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Crise política e extrema direita marcam o fim da 'exceção' alemã

Um governo "estável é nossa marca de fábrica, o 'made in Germany'", disse nesta terça-feira o braço direito da chanceler, Peter Altmeier

Agência France-Presse
postado em 21/11/2017 15:25

A crise que a chanceler Angela Merkel atravessa reflete o fim da "exceção" alemã, em um país que durante muito tempo pareceu imune às turbulências políticas e ao avanço populista.

Estabilidade é a palavra-chave, ancorada no DNA alemão do pós-guerra, seja na moeda ou na vida política, que viveu no ritmo da cultura do consenso e do compromisso entre partidos, que se estende até o econômico e social.

[SAIBAMAIS]Um governo "estável é nossa marca de fábrica, o ;made in Germany;", disse nesta terça-feira o braço direito da chanceler, Peter Altmeier.

E é com assombro que os alemães descobrem que estão virando uma página: o novo governo ainda não apareceu depois das legislativas de setembro, marcadas pela atomização da paisagem política e por um avanço histórico da extrema direita.

"Enfrentamos uma situação nunca vista na história da República Federal da Alemanha, isto é, em 70 anos", destacou na segunda-feira o chefe de Estado, Frank-Walter Steinmeier.

Terremoto


À espera de eventuais eleições antecipadas, a primeira potência econômica europeia estará politicamente ausente. Para Thomas Kleine-Brockhoff, vice-presidente do instituto German Marshall Fund, "um terremoto político atingiu a Alemanha".

Judy Dempsey, da fundação Carnegie Europe, disse que a "Alemanha se tornou o novo problema da Europa, independentemente do que Merkel fizer".

"Devem esquecer agora que este país dirigido por Merkel é previsível e estável", acrescentou em análise. Isso em um momento em que a União Europeia (UE) enfrenta o Brexit, as tendências autoritárias em países-membros do leste, as aspirações independentistas da Catalunha e uma crise econômica que ainda ameaça.

Durante décadas a Alemanha viveu uma tranquila alternância entre os conservadores do CDU, liderado atualmente por Angela Merkel, e os social-democratas do SPD. O partido liberal FDP se retirou no momento de formar o governo.

Mas a situação começou a se complicar na esquerda do tabuleiro político a partir dos anos 1980 com a irrupção dos Verdes no Parlamento, e depois, nos anos 1990, com os sucessores do partido comunista da Alemanha Oriental, entre eles a esquerda radical atual Die Linke.

Este ano começaram as complicações na direita. O CDU e seu aliado bávaro CSU sempre tiveram a ambição de evitar que aparecessem novas formações.

Mas o descontentamento de parte da opinião após a chegada de mais de um milhão de solicitantes de asilo favoreceu a extrema direita Alternativa para Alemanha (AfD), que no fim de setembro conseguiu entrar no Bundestag (Parlamento).

;Versão alemã do Brexit;

Dessa maneira se esvaiu o que parecia impedir que um partido nacionalista pudesse entrar no Bundestag devido ao passado nazista da Alemanha.

Ao mesmo tempo, o liberal FDP, outrora partido pró-Europa e moderado, se transformou e voltou ao Parlamento com um programa de tom antieuropeu e anti-imigração. Um posicionamento claramente à direita do CDU, ocupando um espaço que deixa a política centrista de Merkel livre.

"A chanceler deslocou seu partido para a esquerda quando o país se movia para a direita", considerou um membro do entorno do CDU que pediu anonimato.

No domingo, os Liberais romperam com os costumes e não hesitaram em criar um vazio político inédito no país acabando com as negociações para formar um governo.

"A crise da democracia parlamentar, que transformou profundamente o sistema partidário de muitos países ocidentais, chegou à Alemanha, é a versão alemã do Brexit, de Trump", analisou o semanário Der Spiegel.

Para Thomas Kleine-Brockhoff, a "Alemanha se normalizou de maneira espetacular nos últimos meses, para o bem ou para o mal". É o "fim de uma fase de ;excepcionalidade; alemã" e a "Europa deverá viver durante muito tempo sem o efeito tranquilizador de uma Alemanha estável".

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