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Especialistas não acreditam em mudanças abruptas entre Brasil-EUA

Contudo, personalidade imprevisível do novo líder e discurso protecionista preocupam e merecem acompanhamento atento dos parceiros latino-americanos

Rosana Hessel
postado em 21/01/2017 08:52
O mercado demonstrou tranquilidade com a troca de governo nos Estados Unidos. Passado o susto do resultado das eleições em novembro, as expectativas se acomodaram e as apostas são
que o 45; presidente norte-americano, Donald Trump, assumirá uma postura mais moderada do que a adotada durante a campanha, apesar de defender o protecionismo e atacar países estratégicos para o comércio global, como a China. O governo de Michel Temer também comprou essa visão e demonstra otimismo com as relações bilaterais.

Contudo, personalidade imprevisível do novo líder e discurso protecionista preocupam e merecem acompanhamento atento dos parceiros latino-americanos

O reflexo dessa confiança pode ser medido pelo câmbio, que apesar do repique com o resultado das urnas, mostrou certa estabilidade. Logo após o resultado das eleições dos EUA, em novembro passado, o dólar passou de R$ 3,10 para R$ 3,44, mas voltou a cair em dezembro e, ontem, ficou em R$ 3,18, com a Bolsa de Valores de São Paulo (BM Bovespa) em alta. ;Eu confesso que acreditava que o mercado fosse reagir de forma mais negativa, com o dólar na casa de R$ 3,50, mas isso não aconteceu. Acredito que outras forças estão se sobrepondo a Trump. Talvez o Congresso possa freá-lo;, avaliou o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

;Ninguém sabe exatamente o que o Trump vai fazer. O grande medo, no entanto, é se ele aumentar muito os gastos públicos como vem prometendo, pois isso pode pressionar a inflação, e, como consequência, o Federal Reserve (o banco central dos EUA) poderá elevar os juros além do que é projetado pelo mercado. Isso mudará o fluxo do capital todo para lá, algo ruim para os mercados emergentes, principalmente, para o Brasil;, comentou o economista Eduardo Velho, da INVX Global Partners. ;Por enquanto, o risco Trump não está alto, mas ele precisa ser considerado;, disse.



[SAIBAMAIS]Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora, lembrou que essa acomodação no câmbio teve uma ;mãozinha; do Banco Central, que atuou para conter qualquer indício de volatilidade do começo da semana. ;O BC acabou tranquilizando o mercado ao anunciar que vai iniciar a rolagem dos contratos de swap que vencem em fevereiro assim que o dólar começava a subir com a aproximação da posse de Trump;, disse. Segundo a autoridade monetária, R$ 6,431 bilhões vencem a partir do dia 1; de fevereiro, mas não há um compromisso de que 100% desses contratos serão renegociados. Assumindo essa hipótese de rolagem do volume todo, o estoque ficaria estável em R$ 26,559 bilhões.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, ressaltou que o mercado ainda não contabilizou o risco Trump nos ativos. ;Estamos apostando que o novo presidente seja mais moderado (do que seu discurso). Vamos esperar as primeiras medidas para entender o que ele pretende no governo. O congresso americano deverá ser um dos freios;, afirmou ela.

Na avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, de Washington, o mercado brasileiro subestima a retórica de Trump. ;Parece que o mercado acredita haver pessoas que podem ;segurar as pontas;, mas a verdade é que ninguém sabe como tudo caminhará. As apostas podem estar totalmente erradas. Nesta semana, vimos muita coisa que mostra que ele não tem controle;, alertou ela, lembrando que Trump polemiza a cada mensagem no Twitter. ;O mercado vai ser determinado por 140 caracteres ; é assim que vai ser. E não há nada estratégico no que ele tuíta. É pura impetuosidade;, alertou.

A coordenadora do curso de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Fernanda Magnotta, também acredita que seria irresponsável dizer que não há consequência para o Brasil o novo governo dos EUA. ;O mundo está interligado e a piora ou a melhora do cenário internacional também afeta países como o Brasil, para o bem ou para o mal. Certamente, haverá consequências. Num primeiro momento, elas tendem a ser indiretas;, resumiu. A acadêmica acredita que, pelo fato de os EUA serem uma democracia consolidada e Trump não ser uma unanimidade, ele precisará ser muito prudente na condução do governo. Caso contrário, lembrou Fernanda, ;há mecanismos constitucionais que poderiam apeá-lo do poder se estourar algum escândalo;.

Parceiro estratégico

Os EUA são o segundo principal destino das exportações brasileiras e um dos principais compradores de produtos manufaturados nacionais, desde autopeças até aviões, ao lado da Argentina. Do ponto de vista comercial, especialistas avaliam que a retórica protecionista afetaria o mundo todo. ;Se ele resolver taxar produtos chineses e entrar em uma guerra comercial, todos perderão;, avisou Monica de Bolle.

Procurado, o Ministério das Relações Exteriores apenas informou que ;o Brasil continua acompanhando com atenção os acontecimentos nos EUA; e que existe ;uma série de projetos e acordos com os Estados Unidos em fase de avaliação, em diversas áreas;. Um dos conselheiros de Temer, o economista Ernesto Lozardo, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), contou que o governo brasileiro não está preocupado com a troca de poder da maior potência do planeta. ;Para o Brasil, essa mudança não afeta muito, a não ser que o comércio retraia mundialmente. Nesse sentido, os acordos bilaterais terão muito peso;, disse.

Todavia, Lozardo reconhece que há riscos de um aumento do protecionismo. ;A amplitude do comércio global sem barreiras e sem protecionismo é o caminho da expansão do capitalismo internacional. Quando você entra em um processo de anunciar protecionismo, você está fechando o capitalismo. E o problema com isso é a pobreza, que tende a aumentar na velocidade das restrições no comércio internacional;, apontou.

Vale lembrar que, desde o início do governo do democrata Barack Obama, em 2009, a balança comercial brasileira com os Estados Unidos se inverteu. As exportações brasileiras para os EUA estão em queda desde 2014 e somaram US$ 23 bilhões no ano passado, ou seja, 0,2% do volume que os americanos compram anualmente do resto do mundo. A professora da FAAP classifica Trump como um populista que não pode ser comparado a nenhum outro presidente norte-americano da história. Para ela, até mesmo a máxima de alguns especialistas de que um governo republicano é melhor para o comércio brasileiro do que um democrata pode não valer na atual conjuntura. ;Trump é muito imprevisível;, resumiu Fernanda.

A pesquisadora Lia Valls Pereira, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), também acredita que Trump terá dificuldades para governar se mexer demais com a elite financeira americana. ;Uma coisa é ele atender a questões mais políticas dos movimentos contra a imigração e promover as indústrias americanas. Mas, se Trump começar a colocar milhares de restrições às importações chinesas e colocar muita restrição na cadeia de comércio, tentando fazer o mesmo que Ronald Reagan fez na década de 1980, ele pode ter dificuldades para governar;, destacou. ;O mundo hoje é muito mais interdependente. E colocar medidas protecionistas é mais complexo, mesmo com a OMC mais fragilizada;, emendou. ;O mundo ainda está em catarse desde as eleições de outubro. Ainda precisamos ver os próximos desdobramentos para ter uma visão melhor do que virá;, completou.

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