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Negociação com o Reino Unido será mais um momento de definição para a UE

O projeto de integração mais ambicioso da história completa 60 anos às voltas com a saída inédita de um país-membro

Gabriela Freire Valente
postado em 27/03/2017 06:00
Negociadores informam a integrantes da Comissão Europeia os passos iniciais para as discussões sobre o Brexit com o governo britânico

Mergulhada em incertezas sobre o próprio futuro, a União Europeia (UE) comemorou os 60 anos dos Tratados de Roma, marco inicial do bloco, em meio às expectativas pelo início da inédita ruptura com um dos países-membros. Enquanto os governantes buscavam enviar uma mensagem de unidade na data emblemática, a ausência do Reino Unido nas celebrações, na capital italiana, parecia antecipar o rompimento inédito. Na próxima quarta-feira, Londres ativará formalmente o Artigo 50 do Tratado de Lisboa para formalizar o pedido de saída e dar início a um complexo período de negociações, que pode colocar em xeque a atual dinâmica da UE.

Com uma agenda vasta, que passa por regulações, comércio, cooperação em segurança e até o futuro dos cidadãos britânicos que vivem em países do bloco e vice-versa, o diálogo para definir os termos do ;divórcio; entre Londres e Bruxelas ; chamado de Brexit ; deve se arrastrar pelos dois anos previstos no Tratado de Lisboa. Líderes europeus, no entanto, sinalizaram que as negociações efetivas só devem começar em junho. Uma proposta com orientações para as tratativas deve ser enviada pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, aos 27 países-membros, 48 horas após a notificação britânica. Essas diretrizes devem ser ratificadas em uma reunião de chanceleres, em 29 de abril.

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[SAIBAMAIS]Marcus Vinícius Freitas, professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), ressalta que a ativação do Artigo 50 dará início a um processo que deve trazer mudanças profundas para a dinâmica europeia. ;A negociação vai promover uma reformulação da UE, ou no sentido de aprofundar as relações entre os países-membros, rumo a uma espécie de federalização, ou no sentido de desencadear uma deterioração;, avalia.

O estudioso pondera que o futuro do bloco dependerá em grande parte de como o Reino Unido será afetado pela ruptura ; cujos efeitos podem demorar anos até serem sentidos. Ele, no entanto, acredita que um eventual resultado favorável à direita eurocética nas eleições presidenciais na França, em abril e maio, e nas legislativas da Alemanha, em setembro, pode acelerar o eventual colapso da UE.

Respostas


Com o pontapé inicial para o Brexit dado em meio às campanhas eleitorais, em em pleno fortalecimento de lideranças de extrema-direita na Europa, Cristina Pecequilo, coordenadora do curso de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca que os primeiros seis meses de negociação serão fundamentais para o debate sobre o futuro da integração continental. ;Haverá uma tentativa de ambos os lados de marcar posição, e os líderes da UE terão de ter uma postura pró-Europa;, observa.

A estudiosa, no entanto, acredita que uma defesa utópica do projeto, que não responda à paralisia do bloco e às dúvidas sobre o sistema de integração regional, pode resultar em perdas políticas. ;O problema será se começar a ficar uma coisa muito idealista, na qual a Europa se fecha a certos princípios sem ceder em algumas questões para esses grupos, especialmente da centro-direita;, avalia. ;Talvez agora seja esta a saída para preservar o que se tem. Isso significa promover a flexibilização e dar mais poder de voto para alguns países.;

Com a expectativa de um clima menos amigável nas negociações entre Bruxelas e Londres, o debate sobre a forma como o processo se desenvolverá gira em torno de se o Reino Unido adotará uma saída ;dura; ou ;suave; da UE. A primeira opção significa cortar a maioria dos laços com o bloco, abolir a liberdade de movimento e não fazer parte do mercado comum europeu. Já a modalidade suave permite fechar um acordo que mantenha uma dinâmica similar à vigente.

Freitas acredita que o caminho seguido nas tratativas será definido durante o diálogo sobre as obrigações financeiras dos britânicos para com a UE. As estimativas são de que Londres tenha de pagar entre 55 bilhões e 65 bilhões de euros a Bruxelas para honrar os compromissos com o orçamento europeu. ;É preciso ver se o Reino Unido vai pagar o que deve ao bloco. Se isso não acontecer, a saída tende a ser dura;, arrisca.

55 bilhões de euros
Estimativa mínima para a fatura que a UE pretende cobrar de Londres pelos compromissos assumidos antes do Brexit

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