Politica

Sem financiamento empresarial, eleições vão ocorrer em terreno incerto

Qual o reflexo disso nas campanhas? Especialistas ouvidos pelo Correio apostam que as novas regras podem turbinar ainda mais o famigerado caixa dois

postado em 10/01/2016 08:00
Com a proibição de financiamento empresarial e a fixação de limites de gasto nas campanhas eleitorais, as eleições municipais de 2016 vão ocorrer num terreno incerto. Em tese, os políticos utilizarão apenas os recursos do Fundo Partidário e aqueles provenientes de pessoas físicas. Na calculadora dos candidatos, a conta não fecha. A redução das cifras é incompatível com a cultura de gastos milionários das propagandas políticas brasileiras. No pleito de 2012, por exemplo, prefeitos e vereadores gastaram pouco mais de R$ 3,5 bilhões. Neste ano, os 32 partidos terão R$ 867 milhões, provenientes do fundo, para investir. Legalmente, só há uma saída: redução de gastos e campanhas mais modestas. Mas os políticos estariam dispostos? Há quem aponte que as novas regras vão turbinar os recursos não contabilizados, o chamado caixa dois. Outros acreditam que o Brasil está dando o mais importante passo para cortar uma das principais raízes da corrupção: o financiamento privado.

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O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, gastou em valores atualizados, pouco mais de R$ 800 milhões nas eleições de 2012. Só no primeiro turno, foram quase R$ 400 milhões. No ano passado, a cota do Fundo Partidário destinada ao PT superou pouco mais de R$ 108 milhões, bem distante do total gasto há três anos. O PSDB recebeu, em 2015, R$ 89 milhões do fundo. Em 2012, gastou, apenas no primeiro turno das eleições, R$ 274 milhões em valores atualizados. O abismo é gigantesco.

O cientista político e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) acredita que os gastos das campanhas eleitorais não vão ser reduzidos. ;Para mim é claro que tende a aumentar os recursos não contabilizados, o chamado caixa dois;, afirma. A conta dele é simples. O Fundo Partidário não cobre nem 15% dos gastos totais de uma campanha. Some-se a isso o descrédito da população, o que acarreta a baixa doação de pessoas físicas. ;Mesmo o PT, que sempre foi historicamente o partido mais organizado em relação à militância, terá dificuldades de angariar doações dos seus militantes. O descrédito é muito grande;, atesta.

A aposta de cientistas políticos e magistrados ouvidos pelo Correio é de que o país viverá também o pleito mais judicializado da história da democracia brasileira por permitir que adversários, a qualquer sinal de gasto do opositor fora do padrão estabelecido, acione a Justiça Eleitoral.

Um marqueteiro ouvido reservadamente pelo Correio, com mais de 15 anos de serviços prestados a vários partidos brasileiros, foi categórico ao dizer que o dinheiro aparecerá de qualquer forma porque não há como se mudar do dia para a noite uma cultura de campanha política no país. Ele acredita que os marqueteiros podem até baratear o seu ;passe; diante do novo cenário, no entanto, há toda uma engrenagem por trás que não permite um custo muito baixo.

Questionado se as recentes operações, sobretudo a Lava-Jato, não funcionaria como um freio ético significativo para barrar o caixa dois, o professor Carlos Melo diz que é muito cedo para se mudar uma prática enraizada na política brasileira. ;Isso pode ocorrer se tivermos uma continuidade de investigações e punições ao longo dos anos. Não se faz isso com uma única amostra de uma eleição. Para se falar em mudança cultural, precisamos antes de um esforço cultural grande que só se consolida com o passar do tempo. É precoce dizer que uma operação já é suficiente pra mudar esta realidade;, opina.

Internet
O secretário de comunicação do PT e vice-presidente do partido, Alberto Cantalice, diz que a legenda já estuda mecanismos para se adequar à nova realidade. A primeira saída é turbinar a campanha na internet. ;É indiscutível que o peso das redes sociais na campanha de 2016 será bem maior. Vamos ser obrigados a fazer uma campanha menos pirotécnica, uma campanha mais de estúdio e diálogos. Voltar à campanha de rua, do corpo a corpo. Na eleição passada, tínhamos 54% do eleitorado brasileiro ligado à internet. Agora, já são 70%;, afirma.

O jurista José Paulo Cavalcanti Filho acredita que o caixa dois será fortalecido nas eleições deste ano. ;Alguém tem dúvida disso? Alguns já têm o dinheiro guardado. Já fizeram caixa. É ilusão achar que os candidatos não vão fazer uma campanha milionária. Na prática, não muda nada. Os orçamentos apresentados à Justiça Eleitoral sempre foram uma peça de ficção. Todo mundo sabe. Agora, tudo será diferente?;, questiona.

Pelas novas regras, os candidatos não podem mais receber doações diretamente. Os recursos terão que ser repassados aos partidos. As legendas se encarregam de estabelecer critérios para a distribuição dos recursos. A legislação só permite que pessoas físicas doem até 10% da renda bruta do ano anterior. Em julho, o Tribunal Superior Eleitoral vai definir o limite oficial de gastos. No primeiro turno da eleição de prefeito, foi convencionado que o teto será 70% do valor da campanha mais cara onde o pleito terminou no primeiro turno e 50% do gasto total onde houve segundo turno.

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