Politica

Dossiê sobre abandono do SUS aponta redução de leitos e falta de remédios

Além disso, Sistema Único de Saúde (SUS) sofre com má administração, segundo relatório do Conselho Federal de Medicina (CFM)

Aline Brito*, Luís Cláudio Cicci - Especial para o Correio
postado em 25/07/2017 06:00
No SUS, faltam insumos básicos e até consultórios: drama da população

Na última semana, o Conselho Federal de Medicina (CFM) entregou ao Ministério da Saúde um dossiê com 15 mil páginas para denunciar o abandono do Sistema Único de Saúde. O levantamento foi feito durante dois anos e meio ; a partir de janeiro de 2015 ; em 2.936 ambulatórios e postos de saúde. O resultado confirma problemas que pacientes e profissionais da saúde enfrentam há décadas: redução do número de leitos, sucateamento, falta de medicamentos, subfinanciamento, má administração.

O dossiê traz à luz carências elementares, ausência de recursos que impedem o atendimento de necessidades básicas. Faltam seringas, agulhas, toalhas de papel, sabonete, estetoscópio, termômetros e, inclusive, consultórios, ou seja, há postos de saúde que funcionam sem um cômodo reservado para consultas. ;No Brasil, para a população ter acesso ao serviço, precisa fazer peregrinação;, diz a professora Helena Shimizu, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB).
A atendente técnica Zuleide Santana, de 44 anos, está há mais de uma semana com o pé quebrado, resultado de um escorregão num tapete. No Hospital Regional do Gama, foi confirmada a necessidade de cirurgia, mas não havia uma data definida nem lugar para ficar acomodada. ;Como não tinha previsão, saí por conta própria, sem o médico dar alta;, conta.

Gráfico com dados do SUS

Zuleide voltou ontem ao hospital. ;Fiz todo o procedimento de entrada de novo e estou aguardando para fazer cirurgia. A explicação que ouvi dos médicos é que falta material para a cirurgia e que os anestesistas estão de atestado ou de licença-maternidade;, comenta. ;Aqui, no setor de ortopedia, tem mais ou menos umas 100 pessoas, contando com os internados e os acompanhantes, e são só dois vasos sanitários funcionando, um chuveiro quente e dois frios.;


Dramas

Nos cubículos vizinhos ao que estava Zuleide, os dramas eram semelhantes. ;O rapaz aqui ao lado do meu leito aguarda há 13 dias pela cirurgia, e hoje um paciente, que esperou 25 dias, foi levado para a sala de cirurgia;, relata a atendente técnica. ;Tem muita gente que está em macas pelo corredor e tem os que estão em medicação, sentados em cadeiras, esperando surgir uma maca para ir para o corredor e do corredor esperar uma vaga em leito.;

A situação caótica da saúde pública no país tende a continuar mesmo com os recentes aumentos de impostos. A maior destinação de recursos para o setor é reivindicação presente em propostas que tramitam sem prazo de aprovação no Congresso Nacional. Com isso, o futuro se mostra nebuloso.

;É possível prever a volta de muitas doenças;, anuncia a professora Helena Shimizu. O pessimismo tem fundamentação objetiva: falta de investimentos em cobertura vacinal e para a atuação da vigilância sanitária. ;Há alguns meses, tive de percorrer cinco postos de saúde para conseguir proteção contra a febre amarela;, conta a especialista em saúde coletiva. A intenção era buscar a imunização para si própria e para o filho, um garoto de 11 anos, preocupação que tem a ver com Brasília ser área de ocorrência endêmica da doença.

A aprovação da Lei do Teto dos Gastos Públicos sustenta mais previsões ruins. ;Dá para esperar mais sofrimento, mais desgaste;, opina Ronald Santos, o presidente do Conselho Nacional da Saúde, órgão do Ministério da Saúde cuja função é dar diretrizes para o SUS. ;A demanda vai aumentar, porque a população vai crescer e ficar proporcionalmente mais velha, e a disponibilidade de recursos, diminuir.;

Na opinião dele, traria alento a tributação, com vinculação de destinação dos recursos, de grandes fortunas e dos produtos danosos à saúde, como álcool, cigarro e alimentos ultraprocessados.

O episódio da liberação de emendas para atender interesses de deputados antes da votação que dificultou a tramitação de denúncia por corrupção contra o presidente Michel Temer serve como prova da falta de vontade política para financiamento da saúde pública no Brasil. ;O recurso existe, sim, em algum lugar, dá para para ver nas emendas parlamentares;, comenta o 1; secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM), Hermann Tiesenhausen. ;É preciso, além do aperfeiçoamento da gestão, fechar o ralo dos desvios. O governo não faz o dever de casa no Ministério da Saúde nem na Presidência da República.;

Além disso, Sistema Único de Saúde (SUS) sofre com má administração, segundo relatório do Conselho Federal de Medicina (CFM)

Ministério

O Ministério da Saúde, por meio da sua assessoria de imprensa, argumenta que adota gestão austera para o melhor planejamento do gasto público e a expansão dos serviços à população. A pasta ressalta que a União concentra o maior percentual do total de recursos investidos em saúde.

De acordo com o ministério, em 2016, 43% do investimento em saúde foram recursos federais. Somando as três esferas de governo, o gasto público em ações e serviços públicos na área perfazem um total de R$ 248 bilhões, conforme o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops). Por fim, cita a previsão de investimento de R$ 1,96 bilhão em 2017 em vigilância sanitária e a liberação de R$ 15 milhões para obras de adaptação de pontos de atendimento.

*Estagiária sob a supervisão de Leonardo Cavalcanti.

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