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Sem pressão

A lista de sintomas é grande e, por vezes, o diagnóstico confundido. Problemas de mandíbula podem causar dores intensas em várias partes do corpo e são tratados de diversas formas. Aqui, apresentamos duas novas técnicas

postado em 27/08/2010 14:47
Você se sente estressado? Aperta e range os dentes durante o sono? Sente dores nas mandíbulas, na articulação da face ou no pescoço? Acorda, vez ou outra, com torcicolos? Também sofre com enxaqueca e fibromialgia? A sensação de dor se espalha pelos ombros, costas, pernas, joelhos ou é portador de dor ciática ou bursite? As pernas estão sempre cansadas? Já recebeu o diagnóstico de tendinite e outras lesões por esforço repetitivo? Trata-se, mas nunca melhora? Se você respondeu sim a duas ou mais das perguntas acima, é provável que tenha desarmonia da oclusão bucal, um distúrbio que leva a dor crônica a várias partes do corpo.

A constatação é do odontólogo Rafael Abate. Por outros caminhos, o médico oriental e osteopata Edmilson Rocha chegou à mesma conclusão. Os dois especialistas desenvolveram técnicas simples, sem o uso de equipamentos sofisticados ou cirurgias invasivas, para aliviar dores provenientes de problemas oclusais. Rocha registrou a dele em um cartório. "A patente é minha", garante. Abate não publicou a sua em periódicos científicos e tem dificuldades para apresentá-la em congressos. "Os especialistas são um grupo fechado e não acreditam em medidas simples", diz o dentista.

Apesar do ineditismo dos procedimentos, Rocha e Abate não atendem em consultórios luxuosos, tampouco em locais com decoração esotérica - descrição típica dos falsos estereótipos dedicados a terapias consideradas alternativas às convencionais. O cirurgião dentista atende há 42 anos no consultório de um centro comercial, que tem apenas um luxo: a visão do Lago Paranoá. Já o osteopata recebe seus pacientes num espaço encravado numa área de oficinas. Aqui, descrevemos um pouco das técnicas já conhecidas por muitos brasilienses, porém pouco divulgadas.

No consultório do dentista
No consultório da dentista Thelma, Edmilson Rocha demonstra técnica para realinhar a mandíbulaRafael Abate desenvolveu há 20 anos e aperfeiçoou a técnica denominada gnatoneural, capaz de aliviar as dores provocadas por defeitos nas funções da mandíbula. "O simples hábito incorreto de abrir e fechar a boca ou mastigar alimentos causa esses distúrbios", garante.

O tratamento, segundo ele, é bem simples. Consiste na correção da mordida do paciente, por meio da reescultura de dentes naturais e das restaurações e reajuste de próteses. Nesse trabalho, podem ser necessários o uso de aparelhos, o redesenho de dentes com resina ou exercícios de movimentação das articulações da boca. "Com esse método, é possível melhorar a posição da mandíbula e da cabeça, o que leva ao realinhamento e equilíbrio da coluna vertebral e do restante do corpo", explica o dentista. "Em alguns casos, o alívio da dor ocorre na primeira consulta. Em outros, exigem mais sessões", afirma Abate, com convicção.

A secretaria-executiva Valentina Setubal passou por essa experiência no ano passado. Vítima de crises de bruxismo, desde criança sentia fortes dores na mandíbula e no ouvido. "Nada aliviava. Uma amiga me indicou a terapia e decidi experimentar", conta Valentina, 25 anos. Depois de examiná-la, o dentista usou resina para redesenhar os dois caninos da arcada superior. "Não aperto mais os dentes durante o sono e as dores cessaram. Vivo com alívio há um ano", conta.

A aposentada Leda Chamon, 60 anos, também sofria do mesmo distúrbio de Valentina e sentia dores por todo o corpo. No caso dela, os dentes superiores foram reesculpidos e ela fez exercícios para corrigir a mordida. No começo, Leda também usou um aparelho na parte de cima da arcada dentária para evitar a tensão na área da boca. "Deu tão certo que o equipamento está guardado no fundo da gaveta", diz Leda, que se submeteu a terapia em 2004.

Abate afirma que a técnica é inédita e somente ele a pratica. E isso abre uma brecha para polêmicas. O neurologista Luiz Cláudio Modesto, especialista em dor, afirma que os dentistas com especialização em odontologia ortognástica já obtêm bons resultados no tratamento de dores na região da mandíbula e da coluna cervical, com o uso de aparelhos ortodônticos e cirurgias. Sobre o método gnatoneural, é bem enfático. "A biomecânica da articulação temporomandibular (ou manipulação) pode agir de forma inadequada e provocando sensações dolorosas", alerta o médico. Além disso, ele alega que não há comprovação científica. "A dor crônica é uma doença e apresenta várias causas. As possibilidades podem ser tanto físicas quanto emocionais e devem ser investigadas", aconselha.

Trabalho manual
Como sofria de bruxismo, Valentina sentia fortes dores na mandíbula, e recorreu à técnica de Rafael Abate
Edmilson Rocha é médico, formado em medicina tradicional chinesa. Formou-se em 1999 e, de lá para cá, se aperfeiçoou em osteopatia e acupuntura. Fez o curso de seis anos na Open University International, em Assunção, capital do Paraguai. "Sempre quis fazer medicina, mas não tinha dinheiro para pagar o curso no Brasil. Então, fui para o Paraguai, onde curso é mais barato", explica o médico, de forma simples e direta.

Ao aprofundar os conhecimentos em osteopatia e medicina chinesa, Edmilson constatou que as técnicas de manipulação e observação eram capazes de dar um diagnóstico certeiro em desvios de mandíbula. "Na Antiguidade, os orientais usavam carvão para definir os pontos de alinhamento da mandíbula e do maxilar. Passei a usar o lápis geográfico para fazer o mesmo. Ao medir esses pontos, constatava o desalinhamento, cujo diagnóstico era confirmado por raios-X", conta.

O sistema chamou atenção de uma clínica odontológica em Goiânia e, em 2008, Edmilson Rocha criou a técnica de ajuste específico para casos de alterações temporomandibular. "Ao confirmar o parecer médico por meio de uma radiografia, manipulo com as mãos a mandíbula do paciente, eliminando dores na coluna cervical, lombar e casos de bruxismo", detalha o médico, mostrando laudos de dezenas de pacientes.

A primeira paciente dele no DF foi a cirurgiã-dentista Thelma Canielo Scodeller, que atua há 29 anos como ortodontista. Ela o descobriu ao participar de um SPA holístico, num fim de semana do ano passado, onde dr. Edmilson atuava como osteopata. Ao falar do problema dela, de dores na mandíbula, o especialista constatou o desalinhamento no fim da arcada inferior. "Ele mexeu na minha mandíbula, em um movimento que durou cerca de três segundos, e as dores cessaram", conta a dentista.

Ela fez mais três sessões e, atualmente, faz uma por ano para se ver livre das dores. Também se tornou uma alinhada do especialista, para quem encaminhou cinco pacientes. Ela explica que, na odontologia, alguns procedimentos, como o uso de aparelhos e de próteses, deixam alguns danos irreparáveis, como a desarmonização das articulações da mandíbula e do maxilar. "Para reparar o distúrbio, recorre-se ao desgaste de dentes, uso de outros aparelhos e cirurgias invasivas. Essa técnica inova por se basear apenas no manuseio da mandíbula, recolocando-a no local correto", resume Thelma, que aprovou o método e o indicou para outros colegas dentistas. "Além de ser habilidoso, o dr. Edmilson é um estudioso", elogia. Enquanto isso, o médico que estudou no Paraguai tem o seu trabalho divulgado de boca em boca.

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