Revista

Compromisso precoce

Recém-saídas da adolescência, meninas decidem encarar o desafio de viver a dois. Para especialistas, o ideal de amor romântico e a vontade de ser independente estão entre as razões de contrariar a tendência atual, que é de postergar o casamento

postado em 12/08/2010 17:37

Estudar, ter tempo para investir na carreira profissional, conseguir um bom emprego, sair da casa dos pais. Com tantas responsabilidades e novas prioridades da vida moderna, o que não faltam são motivos para adiar o casamento. Tanto que os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a média de idade dos noivos está subindo. Em pouco menos da metade de todas as uniões realizadas no país entre 2006 e 2008, 44,9%, 44,55% e 42,47%, respectivamente, a noiva tinha entre 15 e 24 anos. Há quatro anos, a idade média do primeiro casamento era de 25,4 anos para as mulheres contra 28,3 anos para os homens. Em 2008, o índice subiu: 26 para elas e 29 para eles.

Ainda assim, é muito expressivo o número de jovens que decidem trocar alianças. A Revista ouviu especialistas e garotas que descobriram, ainda muito jovens, as maravilhas ; e dificuldades ; de ser casada. O que justifica tanta pressa em experimentar o vestido de noiva, diante de tantas possibilidades da vida moderna, afinal?

À moda antigaAos 19 anos, véu, grinalda e tudo mais:

Ana Paula de Araújo Lima é tradicional, mesmo com apenas 25 anos. Aos 19, a estudante resolveu que era a hora de se casar, de véu e grinalda e com tudo mais a que tinha direito. A cerimônia foi em agosto de 2004. ;No início, foi um choque;, relembra. O estranhamento não durou muito tempo, uma vez que as duas famílias já eram amigas antes mesmo de Ana Paula vir ao mundo. ;Ele morava nos Estados Unidos e meus pais não me deixaram ir;, explica. ;O que mais pesou para a gente se casar foi a vontade de morar junto.;

Mas nem tudo são flores. No começo, pela pouca idade e ainda sem uma vida profissional estabelecida, as contas foram o principal obstáculo. ;Hoje, eu faço estágio, mas estamos conseguindo administrar bem;, acredita Ana Paula. Já os cuidados com a casa não são um problema. Acostumada a ajudar os pais desde criança com os afazeres domésticos, a estudante tira de letra algumas atividades que seriam verdadeiros bichos-de-sete-cabeças para outras jovens, como cozinhar. Outra vantagem de estar casada, para Ana Paula, é manter o foco. ;Não queria ser sustentada pelos meus pais até os 30 anos. Amadureci, até profissionalmente, com o casamento.;

E o casamento vai muito bem, obrigada. ;As conquistas que você tem com o seu parceiro, a união, poder dividir os momentos felizes e tristes é a melhor parte;, entrega Ana Paula. Para ela, não há uma idade certa para encontrar um grande amor e fazer juras eternas. Mas, e as experiências da juventude? ;Nunca gostei dessa história de ;ficar;;, diz. ;Acho que isso de não aproveitar a juventude é conversa. Faz diferença para quem não gosta de namorar, de ter um relacionamento fixo;, conclui.

Ainda um conto de fadas
Na opinião da psicóloga e escritora Olga Tessari, ainda há mulheres que se casam para escapar da pressão familiar ou para ter uma vida mais estável ; no caso de mulheres de origem humilde que se unem a homens abonados, por exemplo. Entretanto, desde pequenas, elas estão acostumadas a escutar histórias sobre príncipes em cavalos brancos, amores eternos e castelos luxuosos. Nos contos de fadas, o casamento aparece justamente como a garantia de viver o tão esperado final feliz. As histórias são antigas, mas ; para ela ; até hoje servem como inspiração.

Para Olga Tessari, o principal motivo que leva moças com menos de 25 anos a jurar amor eterno ao parceiro seria, justamente, encarar o casamento como ponto alto de todas as conquistas da vida. ;Por incrível que pareça, boa parte das mulheres ainda acredita que a felicidade plena se consegue com o casamento;, reforça Olga. ;Infelizmente, elas ainda buscam viver em função do seu homem.; Inebriadas pelo chamado Complexo de Cinderela, moças que teriam outras formas de conseguir a tão almejada liberdade se rendem aos encantos do casamento idealizado. ;Elas acabam desejando uma cerimônia com toda a pompa, justamente por considerar esse momento o ápice de sua felicidade;, explica a psicóloga.

Além dos apelos das empresas casamenteiras, Olga destaca a educação recebida dentro de casa e a cobrança do meio social como os dois outros fatores que mais influenciam na decisão de casar cedo. O que poderia ser considerada uma forma de nadar contra a corrente torna-se, então, um paradoxo. ;Hoje em dia a sociedade aceita um pouco melhor a mulher independente e solitária, embora ainda cobre dela o seu papel de esposa e mãe;, compara.

Existiria, então, uma idade considerada ideal para se casar? A resposta, como era de se esperar, é relativa. ;O casamento deve ser cogitado depois que a jovem já tenha vivido e tido várias experiências na vida;, arrisca Olga Tessari. Antes de se comprometer, conhecer pessoas novas, viajar para lugares diferentes e manter os amigos próximos ; enfim, aproveitar a vida de solteira ; pode dar mais segurança antes de tomar uma decisão tão importante. ;Jovens que se casam cedo deixam de viver muitas coisas e, mais cedo ou mais tarde, vão desejar resgatar essa fase da vida não vivida;, reforça.

Para a psicóloga clínica Kelly Gennari, os motivos para se casar ainda jovem não são os mesmos de gerações hoje mais maduras. Se, naquela época, as mulheres se casavam para constituir família, sair de casa ou para escapar de dificuldades financeiras, hoje em dia ela acredita que a motivação para o matrimônio tornou-se um pouco mais fugaz. ;Os jovens não pensam muito bem sobre a dificuldade que é constituir uma família;, defende. ;Muitos procuram uma elevação do status social pelo casamento.;

Com famílias consideravelmente mais rígidas que as atuais, Kelly Gennari destaca que a vontade de ter um pouco de privacidade também era um fator que justificava a união precoce nos tempos de nossos avós. Nos dias de hoje, a imensa maioria dos casais não sofre mais por conta disso. Contudo, ela frisa que tanta intimidade pode ser justamente a responsável pela dor de cabeça de muitos jovens pombinhos. ;As pessoas de modo geral são muito inseguras emocionalmente;, diz a psicóloga. Antes de encarar uma vida a dois, o melhor caminho para evitar futuras frustrações, segundo Kelly, é definir quais são as prioridades da vida. ;A garota precisa se perguntar o que quer com o casamento, como se imagina no futuro e o que ela precisa fazer para conseguir tudo isso;, ensina.


Segunda chancePara Juliana, o casamento trouxe tranquilidade emocional para o casal

Quando se casou pela primeira vez, em 2001, Mariane Santos de Morais tinha 18 anos. ;Foi por impulso, por uma expectativa falsa de independência;, admite. Apaixonada, mas ainda sem experiência para lidar com a parte prática do casamento ; como o que incluir na lista de compras ou planejar o que será servido no almoço do dia seguinte ;, a união durou apenas um ano. ;Na casa da sua mãe, você usa uma roupa, coloca no cesto de roupa suja e ela volta para o armário;, exemplifica. ;Você não precisa acompanhar todo o processo.;

Nove anos depois, a fisioterapeuta acredita que, além da imaturidade, a inflexibilidade do casal foi um fator importante para que o casamento chegasse ao fim. ;Em uma relação a dois é preciso ceder muito;, reconhece. Mesmo assim, a experiência serviu como lição: abrir mão de pequenos prazeres momentâneos, como festas ou encontros com amigos, pode ser uma boa estratégia para evitar desgastes futuros.

E a lição não ficou apenas na teoria. Casada pela segunda vez há dois anos, Mariane está mais madura ; por isso, não tem dúvidas de que, desta vez, a união será para sempre. ;É a mulher que segura o casamento;, justifica. A rotina, agora, é diferente. Com uma filha de três meses, toda a dinâmica do casal passou por adaptações. ;O tempo de uma criança é muito diferente do tempo do adulto;, resume Mariane. Ainda que não tenha conseguido garantir o tão esperado final feliz na primeira tentativa, a fisioterapeuta não deixou de acreditar no casamento. ;A vida a dois é muito gostosa;, derrete-se.

Quem casa quer casa

Desenvolver a maturidade necessária para assumir a responsabilidade de conviver com outra pessoa ; dividindo preocupações e problemas do dia a dia ; é um desafio necessário para levar o relacionamento a um nível tão sério. Além de amor, a antropóloga Lia Zanotta Machado defende que tamanho comprometimento também pode ter a ver com a conta bancária. ;Vejo que, em classes populares, as meninas que se casam cedo são solicitadas a fazerem isso, como se os pais quisessem prevenir uma possível relação sexual que desse como resultado um filho;, alega a também professora da Universidade de Brasília (UnB).

No caso de garotas da classe média, o caminho esperado é, geralmente, o oposto. Sem o entrave financeiro, as garotas teriam mais tempo para escolher o parceiro ideal ; motivo que explicaria a longa duração de alguns namoros. Ainda assim, para a antropóloga, casamentos entre jovens não são tão imprevisíveis assim. Mesmo ainda não totalmente independentes financeiramente, a ajuda da família faz com que os casamentos feitos entre jovens de classes mais favorecidas economicamente baseiem-se, em grande parte, na busca pela autonomia pessoal e, claro, na ideia do amor romântico. ;Esses jovens acreditam que encontraram o parceiro certo e não precisam esperar pela autonomia financeira;, completa.

O tempo de duração dos relacionamentos antes do casamento também é uma diferença entre os matrimônios de jovens de diferentes classes sociais.

Enquanto as classes C e D apostam no enlace logo no início do namoro, garotas das classes A e B preferem esperar um pouco mais. ;Na classe média, as meninas podem ter uma relação autônoma de sexualidade muito cedo, sem precisar casar;, explica. ;Elas se dão o direito de ter um maior tempo para decidir e aproveitar os tempos de solteira;, compara Lia Zanotta.

O preço da independência

Em dezembro de 2004, Fernanda da Silva Dias iniciou um casamento que duraria cinco anos. Na época, a hoje técnica em enfermagem tinha 18 anos e o ex-marido, 23. ;Casei só no civil, mas entrei com a papelada aos 17, com autorização dos meus pais;, detalha. A decisão de trocar alianças foi por amor. Hoje, porém, aos 23 anos, Fernanda analisa e encontra outros motivos para a união. ;Eu tinha certeza que queria casar porque gostava dele;, reforça. ;Mas depois, com o tempo, você amadurece e percebe que é diferente, que mesmo tendo sentimento e vontade, há outros motivos por trás.;

Mesmo ainda tão jovem, Fernanda não encontrou resistência por parte da família. Na verdade, a própria família foi um dos motivos que a impulsionaram a sair de casa e a constituir a sua própria. ;O casamento foi uma maneira de fugir da vida que eu tinha;, confessa. Assim como muitas garotas de sua idade, Fernanda queria mais independência. Mas ela deixa claro: se sentia presa, mas não queria ser livre apenas para se divertir ou namorar. ;Eu queria estudar, ter uma carreira;, explica. ;Quem me criava não me dava essas oportunidades.;

Com o casamento, a tão sonhada oportunidade apareceu, em forma de apoio do então companheiro. Dividir os gastos da casa por dois também ajudou. Com marido e mulher empregados, a vida profissional de ambos progrediu ; sucesso que seria mais complicado atingir, caso algum dos dois optasse pelo voo solo. ;Eu o ajudei a conseguir o que queria, que era crescer profissionalmente e ele me ajudou a pagar meu curso;, completa Fernanda.

Contudo, com o tempo, o companheirismo se transformou em cobrança e em uma nova prisão. ;Um relacionamento tem que ser uma via de mão dupla. No nosso, só os desejos dele valiam, eu não vivia a minha vida;, conta. O casal se distanciou, as brigas tomaram conta da rotina e Fernanda procurou ajuda na terapia, para tentar entender o que teria causado tamanho desentendimento entre os dois. ;Eu estava casada, mais vivia sozinha;, desabafa. O casamento já havia acabado, mas, no início desse ano, saiu o divórcio.

O casamento acabou, mas a experiência de vida ficou marcada para sempre. Mesmo com tantos conflitos, será que valeu a pena? ;Quando as duas pessoas se dão bem, é muito bom ter alguém para poder contar quando você precisa;, diz Fernanda. Ainda assim, ela é categórica: não quer mais saber de casamento tão cedo. ;A palavra ;casamento; pesa muito. Você pode até estar morando com uma pessoa há um tempo, mas, quando casa, parece que você está com ela por obrigação.;

Planejar é preciso

Amor eterno, fidelidade e compromisso. Com tantos sentimentos diferentes envolvidos, pensar em traçar metas para o casamento pode parecer contraditório e, até mesmo, desnecessário. Especialista em direitos de família, a advogada Nelma Lúcia Moura alerta que manter os pés no chão é essencial para garantir o sucesso de uma união, tenham os noivos a idade que tiverem. Para ela, algumas características dos casais mais jovens, como impulsividade e imaturidade, podem ser as responsáveis pelo grande número de divórcios entre os mais novos. ;Hoje, a instituição do casamento não está sendo levada a sério;, argumenta. ;A pessoa casa já pensando em se separar, caso não dê certo.;

De 10 pedidos de divórcio que recebe, Nelma Moura calcula que quatro envolvem casais onde os noivos têm menos de 25 anos. Mas isso é suficiente para afirmar que a pouca idade é um fator determinante para o insucesso do casamento? Novamente, a resposta vai depender de como cada um encara o desafio. ;Há pessoas mais jovens que são sérias e veem o casamento como uma instituição familiar;, defende a advogada. O segredo para um casamento feliz, na visão de Nelma, é unir raízes familiares bem estruturadas com religiosidade e garra. ;Se os dois vêm de uma família segura, eles irão querer preservar essa segurança no casamento deles;, acredita.

Também especializada em direito de família, a advogada Regina Teixeira Bonotto defende um outro ponto de vista. Para ela, hoje em dia o maior número de divórcios envolve pessoas com mais de 20 anos de casamento. Enquanto casais mais antigos dissolvem a união para recuperar o tempo perdido, o casamento entre os mais novos acaba, muitas vezes, pela inabilidade de lidar com tantas mudanças ao mesmo tempo ; especialmente quando essas mudanças envolvem cuidar de uma criança. ;O homem demora a cair em si em relação a essa nova vida e às responsabilidades do casamento;, completa Regina.

Inseguras, ainda despreparadas e sem poder contar com a parceria do marido para lidar com o grande volume de atribuições extras, as jovens mulheres sentem-se acuadas ; e pedem o divórcio. ;Dificilmente, os homens pedem a separação;, diz a advogada. A relutância masculina em formalizar o fim do casamento, segundo Regina, resume-se a uma palavra: acomodação. ;A partir do momento que ele sai de casa, já se considera livre. A mulher precisa do papel assinado para isso;, compara.

Dois em umAndressa, com o marido, Thiago Dantas:
Quando Julianna de França Câmara, 26 anos, resolveu se casar, estava grávida ; e deu a notícia para os pais de uma só vez. ;Quis casar com meu namorado da época porque meu pai nunca iria aceitar se não fosse assim;, conta a auxiliar administrativa. Na ocasião, a caçula da família tinha 18 anos e ele, 22. O casamento já estava nos planos, mas a antecipação não causou a reação esperada no futuro sogro, que amoleceu o coração. ;Meu pai disse que eu não precisaria casar se não quisesse, mas eu quis mesmo assim;, conta.

Ao contrário do que seria esperado, não foi o sogro dele quem dificultou o começo do casamento. ;A mãe dele era muito ciumenta;, entrega Julianna. Os ciúmes da sogra e as dificuldades da fase de adaptação da nova vida faziam com que o casal brigasse cada vez mais. ;Quase nos separamos;, desabafa. O tempo ajeitou as coisas, e hoje nora e sogra vivem bem ; cada uma para o seu lado. ;Hoje ela respeita mais o nosso espaço.;

Mesmo que adiantado, o casamento sempre fez parte dos sonhos de Julianna. Desde pequena, ela queria se casar cedo, virar mãe e cuidar da própria casa. Mas isso não impede que o casal aproveite a vida como jovens. ;Saímos muito com nossos amigos, vamos para todos os lugares que outros jovens vão, como bares e shows;, exemplifica. Os amigos, aliás, não foram grandes incentivadores da união. ;Teve até aposta para saber quanto tempo iria durar;, diverte-se Julianna. A maioria apostou que o divórcio viria em seis meses. O casamento completou oito anos em julho.

Os conflitos passaram, o filho cresceu e a rotina se estabilizou. Além da maturidade, o casamento trouxe tranquilidade emocional ; especialmente para ela. ;Ele já era uma pessoa madura, mas eu era ;filhinha de papai;;, brinca Julianna. Porém, a decisão também teve alguns lados negativos. ;Não me formei. Por causa da rotina e dos cuidados com meu filho, acabei me acomodando;, reconhece. Mas isso não é um motivo para lamentações. ;Não me casei para me separar e não me arrependo;, diz.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação