Politica

Especialistas questionam termos dos acordos de colaboração premiada

Profissionais criticam a legislação, que teria lacunas, seria defeituosa, e reclamam de precipitação nos acordos

Luís Cláudio Cicci - Especial para o Correio
postado em 23/06/2017 06:00

Janot, procurador-geral da República: homologação das delações em debate dentro e fora do Supremo

O julgamento do caso JBS no Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um debate sobre a delação premiada, conforme previsto na Lei 12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Na avaliação de especialistas, a forma como acusadores e defensores lidam com a norma, sancionada em 2013, portanto há menos de quatro anos, merece adjetivos como precipitada e imatura.



[SAIBAMAIS]O tema ainda é visto com reservas. De oito pedidos de consultas da reportagem, apenas três renderam respostas positivas, uma delas sob a condição de anonimato. Em geral, as negativas usam como justificativa vínculos com clientes que podem receber ou já receberam oferta de acordo de delação premiada e mesmo o fato de o julgamento estar em andamento. Contudo, os profissionais que falam, criticam a legislação, que teria lacunas, seria defeituosa, e reclamam de precipitação nos acordos.

;O MP fez o acordo (com a JBS) da forma como não deveria. Isso teria que ficar para o momento das alegações finais porque só o juiz pode reconhecer o valor das provas;, diz o secretário-geral adjunto da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Distrito Federal, Cléber Lopes. ;Não há razões para se firmar um acordo tão no início da investigação, tão longe do momento final do processo, as provas que o sujeito trouxe para o processo só podem ser consideradas no momento da sentença.;

A preocupação com a correção do processo de julgamento da JBS e com o risco de ameaças ao andamento da Operação Lava-Jato e, por consequência, ao combate à corrupção no Brasil remetem ao artigo décimo, parágrafo quarto da Lei 12.850. Essa parte do texto prevê que as partes que firmaram o acordo de delação premiada podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Estaria aí a garantia para a tal segurança jurídica.

Os sucessivos escândalos na política brasileira estimularam um tradicional escritório de advocacia de São Paulo a formar equipe com especialistas em direito penal. Ricardo Caiado, que integra a equipe da Campos Mello Advogados, está entre aqueles que manifestam preocupação com os cumprimentos dos ritos legais ; até para não inviabilizar todo um processo, que custa trabalho e toma tempo. ;A aplicação prática da delação premiada no Brasil é recente, então Ministério Público e defesa estão se iniciando no uso desse meio de prova, uma fase de amadurecimento para todos os atores;, avalia.

A inexperiência com a novidade do instituto jurídico tem consequências práticas. ;O que se percebe, por parte da defesa e não é de hoje, é o receio de abusos, por exemplo, prisão preventiva para forçar uma colaboração;, comenta um advogado de Curitiba que pede o anonimato porque tem, entre os seus clientes, políticos e executivos na iminência de firmarem acordos de delação premiada. Esse profissional defende que os acordos de colaboração com a Justiça feitos pelo Ministério Público passem necessariamente por crivo. ;O delator não pode ficar à mercê da Procuradoria-Geral da República, é preciso uma filtragem conforme a Constituição;, argumenta.

O caso em questão, que resultou num compromisso que garante impunidade aos executivos da empresa JBS, é um bom subsídio para críticas. ;Houve uma reação negativa entre a população e na imprensa em virtude da quantidade de benefícios que se concedeu a quem cometeu tantos crimes;, critica o advogado de Curitiba sobre aquela que ficou conhecida como ;delação superpremiada;. ;Certamente, de agora em diante o Ministério Público se tornará mais restritivo ou, daqui a pouco, ninguém mais será punido, só uns três ou quatro criminosos;, diz o defensor.

Para Cleber Lopes, da OAB/DF, a suposta distorção na concessão do benefício ao colaborador da Justiça tem a ver com uma inversão nas etapas do processo. ;A extensão do acordo depende da valoração das provas, o que só é possível avaliar no final do processo, na sentença, porque o tamanho do benefício deve ser proporcional ao valor das provas;, explica Cléber Lopes, que cita uma diferença fundamental entre os sistemas jurídicos norte-americano e brasileiro. ;No nosso país ainda prevalece o sistema processual em que o juiz é detentor privativo da prestação judiciária, da aplicação da lei, ou seja, é o juiz que diz o direito: o promotor acusa, o juiz decide.;

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação