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Tubo de ensaio de sabores

Gastronomia molecular ou de vanguarda é isso tudo que o nome promete: uma experiência inusitada e lúdica entre a culinária e a ciência

postado em 12/08/2010 12:52

O químico Rafael Abdala conheceu de perto as experiências gastronômicas/científicas do chef Kaká Silva"O homem conhece mais do interior de uma estrela do que do interior de um suflê." A frase pertence ao físico húngaro Nicholas Kurti, que trabalhou no projeto da bomba atômica durante a 2; Guerra Mundial e, nas horas vagas, fazia da cozinha de casa seu laboratório particular, aplicando seus conhecimentos físicos no preparo dos alimentos. Assim, com experimentos mirabolantes, criou o que hoje é conhecido como gastronomia molecular. O físico-químico francês Hervé This também leva mérito na criação dessa ciência da culinária. Mas o que interessa aqui é como ela pode afetar a qualidade e o sabor das refeições de maneira prática e palpável, e como as explicações de fenômenos até então desconhecidos podem mudar o dia a dia de chefs anônimos pelo mundo.
Um exemplo prático disso aconteceu com Kaká Silva, chef especializado no que prefere definir como gastronomia de vanguarda. Certa vez, uma conhecida lhe contou que depois que a mãe morreu, a família disputou a tapa os tachos de cobre da falecida ; uma doceira de mão cheia. Ninguém podia decifrar exatamente o porquê, mas os tachos de cobre faziam os melhores doces de figo que já haviam experimentado na vida. Kaká ficou com a pergunta martelando na cabeça. Dias depois, a moça volta a contar outra história: "Minha mãe também tinha mania de ir para o meio do cerrado queimar uma casca de árvore e passar as cinzas sobre o figo que, depois de lavado, ficava bem verdinho".
Kaká encontrou a resposta na culinária molecular: no primeiro caso, por exemplo, o óxido de cobre do tacho reage com a pectina da fruta, aprisionando a água do alimento e dando o ponto e a cor perfeita do doce. E por aí outras inúmeras explicações ganham cara de questão do vestibular. São ácidos cítricos, bicarbonatos de sódio, maltidrextrina, açúcares invertidos, hidrocoloides, esferificações, além de produtos e termos tipicamente industriais.

A convite da coluna, o químico Rafael Abdala, 25 anos, acompanhou o encontro com o chef Kaká e degustou os pratos inusitados: uma taça de pipoca líquida, e uma bola de sorvete com chocolate flexível e caramelo em pó. "Uma amostra de possibilidades clássicas dessa cozinha", explica Kaká. Nada é industrializado. Tudo fresquinho, feito na hora. Rafael se diz perplexo com o que vê ; até então, nunca tinha ouvido falar na culinária molecular.
Chef e químico trocam impressões e experiências num dialeto um tanto estranho para os leigos. Falam sobre os aparelhos usados, os processos que eles implicam, divergem em algum ponto e concordam em outros tantos. "Na universidade, a gente até usa alguns alimentos como exemplos de fenômenos. Mas não dessa forma, com essa abordagem. Eu realmente nunca havia parado para pensar em certos usos da química para manipular a comida", conta o químico.

Os resultados, enfim, são realmente impressionantes. O ovo perfeito, a carne embalada a vácuo e cozida na temperatura ideal para ficar macia e ao ponto, a goma que substitui com perfeição a manteiga e a farinha de trigo nos molhos, o ingrediente que torna qualquer líquido comum em bolinhas como as de caviar. Para brincar de químico na sua própria cozinha, alguns componentes são fundamentais, e eles podem ser encontrados em mercados diferenciados ou em sites de gastronomia molecular (no Brasil, existe apenas um).

Parece complicado, mas, na verdade, simplifica a culinária em diversos aspectos. "Ainda existe certa resistência à gastronomia molecular. Há quem ache que faz mal, ou que é uma frescura. Mas nada disso é verdade. Hoje, a pessoa que vai a um restaurante disposto a gastar uma pequena fortuna, não quer apenas saciar a fome. Quer o lúdico, o moderno, uma aventura gastronômica. E é isso que oferecemos", sentencia Kaká.

Receitas


Chocolate flexível com pó de caramelo e sorvete de baunilha
Gastronomia molecular ou de vanguarda é isso tudo que o nome promete: uma experiência inusitada e lúdica entre a culinária e a ciência
Ingredientes
375g de chocolate meio amargo
1 folha ou 2g de gelatina
50ml de água
150g de acúcar invertido (ver a receita de açúcar invertido abaixo)
4g de ágar-ágar (pode ser encontrado em mercadinhos japoneses)
700g de creme de leite fresco
2g de sal
Como fazer
Colocar o chocolate em uma vasilha grande tipo bowl
Hidratar a gelatina em água fria por 5 minutos
Em uma panela média, ferver a água, o açúcar e o ágar-ágar, mexendo constantemente
Adicionar a gelatina, o creme e o sal
Desligar o fogo e passar metade por uma peneira, despejando sobre o chocolate
Depois que ele derreter, colocar o creme restante
Colocar a mistura em uma forma previamente coberta com acetato ou filme plástico
Levar à geladeira por aproximadamente 1 hora
Corte e sirva, do jeito que quiser: como um nó, dobrado ou enrolado, por exemplo.

Açúcar invertido

Ingredientes
1kg de açúcar
430ml de água
5g de ácido cítrico
5g de bicarbonato de sódio
1 termômetro de cozinha

Como fazer
Colocar a água em panela e levar ao fogo
Quando atingir 50; C, adicionar o açúcar
Quando chegar a 80; C, adicionar o ácido cítrico
Esperar baixar para 70; C e adicionar o bicarbonato, sempre mexendo bem

Pó de caramelo
Ingredientes
375g de açúcar
350g de glucose
500g de creme de leite fresco
100g de manteiga
65g de maltidrextrina N_Zorbit (vendida em sites especializados em gastronomia molecular)
Modo de fazer
Em fogo médio, colocar todos os ingredientes em uma panela, até atingir a temperatura de 110;C
Coloque em um tapete de silicone para esfriar à temperatura ambiente
Coloque 210g da base de caramelo com 65g de maltidextrina em um processador, bata tudo até virar pó.


Pipoca doce liquefeita
Gastronomia molecular ou de vanguarda é isso tudo que o nome promete: uma experiência inusitada e lúdica entre a culinária e a ciência
Ingredientes
25g de óleo de canola
100g de milho para pipoca
7g de sal
90g de manteiga
75g de açúcar
750g de água

Espuma de caramelo
250g de açúcar
200g de água
75g de xarope simples
5g de lecitina de soja em pó

Modo de fazer

Pipoca líquida
Em panela grande, estourar a pipoca
Transferir para uma panela menor a pipoca estourada e os demais ingredientes
Levar tudo à fervura por 5 minutos
Mexer bem até dissolver a pipoca
Coar em um chinoise e levar ao liquidificador por 5 minutos
Reservar morno

Espuma de caramelo
Levar ao fogo médio 75g de açúcar e a água até atingir 170;C
Retirar do fogo e acrescentar o restante do açúcar e o xarope simples
Bater bem até dissolver tudo
Levar a mistura em uma vasilha grande tipo bowl
Adicionar a lecitina de soja em pó e bata com um mixer de mão até levantar espuma

Serviço
Site de gastronomia molecular e sous-vide:
gastronomylab.com

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