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Violência de motivação racial desafia governo Trump

Violência de motivação racial, durante manifestação de supremacistas, coloca Donald Trump diante de uma divisão social que permeia a vida política americana há um século e meio, e que se acirrou nos oito anos de governo do primeiro presidente de origem afro-americana

Silvio Queiroz
postado em 18/09/2017 06:00
Estátua do general Robert Lee, comandante das forças escravistas na Guerra da Secessão: símbolos de supremacia acirram a questão racia
Entre o pôquer nuclear com a Coreia do Norte e a devastação causada no Texas pela tempestade Harvey, Donald Trump encontrou pouco tempo, nas últimas semanas, para avaliar o impacto de mais longo prazo de um persistente foco doméstico de tensão. A divisão racial, que permeia a história política dos Estados Unidos desde a Guerra da Secessão (1861-1865), voltou a mostrar a cara em meados de agosto, em Charlottesville, na Virgínia, onde grupos de extrema-direita se uniram a defensores da supremacia branca em uma marcha contra a remoção de uma estátua do general Robert Lee, que há um século e meio comandou as tropas sulistas (confederadas), defensoras da escravidão. Um militante neonazista atropelou manifestantes, causando uma morte e colocando em posição difícil o presidente: depois de manter silêncio por dois dias, Trump inicialmente condenou o racismo, para no dia seguinte responsabilizar ;ambos os lados; pela violência.

Opositores do bilionário foram rápidos em recordar os laços políticos estabelecidos por ele, durante a campanha, com setores mais à direita no espectro político, em especial sua relutância em repudiar o apoio declarado por um ex- líder da organização racista Ku Klux Klan (KKK), David Duke, ainda durante as eleições internas do Partido Republicano. E mesmo correligionários censuraram o presidente, agora, pelas hesitações no caso de Charlottesville.

;Já vemos evidências de que as declarações de Trump atingiram suas taxas de aprovação, principalmente por ele ter sido condenado por muitos políticos republicanos influentes, como os senadores John McCain e Marco Rubio;, analisa Keith Bockelman, titular da cadeira de ciência política na Universidade do Oeste de Illinois. Como outros estudiosos, ele avalia que a vitória de Trump na eleição presidencial de 2016, de certa maneira, encorajou os supremacistas. ;Eles se veem como parte da coalizão que elegeu o presidente, e acho que ele próprio também vê as coisas assim;, afirma Bockelman. ;Os racistas parecem acreditar que têm um presidente ;do lado deles;, e com isso se sentem animados a se fazerem mais visíveis, mais ouvidos, mais ativos.;

Como o cientista político de Illinois, outros scholars lembram que a crescente audácia política dos supremacistas se desdobra dos repetidos incidentes de violência racial vividos nos oito anos de governo de Barack Obama, o primeiro presidente de origem afro-americana. ;Uma das esperanças despertadas pela eleição de Obama foi de que ele estaria em posição de melhorar as relações raciais;, observa Timothy Hagle, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Iowa. Ele lembra que, a despeito das diferenças de opinião sobre progressos nesse terreno ao longo do século 20 (leia o Para Saber Mais), a existência do problema é um consenso no país. ;Infelizmente, as expectativas em torno de Obama não se concretizaram. De fato, em alguns aspectos, a questão racial se tornou pior.;

Olho no voto


Os dois estudiosos coincidem no diagnóstico de que é com as atenções voltadas para as eleições legislativas de 2018 que muitos congressistas republicanos procuram distanciar-se de posições que possam ser consideradas racistas ; e de Trump, na reação ao episódio de Charlottesville. ;Ainda falta muito tempo, e não tenho certeza se esse tema será necessariamente um grande problema para os governistas, mas alguns grupos ativistas e parte da mídia estão listando os políticos que não se pronunciaram claramente contra as declarações do presidente;, explica Hagle. ;Se eles tiverem de empenhar esforços nessa questão durante a campanha, terão menos tempo para defender seus projetos de legislação.; Para Bockelman, é ;a impopularidade de Trump que poderá se tornar um peso para os republicanos;, mas a questão racial pode ajudar a mobilizar nas urnas o eleitorado negro, em favor da oposição democrata.

;As expectativas em torno de Obama não se concretizaram. De fato, em alguns aspectos, a questão racial se tornou pior;
Timothy Hagle, professor da Universidade de Iowa


Tensão em St. Louis

No meio-oeste, St. Louis teve um fim de semana de tensão após a absolvição de um policial branco pela morte de um negro. Manifestações contra o veredicto terminaram em quebra-quebra e enfrentamento com a polícia. Ao menos 39 pessoas foram presas, e dois shows ; um deles da banda U2 ;, cancelados. O ex-oficial Jason Stockley foi absolvido das acusações de assassinato de Anthony Lamar Smith, um suposto traficante de drogas, em uma perseguição. A Justiça considerou que a promotoria não demonstrou que o policial não tenha agido em legítima defesa. Stockley alega ter visto a vítima tentando pegar um revólver de seu carro. A câmera instalada na viatura, porém, não fez esse registro, nem a do celular da vítima.

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