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Em busca do foco

Em uma sociedade bombardeada por informações e tecnologias, concentrar-se em tarefas simples torna-se cada vez mais difícil

postado em 22/10/2010 17:06

Agnes tem uma agenda tão superlotada que fica até difícil acreditar que ela consegue se concentrar em todas as tarefas: uma coisa de cada vez

O dia começa cedo, às 6h. Acordar e tomar café da manhã precedem a malhação na academia, feita diariamente. Às 9h, começa o dia de trabalho, que nunca termina antes das 19h. Depois do término do curso de francês, ano passado, a tarefa pós-emprego se tornou a hidroginástica, para garantir que a gravidez de cinco meses transcorra saudável. Nesse meio tempo, um doutorado, que a faz viajar a cada trimestre para a Alemanha. Nos fins de semana, duas horas dedicadas ao trabalho voluntário com crianças e pelo menos mais algumas de estudo.

É difícil acreditar que a economista Agnes Maria de Aragão Costa, 31 anos, consiga se manter concentrada em tantas tarefas. Assessora econômica do ministro de Minas e Energia, ela é a prova que, independentemente da quantidade de obrigações e informações que as pessoa tenha de lidar diariamente, é possível ter foco e dar conta de tudo sem que o corpo e a mente entrem em colapso. ;O meu segredo é fazer uma coisa de cada vez e, de acordo com a demanda, ir me programando aos poucos;, ensina. Agnes, porém, é exceção.

Em uma realidade que exige, cada vez mais, uma conexão imediata com todos os canais de informação, o ato de procrastinar está deixando de ser uma atitude daqueles que têm pouca atenção, para se tornar quase uma constante a atrapalhar a concentração. E a sensação de muitos é que os dispositivos criados para poupar tempo, como celulares, e-mails e afins, estão indo na direção contrária, fazendo com que o trabalho aumente. ;Estamos vivendo uma época em que temos informação demais e os avanços da tecnologia fazem com que muitos não consigam fazer uma coisa de cada vez;, acredita a neuropsicóloga Mariana Kneese Flaks.

De acordo com ela, muita gente se sente obrigada a fazer mais de uma tarefa ao mesmo tempo e, ao não dar conta de todas, cria-se a falsa ideia de que não é produtiva. ;Isso se reflete em um alto nível de estresse. A pessoa não consegue relaxar, não dorme bem, vive em um cansaço crônico, que não a deixa pensar em nada que não sejam os deveres que ela tem de dar conta.; É bom lembrar que não há nada de errado em ter uma vida atarefada. Até mesmo diante dessa realidade conectada, manter-se distante pode sim fazer com que se perca o bonde da realidade. A questão é onde cada um foca.

O livro A arte da concentração (Ed. Larousse), da jornalista e escritora britânica Harriet Griffey, dá o recado já nas primeiras páginas: a habilidade de se concentrar precisa ser exercitada para se tornar útil. ;Inicialmente, concentrar-se pode parecer algo que requer disciplina, mas depois se tornará um estilo de vida e, uma vez integrados, os novos hábitos que o processo envolve produzirão suas próprias recompensas;, escreve. Recompensas essas que garantem que, mesmo com várias responsabilidades, não falte tempo para nada.

O bancário Fábio Popinigis montou o seu próprio método de concentração: tirando os problemas do caminho e simplificando a vida

A servidora pública Maria Carolina Machado, 30 anos, tem, desde 1999, o mesmo modelo de agenda. Nela, um caos organizado de tarefas ; que ela diz entender muito bem ; assegura as condições para resolver tudo. Maria Carolina, que trabalha no Ministério da Educação e faz parte do grupo Teatro do Concreto, ainda mantém um bloquinho para anotações de insights e outro em que descreve todos os seus gastos, do condomínio ao suco comprado na lanchonete. ;Eu funciono com agenda, na qual anoto tudo que é importante. Vejo o dia e vou distribuindo essas atividades. Preciso visualizar tudo. Planejo minha vida semanalmente, mensalmente e, óbvio, diariamente. Esse é o segredo de me manter concentrada.;

Para a servidora, outro passo importante para quem deseja se concentrar mais é aprender a dizer não. ;É indispensável priorizar o que é indispensável. E também criar os espaços para não fazer nada, porque são necessários para que você se realimente.; Aliás, não há como se manter concentrado sem o ócio. É a partir dos momentos em que o nada é o seu fazer absoluto que a mente consegue descansar para o retorno às obrigações. ;O ócio é tido como errado em nossa época, quando ele é de extrema importância para o nosso desenvolvimento. Concentração demais também pode ser prejudicial, porque o cérebro não suporta;, frisa Mariana Kneese Flaks.

Se momentos de ócio são importantes para os adultos, no caso das crianças, eles são fundamentais. De acordo Mariana, as agendas em série que os pais insistem em manter com seus filhos ainda não demonstraram seus verdadeiros prejuízos. ;Mas é certo que eles vivem sob maior tensão e há riscos de que os casos de depressão aumentem;, alerta.

O poder da informação

Para muita gente, as formas rápidas de se obter informação trouxeram um poder maior de concentração. O professor da Universidade de Brasília Mamede Lima Marques, PhD em lógica aplicada à computação e diretor do Centro de Pesquisa em Arquitetura da Informação, faz parte desse grupo. Para ele, a facilidade no acesso à informação não traz prejuízo ao aprendizado. ;Pelo contrário, hoje tenho uma capacidade pedagógica fantástica. As dúvidas, inclusive as minhas, são esclarecidas na hora e sou levado a um grau de questionamento enorme, fundamental para o meu crescimento como professor.;

Mamede lembra que jamais, em toda a história, foi produzido tanto conteúdo, mas ressalta que ainda é o ser humano quem o controla. ;Essas informações não estão acessíveis a todo mundo. Você só acessa as que lhe interessam. Apesar de produzirmos quantidades gigantescas, elas não estão aí sendo jogadas goela abaixo de quem quer que seja.;

Cunhada pela autora e consultora Linda Stone, o termo ;atenção parcial contínua; reproduz bem essa angústia de se viver cercado por informação por todos os lados. De acordo com essa expressão, a humanidade convive agora com uma sensação artificial de crise. Segundo Linda Stone, o estado de alerta total não descansa, o que era de grande valia quando os seres humanos viviam nas cavernas, sob o olhar de predadores. Porém, traz grande dificuldade de concentração quando esses predadores se tornam, por exemplo, e-mails não lidos.

Para a arquiteta de informação Sabine Araújo, a tecnologia, desde o telégrafo até o SMS, sempre esteve a favor da informação. Porém, ela acredita que há um mal-estar gerado pelo acúmulo dessa informação em todos as novas ferramentas e dispositivos criados. ;Um e-mail importante não lido pode te desconcentrar por horas a fio. É preciso parar o que se está fazendo e satisfazer esse desejo. Creio que essa foi a brecha que demos para que os dispositivos móveis ganhassem tanto espaço em nossas vidas. Nos tornamos imediatistas e impulsivos.; Sabine, que trabalha justamente tentando organizar o que é informado em sites, garante que todos eles são pensados a partir de um público-alvo e, com isso, tentam fazer com que a experiência seja máxima, sem que o foco se dissipe. ;O foco aqui é o usuário e suas necessidades.;

Maria Carolina tem uma agenda e dois bloquinhos em que anota todos os passos da sua vida: %u201CVejo o dia e vou distribuindo essas atividades%u201D

O bancário Fábio Popinigis, 30 anos, tentou buscar técnicas de concentração já criadas para montar a sua própria. Ele é adepto do GTD, ou Getting Things Done, metodologia criada pelo escritor David Allen no livro Getting things done: the art of stress-free productivity. ;O GTD é uma mentalidade, uma mudança de comportamento, de postura. Ele prega uma produtividade sem estresse. E a primeira coisa para eliminar esse estresse é tirar os problemas não resolvidos da sua cabeça, que não pode ser um depositório deles;, explica.
Em vez de trabalhar com o agendamento contínuo das tarefas, no GTD é priorizada a criação de listas que farão sentido dentro de um contexto, normalmente o da pessoa que buscou o método. ;Quando você tirar esses problemas da sua cabeça e os põe em um sistema, isso faz com que os pensamentos recorrentes, que envolvem problemas sobre os quais você não tem como fazer nada para resolvê-los naquele momento, não surjam em horas erradas;, resume Fábio.

Ele explica que, a partir do GTD, desenvolveu seu próprio sistema de organização, anotando tudo o que precisa fazer sem agendamento. ;Depois, decido o que vou querer fazer, se terei tempo, se será conveniente. O GTD te ajuda a mapear o seu tempo.; Apesar de existirem métodos, manter-se concentrado ainda é uma tarefa árdua. A ;doença do nosso tempo;, como classifica a neuropsicóloga Mariana Kneese Flaks a prática comum de não se terminar o que se começou, deve ser combatida com força de vontade.

;É preciso montar realmente uma agenda e se propor a quebrar as tarefas em partes que podem ser executadas, pois cada término vai gerar uma satisfação.; Para a neuropsicóloga, outro ponto chave é sempre fazer uma tarefa de cada vez e parar a cada duas horas, para não sobrecarregar o cérebro. Ou, na opinião aa economista Agnes Maria de Aragão Costa, que não reclama da vida atribulada, sempre procurar fazer o que se gosta.

Deixando sempre para depois
Por que terminar aquele relatório se você pode passar alguns minutinhos no Twitter? Por que ler aquele capítulo para a prova se a conversa está tão boa no MSN? Desculpas para procrastinar não faltam. Analise quais são os motivos que lhe leva a não se concentrar no que é preciso ser feito para poder trabalhar melhor e se tornar mais produtivo.

1. Organização ineficiente do tempo.
2. Dificuldade de concentração.
3. Medo e ansiedade em relação à tarefa que deve ser executada.
4. Sensações negativas de que não seremos bem sucedidos.
5. Problemas pessoais, que vão dos problemas financeiros à vida amorosa.
6. O fato de acharmos a tarefa tediosa.
7. Expectativas irrealistas e a busca pela perfeição.
8. Medo do fracasso.

Fonte: A arte da concentração, de Harriet Griffey, Editora Larousse

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