relevante.

"Pinochet é uma figura do passado e em nossa memória histórica é claramente uma pessoa que mais se vincula com a divisão que a união, uma pessoa que está no passado e o Chile tem que estar no presente e olhar para o futuro", afirmou na terça-feira a porta-voz do Executivo, Paula Narváez.


Legado permanece

No ;Chile sem Pinochet;, poucos se atrevem atualmente a reivindicar publicamente sua figura. Os antigos aliados políticos ainda defendem sua obra, mas se distanciaram do personagem, à medida que a justiça avançou com as investigações por casos de corrupção e violações dos direitos humanos.

O legado econômico e político da ditadura, no entanto, permanece.

"Pinochet, depois de 10 anos de sua morte, foi desaparecendo do cenário público como personagem, como biografia, como quem comandou uma ditadura durante 17 anos, mas não o seu legado e herança", disse à AFP Manuel Garate, historiador e cientista político da Universidade Alberto Hurtado.

Vinte e seis anos após o fim da ditadura, o sistema econômico de livre mercado que instaurou permanece quase intacto, assim como o sistema privado de previdência e a Constituição de 1980.

Mas o sistema eleitoral que por anos beneficiou a direita foi desmantelado no ano passado. O governo de Bachelet também trabalha para mudar o sistema de ensino.

As mudanças, porém, acontecem de maneira lenta.

"Há contradições na sociedade chilena. O personagem produz rejeição, mas as pessoas se acostumaram a viver em seu modelo econômico", disse Garate.

Progressiva deterioração da imagem

Pinochet se tornou rapidamente no exterior o símbolo das ditaduras na América Latina, ao destruir a última possibilidade de um socialismo democrático concluir seu projeto político ao derrubar o governo de Salvador Allende, o primeiro e único marxista a chegar ao poder através das urnas, e que cometeu suicídio no dia do Golpe.

A ditadura de Pinochet é acusada de matar mais de 3.200 pessoas e de torturar outras 28.000.

Mas se fora do país a condenação foi praticamente imediata, no Chile os avanços na economia e o fato de entregar o poder após a derrota em um plebiscito em 1988 provocaram um atraso na avaliação negativa de sua figura, que agora tem uma condenação quase unânime.

"Aconteceu uma conscientização progressiva da verdade, mas hoje Pinochet não tem o apreço ou o mínimo respaldo da população", afirma o diretor do Museu da Memória, Francisco Estévez.

O museu, que mostra os horrores da ditadura, recebe 150.000 visitas por ano. Pinochet não tem um túmulo que possa ser visitado por seus simpatizantes e o pequeno museu em sua homenagem, administrado pela fundação com seu nome, permanece fechado.

Mas ainda há um longo caminho para cicatrizar as feridas. Quase mil vítimas permanecem desaparecidas e poucos casos da ditadura foram solucionados pela justiça.
Por France Presse

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