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Reinventar o casamento ou recomeçar

postado em 25/06/2010 17:55

Depoimento da repórter Rayanne Portugal - Especial para o Correio

A primeira vez em que vi Lara*, ela estava de saída. Tinha em encontro de amigos para ir naquele sábado à noite. Estávamos na casa dela, eu e alguns colegas, comemorando o retorno Gustavo*, filho de Lara, que passara vários meses trabalhando fora do país. A impressão que tive foi de encontrar uma mulher segura e bem resolvida, mesmo naquela passagem rápida e única. Bonita e bem vestida, longos cabelos louros, senhora magra com seus olhos azuis de menina do sul.

Mais de um ano depois, enquanto conversava sobre a procura de personagens para a matéria "Sem medo de recomeçar", da Revista do Correio, eis que Gustavo me dá a dica: "Minha mãe completa 60 anos este ano". E foi em meu segundo encontro com Lara que pude confirmar a primeira impressão. Ela realmente demonstrava ser uma mulher de força. Com aquela voz grave e direta, me contou sobre as desconfianças que tinha do marido, da humilhação que sentiu ao descobrir a amante do companheiro e da decepção ao ver que os filhos não respeitam o pai como antes. Lara também falou das sessões com psicólogo e da fé, que segundo ela, a motivou e mostrou que a vida não acabaria com o fim do casamento.

Foi um encontro inspirador. Também sou filha de um lar dividido pelo fim da afinidade entre meus pais. Assim como Gustavo tive que reaprender várias coisas. Somos dois entre os vários jovens de vinte e poucos anos que têm de lidar com a separação tardia e o drama de adultos que não sabem mais lidar com a vida casada. Lara comentou uma coisa que acho que é verdade: "Talvez se meus filhos ainda fossem crianças, seria mais fácil. Adultos, eles têm total consciência do que aconteceu, dos erros do pai, e não há formas de diminuir o impacto que isso venha ter sobre a vida deles". Ouvir essas coisas me fez pensar: é, não sou a única.

Conversando com o psicoterapeuta Carlos Frederico Coelho, vi como os pais da nossa geração realmente ainda não sabem "lidar com o casamento". Enquanto nossos avós casavam para constituir família, nossos pais casaram para tentar amenizar essa realidade, em que pouco se vivia por si próprio, e mais se vivia em nome das responsabilidades da família. Nossos pais tentaram, mas como apontou o terapeuta, ainda erram por acreditar em casamentos idealizados ou que o diálogo não é relevante.

Reinventar, tentar, conversar, respeitar. Ouvir. O casamento que dura anos sem desgaste não existe. Mas há aqueles em que os dois estão dispostos a mudar pelo outro e por si - já que viver em função do outro também não dá certo. Vivi isso na prática. Acho que meus pais viviam tanto um pelo outro que se mostraram pouco disponíveis para saber o que o outro realmente queria. Diálogo. Talvez ele tivesse sido o segredo para que os casamentos de Vany* (outra personagem da matéria) e de Lara tivessem tido finais menos dramáticos. Assim os filhos também não teriam que se sentir responsáveis pelos pais, que muitas vezes ficam debilitados, deprimidos, perdidos - assim como nós, inclusive.

Mas sou otimista. Acho que o especialista tirou uma frase da minha boca ao dizer que, se os divórcios estão aumentando em números, aumenta também a capacidade das pessoas de dizer não ao sofrimento. Seja aos 20 ou aos 60 anos, os divorciados querem recomeçar. Foi bom ver nessas histórias que há pessoas que acreditaram ser possível viver melhor. Ver que, mesmo os filhos que sofreram as separações, estes também acreditaram que o divórcio viria para o bem de toda família. Afinal, essa sim, nunca acaba.

*Nomes fictícios

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