Politica

Comissão da Verdade: delegado acusado de tortura nega acusação

Para a aposentada Darci Miyaki, ex-presa política, que relatou ter sido torturada por ele, não há dúvidas da verdadeira identidade do capitão

postado em 12/12/2013 15:50
José Carlos Dias e Pedro Dallari, membros da Comissão Nacional da Verdade
São Paulo - O delegado aposentado da Polícia Civil, Aparecido Laertes Calandra, negou nesta quinta-feira (12/12), em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, qualquer envolvimento com episódios de tortura durante a ditadura militar no Brasil. Apesar de ex-presos políticos terem reconhecido o policial como o torturador de codinome capitão Ubirajara, ele disse que no período em que trabalhou no Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações e Defesa Interna (DOI-Codi) atuou apenas como assessor jurídico.

Ele informou que desconhece qualquer violação aos direitos humanos cometida no local no período de 1972 a 1976, quando exerceu essa função no departamento. ;Nunca ouvi gritos;, disse.

Ele não soube explicar como tantas pessoas o reconheceram como membro das equipes de interrogatório. ;Atribuo isso a um engano pessoal das pessoas que estão fazendo essas acusações. Nunca participei de nenhuma atividade de tortura e nunca apoiaria isso;, declarou. Embora cumprisse expediente no DOI-Codi, ele negou trabalhar no sistema de informações do governo.

O coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari, apresentou documentos em que o comando do Exército elogia o delegado por sua performance profissional. ;Isso era parte da conduta do comando aqueles que se dedicavam especificamente a sua função. E a minha era de assessor jurídico;, justificou.

Aparecido Calandra disse ainda nunca ter usado codinomes. ;Sempre usei o meu nome. Nunca interroguei ninguém e muito menos violei direitos humanos. Sempre fui o contrário disso;, destacou.

Para a aposentada Darci Miyaki, ex-presa política, que relatou ter sido torturada por ele, não há dúvidas da verdadeira identidade do capitão. ;Ele mudou pouco, muito pouco. Está com cabelo mais ralo, branco, mas o visual, a estrutura são os mesmos. Esse cidadão era o Ubirajara, um torturador e partícipe de muitos assassinatos;, disse ela.



Antes do depoimento do acusado, sete ex-presos políticos falaram na audiência sobre os momentos em que estiveram de frente com o delegado. Durante o testemunho, Darci Miyaki questionou a versão da morte de seu companheiro de militância Élcio Pereira. ;A morte dele foi anunciada em um tiroteio no dia 28 de janeiro de 1972, mas, nesse dia, ele estava sendo trazido do Rio [de Janeiro] para São Paulo comigo;, relatou. Ela disse que foi torturada diversas vezes pela equipe do capitão Ubirajara. ;Foram choques elétricos no ouvido, nos dedos dos pés, das mãos, choque na vagina. Era algo muito violento;, descreveu.

A aposentada Maria Amélia de Almeida Teles, detida pela ditadura em dezembro de 1972, também esteve na audiência e disse ter sido torturada pessoalmente pelo delegado. Amélia foi presa junto com o marido e Carlos Nicolau Danielli, companheiro de militância. Ela contou que os filhos do casal, à época com 4 e 5 anos, também foram levados ao DOI-Codi e presenciaram a mãe já machucada pelos métodos violentos aplicados no interrogatório. ;Eles queriam saber porque eu estava azul. Quando olhei para o meu corpo, vi que estava toda roxa;, relatou.

[SAIBAMAIS]Em um dos momentos em que ela esteve com Aparecido Calandra, o delegado lhe mostrou um recorte de jornal com a manchete de que um terrorista havia sido morto em tiroteio. ;Era uma versão mentirosa. Danielli foi morto naquela sala;, declarou. Amélia contou que foi ameaçada de que o mesmo poderia ocorrer com ela, pois eles dariam as versões que quisessem para as mortes. ;Ele ficou ali se gabando de ser autor daquela farsa. Ameaçando que eu poderia ter manchete como essa;, apontou ela. A morte de Danielli é uma das acusações que pesam sobre o capitão.

Além de Darci e Amélia, também prestaram depoimentos, os ex-presos políticos Gilberto Natalini (atualmente vereador de São Paulo), o jornalista Sérgio Gomes, o deputado federal Nilmário Miranda, o deputado estadual Adriano Diogo e o físico Arthur Scavone. Eles detalharam as situações em que estiveram com o capitão Ubirajara no período da prisão.

O advogado José Carlos Dias, membro da Comissão da Verdade, considerou o depoimento uma ;desfaçatez;. ;Os vizinhos ouviam os gritos e ele, que trabalhava lá, não ouvia um grito? É uma desfaçatez. Mas nós cumprimos o nosso dever de perguntar;, avaliou. Pedro Dallari fez avaliação parecida ao dizer que o depoimento foi pouco ;crível;. ;É ruim por um lado, mas as provas que a comissão possui contra ele são muito robustas;, disse. ;Os fatos indicam claramente que o delegado praticou tortura;, completou.

Ele informou ainda que a comissão já recolheu grande número de depoimentos que farão parte do relatório final. ;Todos os depoimentos que considerarmos importantes para a elucidação dos fatos, nós colheremos, mas temos um problema de tempo;, reforçou. Pedro Dallari espera que haja prorrogação, até o final do ano, do prazo para conclusão dos trabalhos, que se encerrariam em maio.

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