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Política externa do governo Donald Trump confunde aliados e adversários

Vozes múltiplas e por vezes discordantes, vindas de Washington, confundem aliados e adversários sobre a política externa do governo Donald Trump. Esvaziado pelos tuítes do presidente, o secretário de Estado ainda procura seu lugar no tabuleiro

Silvio Queiroz
postado em 26/02/2017 07:05
O secretário de Defesa, James Mattis: tranquilizando os colegas da OtanPassado o primeiro mês do governo Donald Trump, países vizinhos, aliados e ; mais ainda ; os rivais e adversários firmam a impressão de que a política externa dos Estados Unidos soa como um coro sem nenhuma afinação. Além de múltiplas, as vozes que enunciam as posições e orientações de Washington são dissonantes, por vezes, contraditórias. O exemplo mais recente, e talvez o mais gritante, foi exibido na visita do secretário de Estado, Rex Tillerson, ao México: enquanto ele e o titular da Segurança Interna, o general John Kelly, tratavam de assegurar o governo local quanto às diretrizes sobre imigração, em especial sobre deportações forçadas e em massa, Trump se vangloriava, em Washington, de estar ;colocando para fora os maus elementos; em um ritmo ;nunca visto neste país;, e comparava a inciativa a ;uma operação militar;

É justamente o papel discreto jogado até aqui pelo chefe da diplomacia americana que inquieta e intriga os parceiros. Tillerson esteve ausente de alguns dos principais encontros mantidos pelo presidente com chefes de governo estrangeiros que visitaram a Casa Branca, como os premiês do Canadá, Justin Trudeau, e do Japão, Shinzo Abe. Quando Trump recebeu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, o secretário de Estado estava a caminho da Alemanha, para debutar na arena internacional no encontro de chanceleres do G20, em Bonn. Na véspera, porém, Tillerson jantava com Netanyahu enquanto o presidente afirmava para quem quisesse ler, pelo Twitter, que os EUA poderiam abdicar da ;solução de dois Estados; para o conflito entre Israel e Palestina.

[SAIBAMAIS];Com esse movimento de nos afastarmos de algumas de nossas posições estabelecidas (de política externa), semeamos dúvidas entre nossos amigos e aliados sobre o quanto continuamos confiáveis, o quanto podem contar conosco. Em última instância, sobre até que ponto aquilo que valia até ontem continua valendo;, raciocina Richard Hass, presidente do Conselho de Relações Exteriores (CFR), instituto apartidário que funciona como uma espécie de laboratório para o Departamento de Estado. ;Nenhum secretário de Estado pode ser bem-sucedido se o resto do mundo não tem a certeza de que ele tem autoridade para falar em nome do presidente. E as dúvidas são veneno para a capacidade do secretário de atuar com eficiência.;

Hass, diretor de planejamento político do departamento no governo de George W. Bush, recorre ao título em inglês do filme Esqueceram de mim (;Home alone;, literalmente ;sozinho em casa;), para ilustrar a situação de Tillerson no cargo, inclusive pela falta de familiaridade com a equipe. Até o momento, de 116 postos de alto nível que dependem de indicação do Executivo para ser preenchidos, apenas dois contam com titulares: o do próprio secretário e o da embaixadora na ONU, Nikki Haley.

Sub vetado

Especialmente preocupante para os que observam o cenário foi o veto de Trump ao nome de Eliott Abrams, veterano dos governos republicanos de Ronald Reagan e George Bush pai, para o segundo posto na hierarquia, o de subsecretário. Abrams não seria ;suficientemente leal; ao presidente. ;Falta equipe, ele não conseguiu emplacar nem o nome do vice, esse é um ponto importante;, aponta Hass.

Aaron Miller, diplomata aposentado que serviu a governos de ambos os partidos, compartilha a inquietação. ;Tillerson está sendo deliberadamente colocado de lado;, afirma. ;Está aprisionado em um governo com múltiplos centros que competem entre si e com um presidente que não quer ou não sabe decidir quem deve jogar o papel de liderança na implementação da política externa.; A perspectiva de cortes de pessoal reforça a paralisia em áreas-chaves do departamento e aprofunda a distância entre o corpo profissional da diplomacia e o chefe, cuja experiência anterior é a carreira de quatro décadas na gigante petroleira ExxonMobil ; por isso, nos corredores, ele é referido como ;o CEO;, e não ;o secretário;.

Contraponto

É precisamente a impressão de que falta à política externa americana uma voz clara de interlocução que ganha corpo entre os parceiros de Washington, pelo mundo afora. Foi por essa perspectiva que um diplomata europeu, que representa no Brasil um dos mais firmes aliados dos EUA no continente, interpretou a presença de Tillerson no G20 e a do secretário de Defesa, John Mattis, em uma reunião ministerial da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, bloco militar ocidental). ;O que pareceu foi que os dois foram à Europa com a missão de ;desdizer; o que Trump tinha dito sobre as alianças, especialmente sobre a Otan, que ele chamou de ;obsoleta;;, avalia o diplomata. ;O problema é que acima deles está o presidente com o seu Twitter.;

"Nenhum secretário de Estado pode ser bem-sucedido se o resto do mundo não tem a certeza de que ele tem autoridade para falar em nome do presidente"

Richard Hass, presidente do Conselho de Relações Exteriores

"Tillerson está sendo deliberadamente colocado de lado,
em um governo com múltiplos centros que competem entre si"

Aaron Miller, diplomata (aposentado) americano

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