Politica

Lei da Anistia: perdão mantido a torturadores

STF rejeita ação da OAB para revisar a norma que inocenta agentes públicos de excessos cometidos durante a ditadura militar

postado em 30/04/2010 08:20
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por sete votos a dois, manter o texto original da Lei da Anistia, conforme promulgado em 1979. Ao julgarem uma ação protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os ministros da Suprema Corte negaram o pedido de exclusão do perdão dado aos agentes públicos que torturaram ou mataram durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).

Recheado de polêmicas, o histórico julgamento foi iniciado na quarta-feira, quando o relator do processo, Eros Grau, seguiu entendimento do Ministério Público e da Advocacia-Geral da União (AGU) ao votar pela manutenção da lei, que beneficiou militares, servidores públicos, dirigentes e representantes sindicais. A legislação de 1979 deixou de fora apenas os acusados de terrorismo, assalto, sequestro e atentado.

A OAB pedia a revisão do artigo 1; da lei, que prevê anistia aos crimes ;conexos; relacionados aos crimes políticos, para que o perdão deixasse de alcançar os torturadores. O tema causou divergência dentro do próprio governo federal, mas prevaleceu a posição da AGU de manter a anistia ampla e irrestrita.

Ontem, no segundo dia de julgamento, oito ministros votaram. Apenas dois se posicionaram pela revisão da lei. Prevaleceu o voto do relator, que foi elogiado pelos que o seguiram. ;O ministro Eros fez o mais brilhante voto perante essa corte;, disse Gilmar Mendes. ;Cumprimento o ministro Eros Grau pelo consistente voto proferido, que servirá para reflexão e alerta a gerações futuras;, anotou Marco Aurélio Mello. Eros Grau, preso político do regime militar, alertou, ao votar anteontem, que não cabe ao Poder Judiciário revisar a lei. O papel, segundo o relator, é restrito ao Legislativo.

Seguindo o voto de Eros, Cármen Lúcia alertou que a lei não pode retroagir para punir os torturadores, apesar de o artigo 5; da Constituição definir a tortura como crime ;insuscetível de anistia; e imprescritível. Na década de 1970 não havia essa tipificação de crime, que era considerado, à época, lesão corporal grave. Assim, a ministra alertou que não cabe punição para atos de tortura praticados antes de 1988, ano em que a Constituição foi promulgada. ;Nem sempre as leis são justas, embora elas sejam criadas para ser;, afirmou Cármen.

Por alguns instantes, o julgamento ficou empatado em dois a dois, após Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto votarem pela revisão da lei. No entanto, os demais votos definiram a questão. Além de Cármen, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso seguiram o voto do relator.

Elogio
Mendes elogiou a postura do Congresso Nacional, que, no auge da ditadura militar, aprovou a Lei da Anistia. O mesmo Parlamento foi chamado de submisso pelo jurista Fábio Comparato, conselheiro da OAB. ;O Brasil é devedor desses companheiros, não de armas, mas da política. Aqueles que realmente acreditaram na via do diálogo e na política como forma de construir soluções;, destacou Mendes.

A ministra Ellen ressaltou a importância da aprovação da lei em meio ao regime de exceção. ;Por incômodo que seja reconhecer hoje, a anistia, inclusive daqueles que cometeram crimes nos porões da ditadura, foi o preço que a sociedade pagou para acelerar o processo de democratização;, observou.

"O Brasil é devedor desses companheiros, não de armas, mas da política. Aqueles que realmente acreditaram na via do diálogo e na política como forma de construir soluções"
Gilmar Mendes


"Por incômodo que seja reconhecer hoje, a anistia, inclusive daqueles que cometeram crimes nos porões da ditadura, foi o preço que a sociedade pagou para acelerar o processo de democratização"
Ellen Grecie


"O torturador não comete crime político. O torturador é um monstro, um desnaturado, um tarado, é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante dos mais intensos dos sofrimentos. É uma espécie de cascavel que morde o som dos próprios chocalhos"
Carlos Ayres Britto



;Monstro tarado;

Vencido no julgamento que manteve a validade da Lei da Anistia, o ministro Carlos Ayres Britto não poupou críticas ao perdão dado pelo Estado aos torturadores nos anos 1970. ;O torturador não comete crime político. O torturador é um monstro, um desnaturado, um tarado, é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante dos mais intensos dos sofrimentos. É uma espécie de cascavel que morde o som dos próprios chocalhos;, frisou.

Para Britto, a lei não deu o perdão aos torturadores, que, segundo ele, ;desonraram as próprias Forças Armadas, que não compactuavam com atos de selvageria;. O ministro Ricardo Lewandowski considerou que os agentes do Estado ;não estão automaticamente abrangidos pela anistia contemplada; e sugeriu que os juízes avaliassem caso a caso com a possibilidade de punição àqueles que cometeram crimes de tortura ; para ele um crime comum, e não político.

O presidente do STF, Cezar Peluso, rebateu com veemência o voto de Ayres Britto. ;O Brasil fez a opção pelo caminho da concórdia. Se eu pudesse concordar com a afirmação de que certos homens são monstros, eu diria que os monstros não perdoam. Só os homens perdoam. Só uma sociedade superior, qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar;, declarou.

Peluso não poupou críticas à mudança de posição da OAB e disse não conseguir entender como ;a mesma OAB venha 30 anos depois rever o seu próprio juízo como se tivesse acordado tardiamente;. ;Uma sociedade que quer lutar com os seus inimigos com as mesmas armas está condenada ao fracasso;, concluiu. (DA)

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