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A ciência a favor da vida

Óvulos congelados, espermatozoides pinçados manualmente, embriões analisados em laboratório. Conheça os desafios e os avanços na realização de um sonho até poucos anos impossível: a gestação de um bebê mesmo quando um dos pais tem problema de fertilização

Flávia Duarte
postado em 28/01/2011 19:22

Fascinante o poder da ciência em combinar fórmulas, medicamentos, equipamentos superpotentes e a inteligência humana para iniciar uma vida fora do corpo. A mudança de cenário da fecundação natural de um óvulo por um espermatozoide ; que deixa de ser no ventre materno para a se encontrar em uma placa de vidro, dentro de um laboratório ; criou o conceito de fecundação in vitro (FIV) há mais de 30 anos. Naquele ano de 1978 nascia Louise Brown, na Inglaterra, mostrando ao mundo que as limitações fisiológicas do corpo não impediam a reprodução da espécie.

O feito foi o divisor de águas na reprodução assistida. Na prática, são todas as técnicas que permitem a gravidez em mulheres que, por razões diversas, não podem gerar espontaneamente um bebê. De lá para cá, a medicina reprodutiva não parou de pesquisar e encontrar formas que garantissem ao casal a realização do sonho de construírem uma família.

Nesse processo, o movimento de espermatozoides foi acelerado; o DNA dos gametas masculinos, decifrado; os embriões submetidos a biópsias; os óvulos, congelados ; e, depois de anos, descongelados para se transformarem em uma criança. Famílias até então improváveis se formam a cada dia: são os filhos de casais homossexuais; os filhos gerados pela tia ou pela avó. A evolução dos tratamentos permitiu ainda adiamento da maternidade, preservação da fertilidade e produção independente com pai ;comprado; em um banco de sêmen.

Na fantástica fábrica de bebês de proveta, médicos especializados em reprodução humana, geneticistas e biólogos fazem parte das equipes multidisciplinares espalhadas pelo mundo que tentam garantir a produção de embriões tão saudáveis que, ao serem implantados no útero, não terão outra alternativa a não ser gerar mais uma vida.

O desafio
A possibilidade de unir óvulo e espermatozoide por meio de injeções e soluções em laboratórios já é dominada pelos cientistas há décadas. A FIV continua a mais revolucionárias das técnicas na garantia da reprodução fora do sexo. E uma das mais usadas também, já que não são poucos os casais que precisam de um médico para ter um bebê. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 15% dos casais brasileiros apresentam problemas de fertilidade na idade reprodutiva, entre 17 e 55 anos. Isso que dizer que não conseguem engravidar após um ano de vida sexual ativa, mesmo sem uso de métodos contraceptivos. Nesse caso, é necessário recorrer a uma das técnicas de fertilização.

O desafio agora é aumentar os índices de sucesso da gestação que começa no consultório médico. Hoje, a chance de um resultado positivo de gravidez após uma fertilização assistida é de 50% em mulheres com menos de 30 anos. O êxito diminui com o avanço da idade da paciente e, consequentemente, o envelhecimento dos óvulos. Depois dos 30, o número de mulheres que engravidam a cada implantação de um embrião é de 40%. Acima de 40 anos, as estatísticas caem para 15%.
Para solucionar tais questões e aumentar a probabilidade de acertos, os cientistas se dedicam a criar mecanismos que selecionem os gametas e os embriões mais promissores, com mais chances de se fixar no útero. Outra meta no caminho do sucesso da fertilização é interromper a perda de qualidade dos óvulos com o passar dos anos. Para isso, surgem técnicas cada vez mais modernas de congelamento de óvulos.

Enganando o relógio

O congelamento dos seus óvulos ajudou Juliana a realizar o sonho dela e do marido, André: mãe de Felipe, ela agora espera a chegada de Lucas
Uma das grandes dificuldades a ser superada para solucionar os problemas da infertilidade feminina está relacionado a uma premissa irrevogável da natureza: o envelhecimento do corpo humano. Com os óvulos não é diferente. Na puberdade são produzidos todos os óvulos que pertencerão à mulher durante toda a idade reprodutiva. Com o passar do tempo, eles envelhecem também. Isso quer dizer que depois dos 35 anos as chances de uma mulher engravidar naturalmente reduz gradativamente.

Para a fertilização in vitro, o fato representa um obstáculo a mais. Para burlar o relógio biológico, criou-se há cerca de 12 anos a possibilidade de congelar os óvulos retirados ainda na idade fértil adequada, garantindo que eles estejam jovens a qualquer altura da vida. Os primeiros testes de congelamento de óvulos foram feitos há mais de uma década, mas não deram tão certo. Isso porque essas células têm água e, com o congelamento, criavam gelo e estouravam.

De cinco anos para cá, porém, as técnicas de congelamento rápido em nitrogênio e a baixíssimas temperaturas permitem a eficiência do processo e aumentam as esperanças das mulheres que desejam ser mães com mais idade. A capacidade de fertilização desse material quase não é comprometida atualmente. O primeiro nascimento proveniente de um óvulo congelado foi em 1984 e o procedimento é cada vez mais usado.Até 2009, cerca de 900 crianças haviam nascido em todo mundo pela criopreservação dos gametas femininos.

Deixar os óvulos congelados por tempo indeterminado soluciona algumas questões que atormentam profissionais e pacientes da reprodução assistida. Ao contrário de congelar embriões que lotam as clínicas de fertilização, e ainda não têm um destino definido, o congelamento de óvulos simplifica tais questões. ;Colhemos os óvulos e fertilizamos só o que queremos. O óvulo pode ser descartado, doado, sem implicação ética e moral;, avalia o ginecologista Carlos Gilberto Almodin, diretor da Materbaby Reprodução Humana e Genética de Maringá (PR), especialista em criopreservação de gametas.

Como não há prazo de validade, os óvulos excedentes que forem congelados durante um processo de fertilização poderão ser doados e até guardados para que a dona use em uma nova tentativa de engravidar. Foi o que aconteceu com a enfermeira Juliana Simão, 33 anos. Ela exibe orgulhosa um barrigão de 5 meses de gravidez. Lucas é fruto de uma fertilização em vitro, a partir de um óvulo congelado.

É que há quase dois anos Juliana iniciou o tratamento para engravidar. A infertilidade era aparentemente resultado de um quadro de ovário policístico. Tentou três inseminações e nada. A solução foi recorrer à FIV. Nessa técnica, os óvulos são retirados do corpo da mulher. Juliana produziu 11. Uma parte foi descartada, outra implantada e cinco foram congelados.

Do primeiro tratamento nasceu Felipe, hoje com 1 ano e cinco meses. Os demais ficaram preservados em tubos de nitrogênio. Ano passado, Juliana voltou à clínica para implantá-los com uma nova fertilização in vitro. Deu certo. ;É um tranquilidade saber que os óvulos serão congelados e você não precisa passar por todo o processo de estimulação novamente;, comenta a enfermeira.

A preservação dos óvulos congelados, segundo Carlos Almodin, é indicada ainda para garantir a fertilidade feminina em casos de histórico de menopausa precoce; para as mulheres que passarão por tratamentos de câncer, que destroem os gametas; ou nos casos em que se deseja adiar a maternidade com segurança.
Preservar os ovários também é possível atualmente. Almodin foi o primeiro no Brasil a realizar a criopreservação de tecidos germinativos dos ovários e recuperar a fertilidade da mulher após o transplante de tecido ovariano. Na prática, retiram-se fragmentos do tecido que produz os óvulos e se congela o material. Depois, faz-se o transplante para que voltem a produzir as células normalmente.

O procedimento também é indicado nos casos de câncer ou tratamentos esterelizantes. ;Os fragmentos congelados poderão retornar à pessoa, após findado seu tratamento, em forma de transplante, ou serem cultivados em laboratório e realizada a fertilização in vitro com a transferência de embriões;, explica o especialista.

Seleção microscópica
Como chegar ao embrião ideal, com maiores chances de vingar? É justamente essa a grande dificuldade enfrentada pelos especialistas em reprodução humana, como acredita o ginecologista Adelino Amaral, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. ;Estamos em busca de mecanismos para conseguir fazer com que o embrião grude no útero. Muitas vezes, a gestação não dá certo por causa de alterações do próprio embrião;, avalia o especialista.

Uma das maneiras de evitar a implantação de embriões de má qualidade, com menos chances de sobreviver, é o chamado diagnóstico genético pré-implantacional. Nesse exame, é feita uma biópsia do embrião para avaliar se não há nenhuma anormalidade cromossômica. Atualmente, a análise é feita no terceiro dia de desenvolvimento embrionário, em que é possível avaliar de 5 a 12 pares de cromossomos já disponíveis nesse estágio. Isso permite diagnosticar problemas como síndrome de Down, distrofia muscular, hemofilia e outras anomalias genéticas.

O próximo passo, porém, é aumentar a varredura cromossômica ainda em laboratório e analisar os 23 que compõem o DNA humano. ;Hoje, por meio desse exame feito no terceiro dia, encontramos a metade dos embriões com alterações. Acreditamos que uma célula com apenas três dias não é representativa, pois, devido à alta divisão, células com defeitos são eliminadas. A meta é fazer a biópsia do embrião no quinto dia, quando ele vira blastocisto. Aí podemos estudar todos os cromossomos com mais segurança;, explica Adelino. O blastocisto tem o dobro de chances de vingar do que o embrião implantado dois dias antes. ;O problema é que a técnica ainda é nova, além de atualmente os custos serem elevados;, acrescenta o médico.

Os números reforçam a preocupação dos médicos em selecionar os melhores embriões que serão colocados no útero. ;Com um embrião geneticamente saudável, a chance de gravidez seria de 70%;, garante Adelino. De quebra, a seleção ainda diminuiria o risco de gestação múltipla, já que seria usado apenas o embrião de qualidade. Não seria necessário implantar vários para torcer pela sobrevivência de pelo menos um.

Além do estudo de todos os cromossomos embrionários, outra promessa para ajudar no processo de análise das células é um aparelho chamado embrioscópio. ;Essa ferramenta permite uma melhor avaliação da qualidade dos embriões durante o período em que estão no laboratório. O desenvolvimento das células ocorre dentro de incubadoras, que mantêm as condições ideais para o seu crescimento. Mas ainda não está disponível no Brasil. Talvez chegue no segundo semestre de 2011, já que seu custo é elevado;, explica o médico Arnaldo Cambiaghi, especialista em reprodução humana.

Assim, o embrioscópio monitorará o desenvolvimento dos embriões, o ritmo da divisão celular e o consumo de oxigênio das células. Será possível detectar qualquer falha na evolução celular e não é preciso abrir a incubadora para acompanhar o processo. Aliás, os embriões são fotografados a cada 20 minutos e são avaliados com a ajuda de softwares. Isso tudo para garantir as escolha dos mais promissores. A seleção feita pelo equipamento aumenta em até 20% as chances de sucesso da FIV, reduz o risco da gravidez múltipla e de aborto.

E não para por aí. Ginecologista especialista em reprodução assistida e diretor científico da Sociedade de Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), o médico Edilberto de Araújo Filho lista mais um equipamento que colabora com a missão quase divina da seleção de embriões em laboratório. O nome da aparelho é Metabolas ; referência ao papel que ele tem de dosar os metabólitos, substâncias produzidas pelos embriões durante o processo in vitro. ;Certos metabólitos parecem estar presentes em maior quantidade nos embriões que têm melhor potencial de implantar. O aparelho ajudaria a identificar aqueles ideais, com mais chances de dar certo;, esclarece o médico.

Uma gestação de anos

Luciano nasceu depois de quatro anos de espera dos pais por um tratamento de fertilização

A notícia de que não poderá ter um bebê naturalmente, ou de que não há nenhuma chance de fazê-lo independentemente dos recursos da Ciência, abala o emocional do casal que sonha em construir uma família. ;Os tratamentos são muito desgastantes. A infertilidade abala a autoestima; há o medo de perder o companheiro; de não conseguir ter um filho e a rotina sexual perde a espontaneidade;, comenta Luciana Leis, psicóloga especialista no atendimento de casais inférteis. ;A isso somam-se a incerteza se vai dar certo ou não e o investimento financeiro;, afirma.

Aliás, o valor do tratamento varia de 8 a 15 mil reais por tentativa nas clínicas particulares. A alternativa para quem não tem condições financeiras é adiar o sonho ou enfrentar as longas filas dos hospitais públicos que oferecem o tratamento gratuitamente. ;É direito maior do ser humano perpetuar-se por meio da reprodução da espécie. É dever do Estado garantir isso;, afirma a médica Rosaly Rulli, coordenadora de Reprodução Humana da Secretaria de Saúde.

Em Brasília, o Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) foi o primeiro do país a criar o Centro de Reprodução Humana Assistida mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), há 11 anos. As pacientes chegam ali encaminhadas pelos postos de saúde e hospitais regionais. Cada uma tem direito a duas tentativas. É torcer para dar certo. Na fila estão mulheres que não conseguem ter filhos por causa da laqueadura precoce, danos causados pela endometriose diagnosticada tardiamente, consequência de doenças sexualmente transmissíveis ou fatores ovulatórios. Às vezes elas possuem o problemas, outras vezes, o companheiro. No fim, o problema se torna dos dois.

Mas antes terão de esperar. O desejo de uma gestação que dura anos. Doutora Rosaly conta que, até 2007, a espera era de cinco anos para o casal se submeter ao tratamento. Hoje, a média varia entre três e quatro anos. Uma espera que pode custar o sonho, já que a fertilidade dos óvulos diminuem com o passar dos anos.Para reverter a situação, o setor de Reprodução Humana do HRAS está em reforma. Melhores espaços e novos equipamentos. Também vai aumentar o número de atendimentos. Atualmente atendem-se 12 a 15 casais por mês que fazem fertilização e 10 que se submetem à inseminação. Para esse ano, a meta é aumentar para 20 e 15 atendimentos, respectivamente.

Menos espera, maiores as chances de o tratamento dar certo. A bancária Lúcia Regina Souza Cruz, 37 anos, quase perde a oportunidade de engravidar pelo tratamento custeado pelo governo. Vítima de uma infecção generalizada, ela teve de retirar as trompas em 1997. O útero foi preservado. Ainda assim pensou ter perdido a oportunidade de experimentar a maternidade. Casada desde 2002, tem duas enteadas. Para ela, se o bebê nunca viesse, seria madrasta apenas.

Mas a vontade de gerar um bebê falou mais alto e decidiu tentar. Recorreu a uma fertilização in vitro. O tratamento particular era inviável. Procurou o hospital de Taguatinga, onde mora. Um ano se passou até ser encaminhada ao HRAS. Depois, enfrentou mais quatro anos de espera até começar a se tratar. ;Só que nessa época meus hormônios já estava muito alterados e as chances da gravidez eram menores a cada ano. Quando consegui a fertilização, a médica achou que não daria certo e só meu deu uma chance de implantar;, comenta.

Lúcia produziu poucos óvulos como foi esperado para sua idade Apenas três, quando a média de uma mulher mais jovem é de seis a oito. Desses, apenas um embrião foi considerado saudável. Só ele foi implantado. As chances eram mínimas. Mas deu certo. Luciano completa 7 meses para felicidade dessa mãe que, se não fosse pela reprodução assistida, jamais teria um bebê biológico nos braços.

Se a fertilização não tivesse dado certo, a bancária ainda teria outra escolha. Poderia ter um bebê metade com material genético do marido e a outra metade de uma doadora. ;Nos casos em que a mãe não produz mais óvulos ou não tem bons, recomendamos a ovodoação;, diz a médica Rosally. A doação de óvulos é permitida por lei desde que a doadora não seja da família. Em geral, as pacientes que produziram muitos óvulos durante o tratamento de fertilização podem doar espontaneamente para as que não tiveram a mesma sorte.

Um pai sob encomenda

Companheiras há nove anos, Ana e Sara recorreram a um banco de esperma para que Ana pudesse gerar MiguelE quando existe o óvulo, mas falta o espermatozoide? A solução para mulheres que desejam fazer produção independente, para casais de mulheres homossexuais ou para casais hetero, cujo homem não consegue produzir nenhum espermatozoide ou poucos de qualidade, é recorrer aos chamados bancos de sêmen.

O congelamento dos gametas masculinos é prática antiga, desde a década de 1950. Hoje, há bancos específicos para a ;encomenda; de espermatozoides no caso de infertilidade. É só escolher, por intermédio da clínica de fertilização, e eles são enviados para qualquer canto do país. No Brasil, são poucas as ofertas. Um dos maiores ; e pioneiros ; é o Pro-seed, em SãoPaulo, dirigido pela especialista em fertilização humana Vera Beatriz Fehér Brand. Ela tem para oferecer uma lista com cerca de 30 doadores apenas. A dificuldade de ampliá-la, explica, é a falta de voluntários. Os que aparecem nem sempre são aprovados para fazer a boa ação.

;Cerca de 65% dos candidatos são excluídos. Eles passam por uma série de exames clínicos, por uma entrevista para saber o histórico da saúde pessoal e familiar. Também fazemos um levantamento das doenças hereditárias e contagiosas da pessoa;, esclarece Vera. ;Ainda fazemos uma avaliação mental.; Em geral, os aprovados são homens acima dos 30 anos ; embora a partir dos 18 todos os saudáveis podem ser doadores. A motivação de doar o próprio sêmen? ;Boa parte são doadores de órgãos, de sangue, fazem trabalhos voluntários ou conhecem alguém da família que teve problema de fertilidade. Querem mesmo ajudar;, conta Vera.

Para preservar o anonimato, os doadores viram números. Suas características vão para fichas que contêm informações como cor da pele, dos olhos, do cabelo, altura, peso, o tipo sanguíneo. Além disso, deixa registrados a profissão e os hobbies. Nada mais. Com essa apresentação rápida e direta, as mães têm apenas dois dias para escolher o pai biológico de seus filhos. O primeiro passo é tentar escolher alguém com o biotipo semelhante ao do marido. Se a mãe for solteira, a regra é escolher alguém mais parecido com ela, com a família ou com o pai que gostaria que o filho tivesse. ;Não podemos colocar mais informações para preservar o anonimato do doador;, explica Vera.

A objetividade deixou Ana e Sara (nomes fictícios) inseguras. ;Você não sabe se a pessoa tem alguma doença, algum transtorno mental, por exemplo;, diz uma delas. Elas vivem juntas há nove anos e sonhavam em ser mães. Sim, as duas, cada uma com 39 anos, queriam engravidar. Homossexuais, a alternativa foi recorrer a um banco e escolher o doador com aparência o mais próximo possível delas. Quando as cerca de 30 fichas de possibilidades chegaram. Quem escolher?
Eleger o sêmen ideal é de fato uma decisão difícil.

;Chegamos inclusive a olhar nos bancos estrangeiros. Lá, você tem mais informações sobre o doador e acaba se sentindo mais segura. Tem antecedentes médicos, a idade com que os pais e os avós morreram. Alguns colocam fotos de quando eram pequenos, escrevem uma carta de próprio punho. Há doadores que gravam a voz e têm os que autorizam os filhos biológicos a conhecê-los quando completarem 18 anos;, lista Sara. Mas a burocracia para importar o sêmen era tão grande que desistiram.

Feita a opção pelo banco brasileiro, Ana fez a fertilização in vitro e engravidou. Nasceu Miguel (nome fictício) com os olhos dela e a cor da companheira (resultado da escolha ideal do sêmen). O bebê está com 5 meses e suas mães partem para novo desafio. Elas já reservaram o sêmen do mesmo doador. Agora é a vez de Sara tentar engravidar de um irmãozinho de Miguel. ;A gente até pensou em usar o óvulo de uma e implantar na outra. Mas preferimos que cada uma gerasse um bebê;, explica. Ela passou pela fertilização recentemente, mas ainda não deu certo. Quando der, a família, que era improvável, vai crescer, graças aos avanços da medicina.

Empresta o seu útero?

Denise aos 3 anos: a garota, hoje com 11, foi gerada na barriga da tia e se orgulha de sua históriaImagine a seguinte situação: você está grávida de seis meses de seu primeiro filho. Certo dia sente uma dor, tem um descolamento de placenta, corre para o médico. É sedada, passa por uma cirurgia. Ao acordar, recebe a seguinte notícia: perdeu o bebê, perdeu o útero e a chance de engravidar novamente. A história é real e vivida por Joana, 44 anos, que prefere não dizer o sobrenome.

;Tentei não pirar. Se não podia mais gerar um filho, tinha que aprender a conviver com essa realidade;, lembra. Superada a dor, não desistiu de ser mãe. Pensou em adotar. Até que a ginecologista ofereceu uma outra opção. Por que não pedir emprestado o útero de uma mulher com quem tivesse parentesco de até segundo grau, como permite a resolução do Conselho Federal de Medicina? É a chamada gestação de substituição, popularmente conhecida como ;barriga de aluguel;, ainda que seja proibida qualquer troca de dinheiro pelo empréstimo do útero.

Joana não tinha mais sua mãe. Só uma irmã. E foi para ela que ligou para fazer a proposta. A irmã aceitou na hora. Deixou os três filhos pequenos no Piauí e veio para Brasília se submeter a exames e fazer a fertilização. Joana tomou medicamentos para estimular a produção de óvulos. A irmã dela também foi medicada para preparar o útero para receber a sobrinha.

Feita a fertilização do laboratório com o óvulo de Joana e o espermatozoide do marido dela, o embrião foi implantado na barriga da irmã. Por nove meses Joana acompanhou a gestação da filha na barriga de outra. ;Não deixava que fizesse nada em casa. Só ficava muito preocupada com ela porque percebia que sentia muita falta dos filhos.;

No dia do parto, Joana estava lá, como toda mãe ansiosa. A diferença é que não era ela quem estava na mesa de cirurgia. Acompanhou o parto ao lado da irmã. Denise nasceu bem e está prestes a completar 11 anos. Foi gerada pela tia. Sabe da história e se orgulha dela. Já entendeu que se não fosse o poder da ciência e o amor entre irmãs, não teria nascido.

Infértil, não impotente!
Quando o assunto é infertilidade não há culpados. A maratona do tratamento deve ser compartilhada pelos dois. Afinal, ambos terão de passar por uma série de exames, em alguns casos deverão tomar medicamentos e podem até se submeter a cirurgias. Mas quando o diagnóstico é resultado de algum problema masculino, a resistência ainda é grande. Muitos associam a infertilidade à impotência. ;Temos casos de casais em que mulheres já fizeram todos os exames, alguns até invasivos, e o homem se recusa a fazer o primeiro espermograma;, comenta o médico Sandro Esteves, diretor do Androfert (Centro de Referência em Fertilidade Masculina), em Campinas, e especializado em infertilidade masculina e andrologia.

Não raro eles apresentam algum problema de fertilidade. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), quando um casal não consegue engravidar, 40% é dificuldade da mulher, outros 40%, do homem e o restante, dos dois ou não há causa definida. Isso quer dizer que eles também precisam de atenção se o bebê não vem. ;Por isso, prevenir é o melhor remédio. Parar de fumar, evitar a obesidade e usar vitaminas e antioxidantes ajudam a evitar a infertilidade nos homens;, alerta Sandro.

Entre as causas da dificuldade de ter um bebê, no caso deles, estão o número reduzido de espermatozoides ou a pouca mobilidade deles. Alguns homens até produzem os gametas, mas são defeituosos. Outros não produzem nada. Doenças como varicocele, infecções, falhas genéticas e malformações do sistema reprodutor podem ser causas da infertilidade masculina.

Diagnosticado o problema, é hora de tratar. Atualmente, há cirurgias e tratamentos para otimizar os espermatozoides e garantir o sucesso da fertilização in vitro. A chance de gravidez de um casal aumenta de acordo com a qualidade dos gametas usados no processo de fecundação. Por isso, um dos desafios é escolher, no sêmen de baixa qualidade, os melhores espermatozoides, com mais chances de fecundar o óvulo. Uma das maneiras é avaliar o material genético do espermatozoide. ;Usamos substâncias corantes que entram na cabeça do gameta e apontam as falhas no material genético dele. Em alguns casos, é possível tratar o problema e, mesmo que vá para a reprodução assistida, o resultado é melhor porque selecionamos os melhores;, explica Sandro Esteves.

Até alguns anos atrás uma das únicas forma de escolher esse espermatozoide era por meio do espermograma, no qual são avaliados o número, o formato e a mobilidade dos gametas masculinos. A tese é a de quanto mais severa a anormalidade morfológica, maior a incidência das alterações genéticas dos espermatozoides. O que se conseguia era ampliá-los em até 400 vezes de tamanho. Os selecionados, eram usados na reprodução assistida.

Agora, a escolha pode ser mais fácil. Uma nova técnica tem sua eficiência testada. Foi batizada com o nome de Injeção Intracitoplasmática de Alta Magnificação ou simplesmente Super ISCI. ;Trata-se de um equipamento capaz de ampliar em até 12.500 vezes o tamanho do espermatozoide. Nada mais é que um microscópio grande, com uma lente muito poderosa, e um programa de computador acoplado, que é capaz de ver o núcleo do espermatozoide e enxergar lesões impossíveis de serem vistas normalmente. Com isso, o embriologista escolhe os melhores;, garante o ginecologista Edilberto de Araújo Filho, diretor do Centro de Reprodução Humana de São José do Rio Preto e diretor científico da Sociedade de Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp).

Mais visíveis e melhor analisados, mais chance de a fertilização dar certo. Mas e quando o homem não produz espermatozoides? Ainda nesses casos há uma esperança. Às vezes, o homem não elimina os gametas pela ejaculação, mas os fabrica em pequenas quantidades. A solução é fazer uma cirurgia para buscá-los dentro do testículo (leia depoimento). ;A microdissecção é uma pequena cirurgia. Vamos dentro do testículo, fazemos uma abertura e, com o uso do microscópio, descobrimos se há ou não uma ilha de produção de espermatozoides. Se você encontra algum, tem 40% de chance de engravidar;, explica o médico Sandro Esteves.

DEPOIMENTO
Não havia nenhum espermatozoide em meu exame

Óvulos congelados, espermatozoides pinçados manualmente, embriões analisados em laboratório. Conheça os desafios e os avanços na realização de um sonho até poucos anos impossível: a gestação de um bebê mesmo quando um dos pais tem problema de fertilização;Após seis meses de casado, eu e minha mulher resolvemos ter um bebê. Tentamos um ano pelos métodos naturais e não obtivemos sucesso. Minha esposa procurou o médico e entre os exames pedidos havia um espermograma que eu deveria fazer. A princípio recebi a notícia com uma certa resistência, não queria fazer o exame. Era como se soubesse que havia algum problema.

Quando finalmente fiz o exame, o laboratório me ligou para que eu o repetisse. Estavam intrigados com o número de espermatozoides encontrados. Depois de muita insistência da minha mulher, fiz novamente, mas em outro laboratório. Achei que o resultado era algum erro cometido por eles. Foi quando recebemos a notícia de que não havia nenhum espermatozoide em meu exame, nenhum mesmo. Isso foi uma bomba em meus sonhos. Sempre quis me casar, ter filhos e constituir uma família..

Procuramos uma clínica de fertilização. O médico foi muito realista: teríamos poucas chances de sucesso. Mas fizemos outros exames e, por meio de um deles, encontraram três espermatozoides. Segundo o médico, era como ganhar na loteria. Tínhamos uma esperança: gerar um bebê em vitro, retirando os espermatozoides através da microdissecção testicular. A principio fiquei apavorado, pois sabia que teria que fazer uma microcirurgia no testículo. Me informei na clínica se alguém já tinha feito e me disseram que era um processo muito tranquilo.

Quando chegou o grande dia, em dezembro do ano passado, juro que minha vontade era de fugir da clinica, desistir. Mas minha mulher foi me encorajando e, quando vi, já estava na sala de cirurgia. Fiquei muito emocionado quando recebi a notícia de que a cirurgia tinha sido um sucesso,me sentia bem e sem dor. Após três dias, estava recuperado. Conseguimos quatro embriões, que foram transferidos para minha esposa. Depois de 12 dias, recebemos a notícia de que estávamos ;grávidos;. Hoje, minha mulher está com sete semanas de gestação e não existem palavras para explicar a nossa felicidade.;
Renato Crescimano tem 30 anos, é professor e casado com Adriane há três anos.

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