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Cardápio que parece ficção

Seu café da manhã é um cereal líquido e seu almoço é arroz com feijão acrescidos de legumes em pó? Refeições estranhas, com gostos esquisitos, mas reais. Saiba qual o impacto de recentes lançamentos da indústria nos hábitos à mesa

postado em 02/07/2010 16:11

Seu café da manhã é um cereal líquido e seu almoço é arroz com feijão acrescidos de legumes em pó? Refeições estranhas, com gostos esquisitos, mas reais. Saiba qual o impacto de recentes lançamentos da indústria nos hábitos à mesaA maneira como as pessoas se relacionam com comida está mudando. Ou come-se demais ou come-se de menos. Ouvimos informações sobre o crescimento do número de obesos na mesma proporção em que campanhas contra a anorexia são lançadas. A moda das celebridades de Hollywood, por exemplo, é se alimentar à base de sopa de neném industrializada, no café da manhã, no almoço e no jantar. Já os atletas se entopem de líquidos ricos em nutrientes, mas com gosto artificial.

Texturas, sabores, consistências e composições diferentes agora fazem parte de um cardápio, à primeira vista, pra lá de estranho, feito de itens como ração humana, refrigerantes com vitaminas, legumes em pó, cereais líquidos e até bebidas que embelezam. ;É uma exigência da vida moderna nesses últimos anos;, argumenta José Mauro de Moraes, diretor de assuntos regulatórios da Coca-Cola Brasil.

Seja com o apelo de emagrecimento ou de complemento nutricional, o fato é que os produtos, apesar de caros, vendem, e a praticidade é um fator inegável para o sucesso comercial. Afinal, em qualquer lugar é possível preparar um shake, consumir uma sopa pronta ou misturar a ração com a comida. Também é incontestável que alguns desses produtos, devido à adição de fibras, dão a sensação de saciedade, eliminando aquela vontade incontrolável de comer entre as refeições e auxiliando no processo de perda de peso. Mas até que ponto eles são saudáveis?

Os nutricionistas são unânimes: muitos produtos podem ser usados sem problemas, e alguns até com vantagens, mas apenas como complementação de uma dieta equilibrada e de hábitos saudáveis. Não se deve trocar refeições completas pelos chamados substitutos. O uso indiscriminado é condenado, até porque o excesso de nutrientes no organismo pode causar tantos problemas como a falta deles.

Independentemente da discussão sobre as propriedades nutricionais e os efeitos no organismo, os lançamentos da indústria alimentícia têm um impacto nos hábitos alimentares e nos levam a pensar como serão as refeições no futuro: estaria próximo o dia em que um simples comprimido conterá os mesmos nutrientes que um prato quentinho de arroz, feijão, legumes cozidos no vapor e carne macia? Ou que uma pequena pílula será o suficiente para te deixar saciado, sem fome, saudável e magro?

Especialistas sustentam que a tal cápsula de comida, no entanto, ainda é um sonho ; ou pesadelo, dependendo do ponto de vista ; distante. O segredo para se beneficiar dos alimentos que mais parecem comida de astronauta sem arriscar a saúde baseia-se na reeducação alimentar, o único modelo eficaz para perder peso gradativamente e suprir o organismo dos nutrientes necessários. O resto é conversa.

Para começar, entenda a diferença

Existem três tipos de fontes de nutrientes industrializados no mercado. Cada um serve para um propósito. Fique atento às embalagens.

  • Suplemento: serve para reforçar uma alimentação com alguma deficiência nutricional. Na maioria dos casos, é usado quando existe uma necessidade bem maior de nutrientes do que se aquela que se consegue suprir por meio da ingestão de comida. Exemplos: barras de proteína ou gel.
  • Complemento: é o alimento rico em determinados nutrientes para melhorar as refeições. É o recurso mais apoiado pelos nutricionistas, pois permite que os consumidores mantenham o hábito de mastigação e percepção de gosto dos alimentos naturais. Exemplo: ração humana.
  • Substitutos de refeições: são alimentos prontos para substituir refeições -- os menos recomendados por nutricionistas. Exemplo: shakes e sopas prontas.

O que é, o que é?

No supermercado nem sempre vemos os tais complementos, suplementos e substituidores de refeições nas prateleiras. Mas pode ter certeza eles estão lá e em mais lugares do que se pode imaginar. Às vezes, compramos os produtos e nem sabemos o que realmente são. Por isso, fique de olho nos rótulos. Confira alguns exemplos:

  • Legumes em pó: a ideia, aparentemente, é boa. Assim, a pessoa teria os benefícios dos legumes, sem ter que sentir o gosto que, para elas, é desagradável. O problema é que, no processo de fabricação, eles perdem alguns nutrientes e, portanto, a função principal é prejudicada.
  • Aliméticos: são os alimentos que funcionam como cosméticos, últimos lançamentos da indústria. Eles podem aparecer como bebidas, pães e balas, que prometem promover um equilíbrio no corpo para que as pessoas fiquem mais saudáveis e, consequentemente, mais bonitas. Alguns adicionam, por exemplo, colágeno, essencial para a firmeza da pele.
  • Ração humana: nada mais é que a mistura industrializada de grãos. Os nutricionistas prescrevem esses grãos há décadas, mas há seis meses eles começaram a ser comercializados por empresas grandes num mesmo pacote. A vantagem é que podem ser misturados conforme a necessidade individual de cada um.
  • Shakes: são os mais comuns e antigos substituidores de refeição. Eles vêm em sabores diferentes e têm funções diferentes. Os vendidos em supermercados servem para compor a dieta de quem quer emagrecer e os encontrados nas lojas de suplementos são para auxiliar o ganho de massa muscular.
  • Sopa em pó: são as instantâneas, encontradas em diversas marcas, mas todas com sabores duvidosos. Além de não darem muita sensação de saciedade, elas contêm muito sódio.
  • Refrigerante com vitaminas: produtos que sempre foram considerados ;calorias vazias;, ou seja, que engordam e não contribuem ; e muitas vezes atrapalham ; ao funcionamento do organismo. Os recém-lançados refrigerantes com vitaminas e minerais pretendem acabar com essa fama, mas os especialistas são céticos. Mesmo com a adição de nutrientes, outros fatores, como o excesso de sódio, os distanciam de um rótulo que possa ser considerado saudável.

Opa, cuidado!

Enquanto os fabricantes estão otimistas quanto a nova tendência da indústria, os nutricionistas são cautelosos. ;Esses alimentos suplementares não têm todos os nutrientes de que nosso corpo precisa para ser saudável;, explica a professora de nutrição da Universidade Católica de Brasília Fabiani Beal. Não há dúvida de que eles podem ser bons aliados da dieta, mas não são ricos em substâncias essenciais o suficiente para se equivaler a um bom prato de comida fresca.

Deve-se tomar cuidado, principalmente, com os produtos que prometem substituir refeições inteiras. Pois, apesar de conterem macronutrientes ; proteína, carboidratos e lipídios ;, eles têm outras carências nutricionais. Os shakes e sopas, por exemplo, não suprem a necessidade dos micronutrientes ; vitaminas e minerais.

Por isso, não funcionam sozinhos dentro de um cardápio saudável. Os nutricionistas sugerem que sejam usados apenas para complementar uma dieta diária já balanceada. ;Alguns desses produtos até podem ser nutricionalmente equilibrados, mas acredito que o uso deva ser restrito a casos especiais, onde se pretenda uma suplementação ou complementação nutricional;, avalia a professora de nutrição da Universidade de São Paulo Mônica Jorge.

A recomendação é a mesma para os complementos e suplementos. Alguns deles têm como base alimentos ricos em nutrientes, mas para serem industrializados eles passaram por transformações químicas. Principalmente os legumes em pó e os vegetais ressecados. No processo, se perdem fibras, vitaminas hidrossolúveis, como o complexo B e a vitamina C. Esta é uma das razões mais importantes para não usar exclusivamente esse tipo de alimento em nossa dieta: eles não conseguem fornecer todos os nutrientes que uma comida natural oferece.

O ideal é que esses produtos sejam prescritos para lanches da tarde ou como complemento de alguma refeição em vez de serem usados como almoço ou jantar. Além disso, o uso não é indicado para todos os casos. É preciso avaliar qual é o objetivo da dieta: emagrecimento, ganho de massa muscular ou até para um melhor controle de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes. Por isso, recomenda-se que sejam usados apenas com orientações médicas.

Cuidado com os rótulos

A professora de nutrição da Universidade de São Paulo Mônica Jorge é categórica: ;Todo mundo deve tomar cuidado com suplementos, complementos e substituidores;. Por isso, é imprescindível consultar um nutricionista para escolher qual o tipo que melhor se adapta à rotina e à dieta. Algumas orientações, entretanto, são para consumo geral.

  • Nenhuma criança deve consumir esses produtos.
  • Adultos devem ter uma rotatividade quanto as marcas. O ideal é variar a composição de conservantes para que o organismo não tenha sobrecargas.
  • Pessoas com doenças crônicas devem tomar cuidado com os nutrientes, consultando a tabela nutricional. Diabéticos devem comprar as versões sem açúcares, os hipertensos precisam ficar atento ao sódio e as versões com guaraná e os celíacos têm que optar por versões sem glúten.
  • Os alérgicos devem ficar atentos às especificações do produto para não ingerir um alimento prejudicial, pois essas fórmulas contêm muitas misturas.
  • Fique atento principalmente ao nível de sódio, pois o mineral altera o equilíbrio hídrico do organismo e pode aumentar a pressão arterial.


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