Politica

Perdão para faltosos

A Câmara foi mais complacente este ano com as ausências de deputados do que em 2008: 88,3% das faltas foram abonadas

postado em 26/12/2009 08:00

A Câmara foi mais complacente este ano com as ausências de deputados do que em 2008: 88,3% das faltas foram abonadasEm 2009, a Câmara tornou-se mais complacente com os deputados ao perdoar 88,3% das faltas do ano. As ausências aumentam no segundo semestre e nos dias próximos a feriados. Os deputados usaram como argumento ;missão oficial; ou apresentaram ;licença médica; para faltar às votações de terça a quinta-feira. Com a benevolência da direção, alguns chegam a confessar sem pudor que, em vez de estar presentes em plenário, preferem antecipar o trabalho nas bases eleitorais para não perder o mandato na eleição do próximo ano.

A prática de perdoar as faltas é comum na Câmara e atingiu o pico entre 2003 e 2006, quando 94% das ausências foram abonadas pela cúpula política e administrativa da Casa. Esse percentual caiu para 84% nos dois anos seguintes e voltou a subir neste primeiro ano do mandato do deputado Michel Temer (PMDB-SP) como presidente.

Os números contrastam com a segunda passagem de Temer pelo cargo entre 1999 e 2000, quando a Casa aceitou apenas 79% das justificativas apresentadas pelos deputados para abonar as faltas. Criou-se na Câmara uma verdadeira indústria das faltas com a indulgência administrativa. E se tornou um mito ou letra morta no Regimento Interno a cassação de mandato por ausência sistemática.

Dos 513 parlamentares, 209 tiveram todas as suas faltas perdoadas pela Câmara. Caiu também, seja por missão oficial ou licença médica, a presença nas votações nos três dias em que o plenário da Casa funciona. Em 2009, o índice de comparecimento às sessões foi de 83,5%, abaixo dos 86% de presença média registrada em 2007, quando a Casa era comandada por Arlindo Chinaglia (PT-SP). Isso significa que este ano 428 deputados estiveram nas sessões deliberativas (quando há votações).

A falta de penalidade ao deputado é que alimenta a queda na participação em plenário e o aumento das justificativas. Está previsto que a cada dia sem trabalhar, R$ 850 saem do salário de R$ 16,5 mil. Diante disso, amontoam-se explicações, licenças, atestados médicos e motivos para ficar fora de Brasília representando oficialmente o Congresso Nacional.

Percebe-se o clima de liberalidade na Casa quando se leva em conta o número de deputados que faltaram a pelo menos 25% das sessões. Esse é o percentual previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para um aluno repetir de ano. Se o número fosse levado em conta, 93 deputados estariam sujeitos a essa penalidade. Mas, com uma máquina de perdões a favor, não há nenhum custo a quem não participa do dia a dia da Câmara. Entre os faltosos contumazes, 18 apresentaram 100% de justificativas para seguidas faltas.

Confissão
O perdão aumentou no segundo semestre, quando a Câmara informa que o número de missões oficiais foi maior. Em bate-papos nos corredores da Casa, alguns deputados não escondem que preferem ocupar o tempo em buscar a reeleição a participar do trabalho legislativo. Em uma conversa reservada com um colega no cafezinho, o deputado Rogério Lisboa (DEM-RJ) lamentou ter esquecido de registrar presença em plenário, depois de passar longo tempo fora do Congresso. Questionado sobre o motivo da ausência, foi direto ao ponto: ;Você acha que estou preocupado com isto aqui? Estou mais interessado com a minha eleição;, justificou, respondendo a um colega.

Esse exemplo mostra quão frágil é o sistema e como é simples burlá-lo. As justificativas ocorrem até próximo a feriados. O pico deste ano é o dia antes do feriado de carnaval, quando houve 216 faltas, das quais 80% abonadas. Além da rotina no plenário, os deputados devem desempenhar as obrigações de seus mandatos eletivos nas comissões temáticas.


A gestão de Michel Temer (que preside a sessão) está entre as mais benevolentes com colegas

Análise da notícia
Regra frouxa

A indústria do perdão das faltas na Câmara dos Deputados é alimentada facilmente. O líder da bancada envia à Mesa Diretora pedido de abono, com a explicação de que determinado parlamentar estava em viagem oficial representando o Congresso ou o próprio partido. No caso de licença médica, basta apresentar o atestado. As lideranças da Casa reconhecem que as justificativas são feitas em um modelo e os argumentos são mera formalidade, bastante superficiais.

Para receber o salário inteiro sem desconto, os deputados podem, até o último dia do mandato, apresentar atestado com a assinatura de três especialistas, verificado por uma junta médica oficial. Além disso, o Regimento Interno é amplo e indulgente, o que permite aos deputados enquadrar qualquer atividade fora do mandato como ;oficial;. O ato 23 de 1999 considera missão oficial ;representação protocolar da Casa ou, ainda, o desempenho de atividade política ou cultural relacionada ao exercício do mandato, assim reconhecido pelo presidente da Câmara dos Deputados;.

A definição abre brecha para uma caminhada com um prefeito aliado por um local com concentração de eleitores incluída na lista de atividades representativas do mandato de deputado. É uma tênue linha entre o que é de fato atuação parlamentar e o que é eleitoral. É o mesmo tratamento da lei eleitoral para campanha antecipada: só se configura se alguém, no palanque, pedir voto para um candidato. Fora isso, tudo é permitido, até brincar com as palavras, ou, no caso dos deputados, com as justificativas.

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