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137 anos após primeira reforma eleitoral, sistema político pouco mudou

Há 137 anos, o Brasil realizava a primeira reforma eleitoral e, desde então, o que se tem visto são ajustes pontuais no sistema político

Natália Lambert
postado em 10/01/2018 08:32
Gilmar avalia que o Judiciário também contribuiu de maneira
O país celebrou ontem os 137 anos da primeira reforma eleitoral. Relatada pelo então deputado Ruy Barbosa, a chamada Lei Saraiva instituiu, em 1881, o voto direto no Brasil, criou o título de eleitor, mas excluiu os analfabetos do processo ; maioria da população na época. E, desde então, como um cubo mágico, o país tenta ajustar o sistema político-eleitoral: conserta de um lado e atrapalha do outro.

Em um tempo em que só podiam votar aqueles que provassem que tinham a capacidade de produzir uma quantidade determinada de farinha de mandioca ; plantações essenciais para sustentar os escravos ;, uma das principais críticas da população era a falta de participação direta no processo eleitoral. Entre 1821 e 1881, 11 leis tentaram ajustar o sistema. Em alguns momentos, existiram quatro níveis de votos, reduzidos, posteriormente, para dois. Os votantes elegiam os representantes locais (vereadores) e os eleitores, que tinham o direito de eleger os deputados da província, os do Império e os senadores.


;A intenção de Ruy Barbosa era democrática. Ele queria abolir a distinção dos dois níveis e definir o voto universal. Havia uma pressão muito grande. A inflação era alta e acabou fazendo com que mais pessoas chegassem à renda mínima para votar. Então, na hora de definir quem podia ou não, saber ler acabou sendo uma forma de controlar;, conta Luiz Fernando Saraiva, doutor em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Em Minas Gerais, por exemplo, existiam 167 mil votantes e 3 mil eleitores antes da Lei Saraiva. Em 1882, nas primeiras eleições pós-lei, o número de eleitores passou para 30 mil.

;Aumentou a participação dos eleitores, mas excluiu uma parcela muito grande da população. Pior, o acesso à educação passou a ser usado como forma de exclusão eleitoral. A lei acabou reforçando o coronelismo;, afirma Saraiva. O professor explica que uma das intenções era formar cidadãos ativos e combativos, massificar a educação pública, mas a realidade acabou sendo muito mais complexa. ;É semelhante ao que acontece hoje. Claro que tivemos avanços. Apesar das boas intenções, os sistemas vêm com normas embutidas que acabam favorecendo os grupos dominantes;, acrescenta.

Na opinião do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, a Lei Saraiva foi um marco importante na história eleitoral do Brasil. Ele destaca que, de lá para cá, foram muitos os avanços em termos de democracia. ;Precisamos considerar que tivemos dois períodos de interrupção democrática, de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985. Pagamos um preço alto por isso e temos sequelas graves que estão sendo corrigidas. É um processo lento e difícil, de amadurecimento mesmo;, comenta.

Para Mendes, o Judiciário também contribuiu de maneira ;infeliz; para a história eleitoral do Brasil, ao derrubar a cláusula de barreira, em 2006, e o financiamento empresarial das campanhas eleitorais em 2015, por exemplo. ;O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a lei aprovada pelo Congresso e contribuiu para a multiplicação de partidos e para todo esse artificialismo e distorção. O nosso aprendizado é que devemos tomar decisões moderadas nas intervenções judiciais. As coisas precisam ser discutidas, mas com cautela;, afirma. O magistrado cita números das eleições municipais de 2016 para justificar o erro sobre o financiamento empresarial: foram 730 mil doadores e mais de 300 mil não tinham capacidade financeira para isso, ficando clara a prática do caixa dois.

O professor de direito eleitoral da FGV-Rio de Janeiro Michael Mohallem concorda com a avaliação do ministro sobre as intervenções do Judiciário e acrescenta ainda a decisão dos magistrados sobre a fidelidade partidária, dando aos parlamentares a possibilidade de trocar de partido sem perder o mandato, desde que seja para uma nova sigla. ;Isso abriu mais uma brecha para a fragmentação partidária. Hoje, é mais fácil criar um partido, que precisa de 500 mil assinaturas, do que emplacar um projeto de iniciativa popular no Congresso, que precisa de 2 milhões;, compara.

Dificuldade

Relator da mais nova reforma eleitoral, aprovada às pressas no ano passado para valer em 2018, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) não esconde a frustração a respeito do resultado final do texto. Para ele, o sistema eleitoral brasileiro ainda precisa melhorar em 80%. ;A estrutura cria uma disputa desigual. Se não mudar o sistema de votação, o Brasil continuará a ter a campanha mais cara do planeta. Tudo continuará sendo caro e excludente. É o sistema mais bagunçado do mundo;, critica.

Cândido relata que um dos principais problemas das reformas políticas do Brasil é que são feitas por quem pode tirar vantagens delas. Ele se dedicou ao projeto mais de um ano. Apresentou em abril um relatório com mudanças significativas, inclusive, adotando o sistema distrital misto (voto no candidato e no partido). ;O avanço foi insignificante, muito aquém do que deveria. Sofri pressão de dirigentes de todos os lados. A prioridade ali era aumentar a estrutura partidária e dar a ela e liberdade para gastar dinheiro como quisesse. Infelizmente, não consegui vencer essa briga;, lamenta.

Há 137 anos, o Brasil realizava a primeira reforma eleitoral e, desde então, o que se tem visto são ajustes pontuais no sistema político

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