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Maior problema do país está na instabilidade política, diz economista

"É a política, estúpido": em adaptação da frase do marqueteiro de Bill Clinton, o diretor do Instituto de Ciência Política da UnB Paulo Du Pin Calmon resume o principal problema do país

Natália Lambert, Leonardo Cavalcanti
postado em 12/12/2016 06:28
Em 23 anos dedicados à atividade acadêmica e constantemente em contato com o olhar estrangeiro sobre o Brasil, o professor Paulo Du Pin Calmon afirma que, atualmente, o maior problema do país está na instabilidade política, muito mais do que na crise fiscal. E o cenário se agrava com o vazamento da delação de Claúdio Filho, ex-diretor da Odebrecht. ;É uma demonstração de que precisamos repensar o sistema político. O país não pode querer ser uma economia de primeiro mundo, com um sistema político de terceiro mundo;, diz.

Para o economista, diante do quadro internacional, com a eleição do bilionário Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, imbróglios em países asiáticos e o Brexit ; a saída do Reino Unido da União Europeia ;, investidores estrangeiros voltam a enxergar oportunidades no Brasil ;a despeito do desarranjo nas contas fiscais;.

Em entrevista ao Correio, o diretor e professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) destaca que um dos motivos da atual crise institucional é a falta de protagonismo do Legislativo, forçando assim, o Judiciário a assumir esse papel. ;Quem é que irá exercer o papel de mediador?;, questiona.


Qual o impacto que a delação da Odebretch pode ter nos rumos do país?
São denúncias envolvendo figuras importantes, seja no Executivo e Legislativo, que de certa forma, passam ainda por um processo de validação no Supremo e depois uma contestação por parte dos acusados. Há um processo bastante ruidoso. Isso acrescenta incerteza no clima político nacional, aumenta a insegurança intrínseca ao país na perspectiva do investidor estrangeiro. Aumenta o risco político e torna ainda mais confusa uma situação, no momento em que o Brasil está tentando sair de uma crise econômica bastante séria. É uma demonstração de que precisamos repensar o sistema político. O país não pode querer ser uma economia de primeiro mundo, com um sistema político de terceiro mundo.

Como chegamos nessa crise?
Primeiro, você tem que pensar que crise. Temos vários momentos complicados, conflitos e mudanças que estão acontecendo em instâncias diferentes. Obviamente, a gente vê um desequilíbrio considerável ocorrendo no Executivo e no Legislativo, que culminou no impeachment da Dilma (Rousseff).Depois, uma série de conflitos que estão acontecendo com o Judiciário e outros níveis. É uma série de conflitos e disputas mais de caráter político do que, propriamente, de caráter institucional.

Como a atual briga entre Legislativo e Judiciário.
Ela reflete um conflito entre atores políticos, e não institucionais. O Judiciário, em um processo que se prolonga por um largo período de tempo, vem, gradativamente, ocupando um espaço importante nas discussões políticas. Deixa de ser um grupo de experts em assuntos constitucionais, uma Corte institucional que visa, pura e simplesmente, tirar as dúvidas de questões de natureza mais estruturante e constitucional e passa a influenciar no dia a dia.

Tem como restabelecer esse equilíbrio?
De vez em quando, o Executivo tem que legislar, o Legislativo tem que julgar... Essas sobreposições são dinâmicas, têm que acontecer, mas existe esse sistema de pesos e contrapesos e uma divisão funcional entre elas. Há demanda em relação ao Estado brasileiro por políticas públicas que tenham um caráter distributivo, que envolvam a redistribuição de recursos em que você tem ganhadores e perdedores ou custos concentrados e benefícios dispersos ou custos dispersos e benefícios concentrados. Esse debate está esvaziado no Congresso.

Isso está relacionado à baixa qualidade dessa legislatura específica ou o problema é de ordem estrutural?
É um problema estrutural. Está relacionado basicamente a forma como o Legislativo se estrutura e funciona e, ao mesmo tempo, a autoridade e poder que ele tem. Em segundo lugar, em grande medida também, ao sistema eleitoral, a maneira como ele funciona.

E tem como sair disso? A solução seria a reforma política?
Passa por uma transformação dessas regras, dessas instituições, que a gente pode chamar de reforma política, que envolve não apenas a questão eleitoral, mas todo funcionamento do sistema representativo eleitoral. O problema é que as tentativas de reforma que a gente está vendo são como botar a raposa para fazer planejamento estratégico do galinheiro. Você coloca políticos que já foram recrutados e operam dentro desse contexto e, portanto, são bem-sucedidos. A discussão do teto é mais uma camada que tenta resolver as dificuldades do sistema político de apresentar um comportamento do ponto de vista da alocação de recursos que seja conveniente, sustentável, que vá conter os anseios da população, que é a mesma história que a gente viu na Lei de Responsabilidade Fiscal.

O que esperar da PEC?
Ela é uma resposta para a crise fiscal. Pode ser uma coisa relativamente nova no contexto federal brasileiro, mas é um fenômeno bem conhecido da gente que acompanha o cenário internacional de crises fiscais. O que você tem no Brasil é mais ou menos a configuração: receitas e despesas não batem, fundamentalmente porque o país sofre uma recessão e as receitas despencam. É o quadro clássico. No caso brasileiro, o corte de despesas está sendo preconizado, é a mudança do teto. O que não houve ; e isso é típico do sistema político brasileiro ; foi uma reflexão, um debate mais amplo sobre a forma de se fazer isso. O objetivo do ajuste fiscal é inquestionável, a pergunta é se essa é a melhor receita.

Do jeito que está, o projeto pode ser uma boa?
Tenho muitas dúvidas, porque o teto corre o risco de ser como da Lei da Responsabilidade Fiscal. Ela foi vendida como uma panacéia, como uma solução definitiva para os nossos problemas de corrupção e déficit. E o que aconteceu com a lei? Foi adaptada, modificada, transformada com um jeitinho aqui, um jeitinho acolá. Mesma coisa em relação à Previdência. Precisamos de um ajuste previdenciário. A dúvida é a proposta que está sendo apresentada. Essa é a melhor maneira? E é neste ponto que o Congresso deve entrar e ter uma discussão com a sociedade.

Com aquele papel mediador que o senhor estava falando?
Sim, com aquele papel mediador, além de ouvir a sociedade, debater democraticamente, que é o que acontece em uma democracia contemporânea. O Congresso certamente faz isso de maneira incompleta. Quando os debates são curtos, isso não é bom. E vão acabar surgindo questões, envolvendo o Supremo, e ele terá que mediar. E voltamos a dinâmica do surgimento desses políticos de toga.

Dá para ter otimismo?
Não quero parecer Poliana, mas acredito que haja alguns elementos de otimismo. Estão postas ali duas agendas, uma é a agenda do mercado. É preciso recuperar a confiança do investidor, precisamos dar sustentabilidade ao Estado. E tem uma forte pressão social que, atualmente, é composta por um mosaico de movimentos distintos que vieram às ruas e gostaram de estar nas ruas ; gostam de se manifestar, de participar. E, na minha opinião, eles conseguiram combinar as duas coisas: vão às ruas porque sabem que um país melhor será benéfico para eles, mas também sentem prazer.

Isso o senhor fala dos movimentos que pediram a saída da Dilma. Há grupos distintos. Dá para fazer essa mesma análise?
Pode haver uma co-beligerância, mas não uma aliança. Por exemplo, alguns temas que estão sendo postos podem gerar uma co-beligerância entre eles, como a Reforma de Previdência. A agenda da sociedade está ficando forte gradativamente. Há uma demanda de transformação política, e antes de tudo, reflete um certo esgotamento, descrença e falta de credibilidade generalizada em relação ao sistema político.

[SAIBAMAIS]Isso se resolve em 2018?
É um grande ponto de interrogação. Não temos clareza de como serão essas eleições, no sentido de quem serão os candidatos que vão se apresentar. Lembrando que saímos de uma eleição que não resolveu o conflito político, a eleição entre Dilma e Aécio (Neves). A Dilma ganhou, mas não resolveu e isso pode se repetir em 2018.

E, se considerarmos uma polarização de candidaturas, a tendência é de repetição.
E, nesse ponto está a demanda para a reforma política. Não é que a sociedade não reconheça a importância do ajuste fiscal, previdenciário, enfim, das coisas que estão impostas. Mas, na universidade, temos a oportunidade de conversar com outros países, embaixadas e investidores, e isso é a preocupação deles em relação ao Brasil. Mais até do que a inviabilidade econômica. As crises econômicas no Brasil tradicionais eram consequência de uma crise no setor externo.Dessa vez, o setor externo está relativamente arrumado. Temos uma reserva de US$ 370 bilhões, estamos fazendo superávit novamente. Porém, o cenário internacional com a eleição do Trump (Donald) nos Estados Unidos, com a saída do Reino Unido da União Europeia e esses imbróglios que estamos vendo na Ásia, o investidor internacional não tem muita alternativa. Aí, ele olha para o Brasil, e a despeito do desarranjo nas contas fiscais, continuam a investir no Brasil. Eles estão mais preocupados com o risco político do que com o retorno econômico do seu investimento.

Na verdade, uma subversão da máxima "É a economia, estúpido"
É. Agora ;é a política, estúpido;. O risco político no Brasil está muito alto e está se tornando crônico. A reforma política talvez seja a melhor reforma macroeconômica para trazer o retorno do crescimento e da estabilidade a médio e longo prazo.

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