Opinião

Artigo: Conselho da Amazônia: Uma Nova Velha Novidade

Correio Braziliense
postado em 21/02/2020 04:16

O Conselho da Amazônia soa como nova e promissora novidade. Não é. Reflete mais um retumbante fracasso do modelo de governança regulatória em matéria de proteção ambiental. Enquanto não se tornar tema de Estado, como em várias partes do mundo desenvolvido, o meio ambiente sacolejará entre os caprichos do governo de plantão.

Ao resgatar a história do passado recente, lembramos da Secretaria de Assuntos Estratégicos, a SAE. Criada pela Lei nº 11.754, de 23 de julho de 2008, e sancionada pelo então presidente Lula. Tinha como objetivo assessorar o presidente da República e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas de longo prazo voltadas ao desenvolvimento nacional. Entre os que exerceram o cargo de ministro da SAE, destaque para o professor de Harvard, Mangabeira Unger. Foi na sua gestão que o então presidente Lula baixou o Decreto nº 6.517/2008.

O Anexo 1 desse decreto criou na estrutura da SAE a Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável. Entre as atividades de sua competência, vinha listada a coordenação das ações da SAE no âmbito da Comissão Gestora do Plano Amazônia Sustentável, ou PAS, como ficou mais conhecido à época. À frente do PAS, declarou o então ministro Unger: “Na Amazônia está em jogo o futuro do Brasil”.

Mas qual então a semelhança entre o PAS da SAE e o agora festejado Conselho da Amazônia? O esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Mas por motivos opostos. Aí reside a ironia. Em 2008, o MMA de Marina Silva era acusado por importantes setores do governo de ser demasiadamente protetivo do meio ambiente. Foram inúmeros os entreveros entre a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff e a ex-ministra do MMA em relação aos supostos obstáculos ao licenciamento ambiental das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A transferência do PAS para a SAE foi a pá de cal. Marina Silva renunciou cinco dias após a apresentação do PAS.

O Conselho da Amazônia hoje cumpre o mesmíssimo fim, de esvaziamento do MMA, mas por motivo oposto. A atual gestão ambiental, ao final do primeiro ano de governo, transmitiu uma desastrosa e altamente custosa imagem de leniência com a degradação da Floresta Amazônica. Desastrosa porque foi atrelada aos recordes de desmatamento e queimadas. Custosa porque no atual mundo globalizado e da informação, a questão socioambiental passou a ser suprapartidária.

Significa dizer que políticos no mundo desenvolvido, sejam de direita, sejam de esquerda, podem perder eleições se não restringirem o comércio com países reputacionalmente manchados em matéria socioambiental. Por isso, nunca foi tão importante para um país como o Brasil, que depende muito da exploração da sua natureza, não apenas cuidar efetivamente do meio ambiente, como desfrutar de uma boa reputação na área. No ditado popular, não basta ser honesto, é preciso parecer honesto também.

O Conselho da Amazônia, dentro desse contexto, representa uma correção na atabalhoada rota na política socioambiental do primeiro ano do governo Bolsonaro. Símbolo desse ajuste de rota, a nomeação do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, para presidi-lo. Profundo conhecedor da região. E também do jogo de poder internacional, que fez o Regime Militar, de bandeira eminentemente desenvolvimentista, curvar-se à bandeira da proteção ambiental para assegurar investimentos estrangeiros no Brasil economicamente debilitado à época. Não à toa que algumas das principais leis ambientais, com especial destaque para a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), foram promulgadas durante a ditatura.

Se institucionalmente a correção de rota é oportuna, apenas os resultados concretos poderão mitigar os sérios danos reputacionais sofridos pelo Brasil em 2019. Enquanto aguardamos por uma profunda reforma regulatória em matéria de governança socioambiental no Brasil, teremos de nos contentar com um MMA de “fachada” e depositar nossas esperanças nos ministérios da Agricultura e da Economia, ambos bastante sensíveis aos concretos prejuízos da mancha reputacional brasileira em matéria socioambiental. Por ora, é só o que podemos esperar e, fundamentalmente, torcer!

Este artigo expressa a opinião do autor, não representa, necessariamente, a opinião institucional da FGV
 
*Rômulo S. R. Sampaio é professor de direito ambiental da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio

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