Revista

A ordem é descomplicar

Com 50 anos de carreira, a atriz Glória Menezes vive no teatro uma mulher intensa, livre de preconceitos. Na vida real, ela se define como uma pessoa sensível, sem preocupação com a idade e ainda apaixonada pela profissão

postado em 28/07/2010 20:48

Glória Menezes, em cenas da peça Ensina-me a ViverGlória Menezes, 75 anos, foge à regra de que às atrizes mais velhas restam apenas papéis sem grande destaque. A cada novo ano vencido em suas cinco décadas de carreira, mais complexas se tornam as personagens que interpreta. Dessa vez, sobre os palcos, o desafio é ser Maude, protagonista da peça Ensina-me a viver, de Collin Higgins, sob a direção de João Falcão, que apresenta neste domingo, dia 1; de agosto, da Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional, em Brasília.

A única semelhança de Maude com Glória é a idade: a personagem é uma mulher descompromissada e livre, que vive um romance com um rapaz de 19. ;A peça é uma soma de acertos. Foi tudo bem encaixado. Os atores, a direção, iluminação, a música. Tudo deu muito certo, o João foi felicíssimo na criação desse espetáculo. É muito difícil tudo dar tão certo em uma peça;, avalia a atriz. Em entrevista à Revista, Glória fala de trabalho, filhos, cirurgia plástica, moda, amor e muito mais.

Você sempre encara papéis muito emblemáticos na televisão e no teatro. E alguns tratam de temas que são tabus sociais, como a Maude, da peça Ensina-me a viver. Esses personagens te forçam a rever seus próprios conceitos?
A Maude é um personagem fascinante porque ela faz tudo normalmente. Ela não complica, ela descomplica. Ela não está atrás de provar conceitos e preconceitos. Vendo a forma de Maude encarar a vida, você diz: ;meu Deus do céu, pelo menos isso as pessoas na faixa dela deviam ter, não complicar;. Ela trata tudo com muita naturalidade, é irreverente. É difícil comparar a Maude com Glória Menezes. Eu tenho família constituída, tenho filho, tenho neto, tenho bisneto. A Maude é sozinha, não tem a quem dar satisfação, isso interfere na sua maneira de pensar e de ser. Ela foi casada cinco vezes e ela é tão feliz. A Maude diz coisas que faz você pensar na simplicidade de viver. Cada personagem te leva a raciocinar a respeito de determinadas coisas. Faz você pensar a respeito da vida e de como o ser humano se apresenta em determinadas ocasiões.

Esse julgamento que o ator faz dos rumos da personagem, por exemplo, no caso das novelas, já te deixou frustrada? Já se envolveu com a trama a ponto de querer um destino diferente para a personagem?

Não, de maneira nenhuma. Eu não defendo personagem. Eu apenas dou o braço a ele e acompanho para ver o que ele vai fazer. É divertido. O bom da novela é a obra aberta, é não saber o que vai acontecer. Como na vida, você tá aqui hoje e não sabe o que vai acontecer amanhã. Olha a Cissa (se referindo a atriz Cissa Guimarães, que perdeu o filho Rafael Mascarenhas, vítima de atropelamento). Olha pelo que a Cissa está passando, meu Deus. Entende? A vida é isso. Dobrou a esquina e não sabe o que vai encontrar.

Todo mundo a vê como uma mulher sofisticada, extrovertida, elegante. Como é ostentar tantos adjetivos?

Tenho mil defeitos e mil qualidades.Difícil você se autoanalisar. Olhar no espelho e dizer eu sou assim ou assado. As pessoas que me veem realmente sabem como eu sou. A imagem que fazem de mim não me afeta em nada. O problema é de quem faz. Na nossa profissão, a gente brinca com a sensibilidade. Você tem a sensibilidade muito exposta, até para captar o personagem. E me acho uma mulher sensível. Porque o ator observa mais, precisa de uma sensibilidade maior.

A profissão do ator se transformou de alguma forma?

Falando por mim, meu comportamento de atriz é o mesmo. Estou atrás de bons trabalhos, bons personagens, qualidade, um bom texto. Às vezes, você pode estar trabalhando em uma belíssima produção e o personagem não ser aquilo que você gostaria de fazer. Tendo um bom personagem, você vai em frente. É por aí, pelo menos para mim.

Mas a profissão mudou? Suas expectativas há 50 anos eram as mesmas das jovens atrizes?

Ah, elas percorrem um caminho completamente diferente. Na nossa época, quando eu comecei, há 50 anos, tudo começava. Nós fizemos parte da criação do que está aí. Acho que coloquei muita pedra fundamental em muito lugar, essa é que é a verdade. Mas acho que essa coisa de celebridade não existia na nossa época. Fiz escola de arte dramática, participei de festivais amadores, fiz muita televisão, junto com o teatro, fiz As feiticeiras de Salém, comecei com Antunes Filho. Aprendi muito com ele e com Walter Avancini, na televisão. O caminho não era a busca de ser célebre, era a busca de aprender a profissão, aprender coisas novas e ter responsabilidade sobre o que estávamos fazendo.

Esse fenômeno de explorar a vida privada de celebridades te incomoda?
Não. Acho que faz parte. No mundo inteiro é a mesma coisa. Ou você aceita ou muda de profissão. Você não é obrigada a ficar em um ambiente que não goste. Tem coisas boas, ruins; Enfim, você tem que saber dosar e, sei lá, eu não me desgasto por causa das coisas ruins que existem na minha profissão. Coisas ruins existem em qualquer outra profissão.

Mas não dá para sair de casa como anônima...

Ah, não; Hoje em dia a maneira como me recebem, devido aos 50 anos de carreira e aos milhões de personagens que eu já fiz, é uma maneira muito carinhosa e muito respeitosa. Essa passagem complicada e difícil da minha juventude já passou, quando tinha fofoca ao meu respeito. Hoje em dia, as coisas são mais tranquilas. As pessoas passam e falam ;ai que bom encontrar com você!’. Na idade em que eu estou, existe um certo respeito, quer dizer, tem gente que nasceu me vendo na televisão. Gente com 40 anos de idade viveu esses 40 anos me vendo (risos). A coisa já mudou, né?

E nesses anos todos, foram muitos atritos com a imprensa?

Sempre existiu fofoca, imagina! (risos) Já me separaram do Tarcísio váaaaarias vezes. E nunca me preocupei em desmentir. Daqui a pouco vão ver que é mentira, porque a verdade aparecia logo em seguida. Então, eles é que perdiam o crédito.

E com a peça, você consegue parar em casa e descansar?

Agora passei um bom período em casa descansando, viajei e tal. Agora, vamos retomar a peça e vou ficar em São Paulo. O ruim foi quando fiz a televisão no Rio, com a novela A favorita, e a peça em São Paulo. Aí foi uma loucura! Segunda, terça e quarta gravando a novela, e quinta, sexta e sábado fazendo teatro em São Paulo. Provei que estou apta (risos)! Andava com o texto debaixo do braço, lendo no avião ou até três horas da manhã.

Você chegou a ganhar uma bolsa para estudar piano em Paris, mas seus pais não deixaram você viajar. Já parou para pensar em como teria sido sua vida se tivesse embarcado?

Não sei, não tenho a menor ideia (risos). Vivo muito o presente. Quando aconteceu isso, eu tinha 16 anos. Se eu tivesse ido, não sei se seria uma Glória Menezes tão conhecida como eu sou. Piano e música no Brasil ainda não tem o valor merecido. Não era para eu ser pianista, essa é que é a verdade.

Ainda tem piano em casa?
(Risos). Não. O que eu tinha estava na casa de mamãe e um belo dia, quando cheguei em casa, ela o tinha vendido. Agora faz tempo que não toco. Passo umas coisas ou outras. Leio música, mas não daria para ser as duas coisas ao mesmo tempo. Mas eu sou muito feliz na minha profissão. Na minha carreira. Gosto ainda de música clássica. Adoro Chopin, Beethoven, Wagner. No meu carro, você vai encontrar muito clássicos. Mas gosto de ouvir também música popular.

Quem eram seus ídolos na infância?
É engraçado. Tinha atores americanos que hoje em dia quando eu penso; O Gregory Peck, a Ingrid Bergman. Eram pessoas fantásticas, de sonho, sabe? E me lembro de assistir à A vida de Chopin, com Cornel Wilde, um ator que não era nem tão importante na época. Eu fui com vovô e aquilo; eu sonhava com aqueles filmes. Filmes românticos da época fizeram parte da minha juventude. Eu casei muito cedo e essa realidade veio logo. Fui mãe aos 18, então as coisas aconteceram de outra maneira (risos).

A maternidade forçou um amadurecimento?
Costumo dizer que quando a gente é jovem a gente passa pelos problemas. Já mais velha, os problemas é que passam pela gente. Então é diferente, entendeu? Eu fui ser mãe do Tarcisinho com mais idade, 27 anos, aí que eu aproveitei mais a maternidade. Quando a gente é muito jovem brinca de ser mãe. É uma experiência diferente. Como fui mãe muito cedo e depois mais tarde, eu tenho bem essa comparação. Aproveitei muito mais depois. Aproveitei assim: acompanhei o crescimento e desenvolvimento. Até porque, na primeira vez, eu também estava me desenvolvendo (risos).

Teve alguma crise de idade. Dos 30, 50, 60, 70?
Não. Nunca tive o menor problema com idade. Acho que idade é uma coisa que você aparenta ter e vai da tua saúde, da maneira como você vive. É muito mais importante do que ficar encucando. Graças a Deus não tenho problema de dizer a idade. Estou com 75 anos, tenho dois bisnetos maravilhosos. E olha, ser bisavó ainda é melhor que ser mãe (risos)!

Como é sua relação com a moda? Tem personal stylist ou escolhe as roupas a dedo?

Não tenho nenhuma preocupação com isso. Eu compro o que eu quero, o que eu gosto. Não me preocupo em andar na moda. Me visto talvez de uma maneira bem mais jovem do que a minha idade pede. Bem mais jovem. Mas meu tipo físico ajuda. Graças a Deus não sou gorda, sou magra. Eu não sou de comer muito. Sou difícil de comer. Como pouco, mas coisa boa.

Você já fez cirurgia plástica. Pensa em fazer alguma coisa novamente?

Não, mais plásticas não. Fiz quando eu tinha 40 anos de idade. Não adianta. Depois de uma certa idade você tem que assumir. A idade tá aí. Não estou querendo rejuvenescer. Acho que a gente precisa se cuidar. Cuido da minha saúde, faço ginástica, me alimento bem; Mas para envelhecer bem. Não aparentar menos idade.

Como você enxerga hoje o casamento?
Acho que quando o amor perdura existe o prazer de estar junto. Não sei como é para os outros casais. Mas comigo e com o Tarcísio, quer dizer, o fato da gente se arrumar para sair, um observa o outro, se aprecia, repara a maneira como está, como se comporta. É um amor maduro, mas que continua com todas as dobras e todas as esquinas, da mesma maneira que há 30 anos. É gostoso isso. Não pode deixar o amor envelhecer. Nós começamos num especial da TV Tupi. Começamos como amigos e a coisa foi se transformando, sabe, e ainda se transforma, de um jeito maravilhoso.

Com direito a frio na barriga?

Claro, claro. Senão não vale nada (gargalhadas)!!

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