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Uma história feminina

O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma

postado em 03/03/2011 18:24

Carolina Samorano / Especial para o Correio

Da primeira mulher a ser eleita para um cargo político, a deputada federal Carlota Pereira de Queirós, até a primeira presidente do país, Dilma Roussef, passaram-se 76 anos. Dilma sequer tinha nascido quando Carlota dava um dos mais importantes passos da luta da mulher brasileira por um cantinho que pudesse chamar de seu na política, no mercado de trabalho, nos bancos das universidades, dentro de casa; Essa briga não foi Carlota a primeira a comprar ; nem sabemos ainda quem será a última. Mas ela está descrita ponto a ponto em milhares de livros espalhados por prateleiras empoeiradas das bibliotecas brasileiras. Briga de Carlotas, Anas, Marias e Madalenas para as quais, de alguma forma, Dilma, que hoje fala em nome não das mulheres, mas de 190 milhões de pessoas, deve alguma coisa.

São mulheres que arrumaram uma forma, por vezes sutil, por outras nem tanto, de desafiar valores culturais e enfrentar paradigmas numa época em que mal cabia a elas o direito à voz e às letras. Algumas conhecemos de nomes de escolas, ruas, praças, museus. Outras deixaram seu legado às conquistas femininas, não só as políticas, e retiraram-se pelas portas dos fundos, sem fazer alarde nem colecionar homenagens ou fotografias em livros e jornais. Todas, no entanto, deram a sua contribuição para que Dilma chegasse onde está hoje. E, ainda assim, o caminho até uma igualdade que vá além daquela escrita em leis deve render uma boa caminhada e outras tantas prateleiras empoeiradas de história, garantem historiadoras, cientistas políticas e sociólogas. ;O fato de termos uma presidente mulher não significa que a sociedade deixou de ser centrada em valores sexistas fortes. E isso não é explícito, porque faz parte do imaginário social;, opina a professora de ciências sociais da Universidade de Brasília (UnB) Lourdes Bandeira, especialista em questões de gênero. ;Há uma resistência enorme até para se escrever ou dizer ;presidenta; no lugar de ;presidente;, ou seja, é difícil mesmo feminilizar o cargo;, completa a professora de história também da UnB Tânia Navarro.

Na terça-feira, Dia Internacional da Mulher, mais que flores e bombons, é delas também que devemos lembrar. Nas próximas páginas, a Revista faz uma busca pela nossa história e homenageia a era ;a.D; (antes de Dilma). Aqui, são apenas 20. Mas que falam em nome de milhares outras tão importantes quanto. ;Não é porque as coisas ainda não são ideais que não temos motivos para comemorar. Temos sim, e muito. Demos grandes passos até aqui;, sublinha a pesquisadora do Instituito Patrícia Galvão Schuma Schumaher.

Madalena Caramuru (século 16)
Quando estudar ainda não pertencia nem de relance ao universo feminino, a índia Madalena aprendeu a ler e a escrever e tornou-se a primeira mulher alfabetizada do Brasil. Era filha de Caramuru com Catarina Paraguassu e casou-se com um português que incentivava seus estudos. Em 1561 escreveu uma carta ao bispo de Salvador pedindo o fim dos maus-tratos contra as crianças escravas, sendo assim considerada também pioneira na luta pelos direitos humanos no país. No texto, ela denunciava os traficantes de escravos por desejarem a morte rápida dos meninos negros e lamentava que a Bahia tivesse deixado de ser "berço de uma geração tão pura" para ser vítima dos negociantes negreiros.

Maria Quitéria (1792 ; 1853)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Os brasileiros também tiveram sua Joana D;Arc para lutar pela independência. É assim considerada a baiana Maria Quitéria, militar heroína da Guerra da Independência. Quando as agitações pró-independência começaram, Maria estava noiva e, mesmo proibida pelo pai, fugiu, cortou os cabelos, vestiu-se de soldado e foi até Cachoeira, onde alistou-se no Regimento de Artilharia com o nome de Medeiros. Com facilidade no manejo das armas e de reconhecida disciplina, lutou até a vitória e foi recebida com festa pelo povo e pelo Imperador quando a guerra terminou. Em 1996 um decreto da Presidência da República reconheceu Maria Quitéria como Patrono do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.

Nísia Floresta (1810 ; 1885)

Nísia Floresta Brasileira na verdade era Dionísia Gonçalves Pinto, educadora, escritora e poetisa. Nísia foi provavelmente a primeira mulher a publicar textos em jornais, num tempo em que mal existia imprensa no Brasil, e pioneira do feminismo no país. Em 1831 já falava sobre a condição feminina em seus artigos e, um ano depois, publicou Direitos das mulheres e injustiça dos homens, inspirado no livro da feminista inglesa Mary Wollstonecraft Vindications of the rights of woman. Não existem na América Latina registros anteriores de publicações com ideias feministas. Nísia ainda fundou e dirigiu um colégio de moças no Rio de Janeiro, onde ensinava de forma revolucionária para a época.

Ana Néri (1814 ; 1880)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Primeira enfermeira voluntária brasileira. Já viúva, Ana ficou inconformada com a convocação dos três filhos e do irmão, major Maurício Ferreira, à Guerra do Paraguai. Conseguiu o direito de acompanhá-los como voluntária de enfermagem e trabalhou dias e noites, ininterruptamente, nos hospitais militares e de frente de operações. Montou na capital Paraguaia, ocupada pelo Exército brasileiro, uma enfermaria-modelo, apesar dos poucos recursos financeiros. Ana perdeu um dos filhos na Guerra e, ao voltar ao Brasil, foi recebida com grandes homenagens, como a Medalha Geral de Campanha e a Medalha Humanitária de primeira classe, concedidas pelo Império, além de uma pensão vitalícia com a qual educou quatro órfãos recolhidos no Paraguai. Por meio de um decreto, em 2009 Ana Néri entrou para o livro dos Heróis da Pátria.

Anita Garibaldi (1821 ; 1849)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Conhecida como "Heroína dos Dois Mundos", Anita foi companheira do taliano Giuseppe Garibaldi durante a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Filha de uma família simples de Lages, Anita casou-se com apenas 14 anos, mas pediu o desquite três anos depois, quando o marido alistou-se no exército imperial. Foi na tomada do porto de Laguna, em Santa Catarina, que conheceu Giuseppe, a serviço da República Rio-Grandense. Apaixonada pelo italiano, Anita juntou-se a ele nos combates pelo sul do país e em Montevideo. Juntos, tiveram quatro filhos. Morando na Itália com a família e Garibaldi Anita chegou a engravidar do quinto, mas morreu no parto junto com o bebê. Anita é considerada exemplo de coragem e dedicação aqui e na Itália. As cidades de Anita Garibaldi e Anitápolis, em Santa Catarina, são homenagens à heroína.

Elas e o poder
A eleição de Dilma Roussef para a Presidência não é necessariamente um espelho da situação política do país. É por aí que vai o pensamento dos especialistas consultados pela Revista. Segundo o último rankeamento do Fórum Econômico Mundial, de outubro do ano passado, pouco antes da eleição presidencial, o Brasil ocupava apenas a 85; posição de um total de 134 países analisados. Quatro posições abaixo do levantamento anterior. ;É claro que a eleição de uma mulher é sempre um fator positivo;, avalia Teresa Sacchet, cientista política e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. ;Mostra que o eleitor não tem preconceito na hora de votar. Mas nos cargos proporcionais, para deputado e senador, essa realidade ainda não se aplica. Somos um dos países com a maior desigualdade nesse quesito. Só perdemos para o Panamá, que tem 0,4% menos mulheres no Congresso que nós;, compara.

De acordo com Teresa, a tomada dos espaços políticos pelas mulheres em pé de igualdade com seus opostos vai por um caminho um pouco mais complexo do que apenas eleger a primeira mulher à Presidência do país. As mulheres arrecadam bem menos dinheiro para campanha do que os homens, em média só 40% do total deles. Além disso, concorrer pelo sistema proporcional, como é hoje, também é desanimador. Elas reclamam que os partidos não cumprem as cotas femininas (no Brasil, de 30%) e, por sua vez, os partidos argumentam que não tem mulher o suficiente para preenchê-las. ;Ou seja, é também uma questão de educar mulheres para a política e de mudar esse cenário nas instituições partidárias para que elas se sintam motivadas a entrarem no campo. E ter uma mulher presidente é um grande passo para isso;, conclui.

Carlota Pereira Queiroz (1892 ; 1982)
Médica formada pela Universidade de São Paulo em 1926 com uma tese sobre o câncer. Carlota ganhou projeção ao organizar a Cruz Vermelha durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Se elegeu deputada federal por São Paulo em 1934 e foi assim a primeira voz feminina da História do Brasil a ser ouvida no Congresso Nacional. Durante seu mandato, brigou por melhorias educacionais e defendeu os direitos das mulheres e das crianças. Em 1937, com o golpe do Estado Novo, perdeu o mandato. Fundou em 1950 a Academia Brasileira das Mulheres Médicas e foi homenageada com um busto no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Princesa Isabel (1846 ; 1921) O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Antes de Dilma, a princesa havia sido a única mulher a governar o país. Com ideias liberais e na contracorrente dos conservadores escravocratas da época, Isabel uniu-se aos abolicionistas, ainda que muitos estivessem ligados ao movimento republicano. As últimas votações do projeto de abolição total aconteceram num domingo, 13 de maio de 1888. Isabel assinou a Lei Áurea com uma pena de ouro feita apenas para a ocasião, mesmo aconselhada pelo marido a não fazê-lo por medo de que esse pudesse ser o fim da monarquia no Brasil. No dia 28 de setembro do mesmo ano, Isabel recebeu do Papa Leão 13 a Rosa de Ouro, que simboliza o reconhecimento do pontífice por algum feito notável. Foi alfinetada pela elite cafeeira que dizia que ela havia perdido o trono com sua decisão. "Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar os escravos", respondeu certa vez.

Bertha Lutz (1894 ; 1976)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma

Considerada uma das maiores líderes da luta pelo direito ao voto feminino, foi na Europa que Bertha entrou em contato com o movimento feminista pela primeira vez, quando foi estudar ciências naturais em Paris. Em 1922 fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que serviu como uma espécie de base para movimento no Brasil. Foi eleita deputada federal suplente em 1934 e assumiu o mandato em 1936. Na Câmara, lutou por melhorias na legislação trabalhista em relação ao trabalho feminino e infantil, como redução na jornada, licença maternidade de três meses e igualdade salarial. Ficou no cargo até o fechamento das casas legislativas pelo governo no golpe do Estado Novo, em 1937.

Alzira Soriano (1897 ; 1963)
Foi em 1927 que o senador Juvenal Lamartine, do Rio Grande do Norte, apresentou um novo projeto de sufrágio universal, fazendo com que as mulheres do estado fossem as primeiras a desfrutarem de direitos políticos. Foi nesse contexto que, em 1928, Alzira Soriano, nascida na cidade de Jardim de Angicos, se elegeu aos 32 anos a primeira prefeita da América Latina pela cidade de Lages com 60 % dos votos, apesar das inúmeras ofensas sofridas durante a sua campanha por ser mulher. Tomou posse em 1929 e ficou no poder até a Revolução de 30, quando perdeu o mandato por discordar da ditadura de Getúlio Vargas. Voltou à cena política em 1947, quando se elegeu vereadora pela sua cidade natal.

Nise da Silveira (1905 ; 1999)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Alagona de Maceió, Nise foi uma das primeiras médicas do Brasil, sendo a única da sua turma entre os 158 alunos. Dedicou toda a sua vida à psiquiatria e é considerada pioneira da reforma psiquiátrica no Brasil. Destacou-se por ser radicalmente contra os agressivos tratamentos utilizados na época, como o eletrochoque, a internação em manicômios e a lobotomia. Em 1935 foi presa por sua militânica na organização comunista Aliança Nacional Libertadora (ANL), que tinha Carlos Prestes como presidente de honra. Em 1952 Nise fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, que armazena as obras produzidas pelos pacientes da Seção de Terapêutica Ocupacional, criado por ela no Centro Psiquiátrico Pedro II em 1946. Nise acreditava nas artes como a terapia "mais simples e mais eficaz" para entender a mente dos pacientes psiquiátricos.

Celina Guimarães Viana (1890 ; 1972)
Foi a primeira mulher da América Latina a alistar-se como eleitora. Inscreveu-se no Rio Grande do Norte em 1927 e, em 5 de abril de 1928, deu seu voto na cidade de Mossoró. O estado foi o primeiro a estabelecer no seu serviço eleitoral que não haveria mais distinção de sexo para o exercício do voto. Assim que a lei foi aprovada, várias mulheres pediram suas inscrições como eleitoras, mas, embora tenham comparecido às eleições de 1928, seus votos foram anulados pela Comissão de Poderes do Senado e somente quatro anos depois, com o Código Eleitoral de 1932, voltaram a ter o direito ao sufrágio. "Jamais pude pensar que, assinando aquele papel, meu nome entraria para a história", confessou anos depois.

Chiquinha Gonzaga (1847 ; 1935)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Ô Abre Alas, composição de 1899, ainda hoje embala bailes de Carnaval pelo país. Saiu do piano de Chiquinha, ou Francisca Edwiges Neves Gonzaga, a primeira marcha carnavalesca. Foi ela também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil e a primeira compositora popular, graças à sua imensa vontade de tirar das rodas sofisticadas o piano e levá-lo ao povo. Iniciou a carreira de compositora com apenas 11 anos, com a música natalina Canção dos Pastores. Casou-se aos 16 por imposição da família com o oficial da Marinha Jacinto Ribeiro do Amaral, mas pediu a separação algum tempo depois por não aguentar a ausência do marido e as restrições quanto ao seu envolvimento com a música. Seu maior sucesso foi a operata Forrobodó, de 1911, que chegou a 1,5 mil apresentações consecutivas. Chiquinha passou os últimos anos da vida com um rapaz 36 anos mais novo. Foram morar algum tempo em Portugal para despistar o falatório e o romance só foi descoberto após a morte da compositora.

Pulso firme
Se o campo da política é ainda um terreno pouco explorado pelas mulheres, não é de se estranhar que pioneiras na arte de governar um país como a ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher, por exemplo, ou a própria Dilma Rousseff sejam acusadas de adotarem comportamentos masculinos para se igualarem aos seus subordinados diretos. ;A verdade é que ser presidente exige tomar certas decisões com pulso firme. Ninguém chega à Presidência se fraquejar em determinados momentos. Essa acaba sendo uma exigência do cargo. O que não significa que força e mulher não estejam relacionados;, analisa Lourdes Bandeira. Outro ponto de impacto sobre o comportamento da mulher em cargos de poder é o que se espera dela quando ela chega lá.
;A cobrança é maior. Muitas vezes as pessoas elegem a mulher esperando que ela seja uma gestora muito mais competente do que os homens. E aí, como esse é um meio ainda dominado pela figura masculina, ela acaba adquirindo uma maneira de fazer política muito parecida com a dos homens, que tanto criticamos", observa Schuma Schumaher. Mas o que, afinal, diferencia então a política dos homens da que é feita ; ou deveria ser ; pelas mulheres? Uma maneira de se pensar sobre isso, de acordo com a pesquisadora, é lembrar que ao longo da história da mulher, coube a ela o papel de cuidar da família e se preocupar com o lado social. E aí possa estar não apenas expectativas, mas também um diferencial. "De alguma forma, eu espero que aquilo que em determinado momento da história fez das mulheres as chamadas ;do lar;, ou o ;sexo frágil;, seja o seu grande trunfo, de uma mulher que faça uma reviravolta e que essa experiência do cuidado faça dela uma excelente gestora", finaliza Schuma.

Leila Diniz (1945 ; 1972)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Começou como professorinha de um jardim de infância no subúrbio do Rio de Janeiro e terminou como símbolo da revolução feminina por ousar romper valores considerados invioláveis na época. Casou-se aos 17 anos com o cineasta Domingos de Oliveira, mas a relação acabou três anos depois. Após passar pelo cinema e atuar em telenovelas globais, conheceu o cineasta Rui Guerra, que seria o seu segundo marido. O maior rebu de Leila, no entanto, veio numa entrevista ao jornal O Pasquim em 1969 em que falou sobre como acreditava ser possível amar uma pessoa e ir para a cama com outra e que só não transava com mulheres porque "mulher não tem pau e eu gosto muito da coisa entrando em mim". Nunca uma mulher havia falado tão abertamente sobre sexo na mídia. Em 1971 desfilou grávida de biquíni pela praia de Ipanema causando espanto novamente na recatada classe média de então. No ano seguinte morreu vítima de um acidente de avião em Nova Délhi, no auge da carreira e com apenas 27 anos.

Dorina Nowill (1919 ; 2010)
Uma infecção ocular deixou Dorina cega com apenas 17 anos. Mesmo com todas dificuldades e escassez de recursos da época para deficientes visuais Dorina continuou os estudos e formou-se professora primária. Foi a primeira aluna cega a frequentar uma escola comum no Brasil e enfrentar todas as dificuldades de lidar com espaços não adaptados e profissionais não habilitados a lidar com deficientes. Convencida da importância da educação para a inclusão, conseguiu que, em 1945, a Escola Caetano de Campos abrisse o primeiro curso de formação de professores para o ensino de cegos do Brasil. Um ano depois fundou a Fundação para o Livro do Cego no Brasil, que tinha como objetivo distribuir gratuitamente livros em braille. Dorina foi eleita em 1979 presidente do Conselho Mundial dos Cegos e em 1981, Ano Internacional da Pessoa Deficiente, falou na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

Esther de Figueiredo Ferraz (1915 ; 2008) O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Professora, filósofa e advogada, Esther rompeu muitas barreiras até tornar-se a primeira mulher a ocupar uma pasta na Esplanada dos Ministérios, como ministra da Educação entre 1982 e 1985, no governo do general João Figueiredo. Chegou a ensinar português, francês, latim, matemática, psicologia, sociologia, lógica e história da filosofia. Foi a primeira mulher a lecionar na tradicional Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a primeira a ocupar uma cadeira na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 1949, na Comissão de Ética; e a primeira reitora de uma universidade na América Latina, a Universidade Mackenzie, em São Paulo. Brilhou não apenas como política e educadora, mas fez também grandes defesas como advogada penal, sendo a mais lembrada a do governador Ademar Pereira de Barros (SP) no "Caso dos Chevrolet da Força Pública".

Eunice Michellis (1929)
Só em 1979, quase 50 anos depois da eleição da primeira deputada federal, é que uma mulher assumiu o cargo de senadora. Coube à professora Eunice, de Maués, no Amazonas, a responsabilidade. Antes de ocupar uma cadeira no Senado Federal, Eunice chegou a participar em diversos cargos da administração de Maués pela sua ligação com a educação. Em 1974 foi eleita deputada federal e ficou no cargo até 1978. No Senado, foi eleita como suplente de João Bosco de Lima e assumiu a cadeira depois da morte do senador, apenas dois meses após ser eleito. A eleição de mulheres que se candidataram diretamente ao Senado só ocorreu em 1990. Atualmente Eunice mora em Brasília.

Olga Benário (1908 ; 1942)
Alemã de origem judaica imortalizada pela luta contra o fascismo no Brasil, Olga juntou-se ao movimento comunista com apenas 15 anos. Em meados dos anos 1920, por desacordo com o pai, um social-democrata, fugiu para a União Soviética, onde recebeu treinamento político-militar. Lá conheceu Luís Carlos Prestes, com quem teve uma filha mais tarde, Anita Leocádia. Olga veio ao Brasil apenas em 1934, acompanhando Prestes, eleito membro da comissão executiva da Internacional Comunista e que tinha a missão de liderar uma revolução armada com o apoio de Moscou. Foram presos em 1936 e, pouco depois, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela deportação de Olga para a Alemanha, onde foi assassinada no campo de extermínio de Bernburg. Em 1998 o então presidente do STF, Celso de Mello, reconheceu o erro da corte. "Cometemos erros, e um deles foi permitir a entrega de uma pessoa a um regime totalitário como o nazista, uma mulher grávida", disse a época. Prestes saiu da prisão em 1945.

Zilda Arns (1934 ; 2010)O Brasil comemora o primeiro Dia Internacional da Mulher com uma mulher na Presidência. A briga pela ocupação dos espaços, no entanto, não começou nem termina por aí. Conheça a história de algumas guerreiras que trilharam esse caminho antes de Dilma
Médica, Zilda especializou-se em pediatria, sanitarismo e saúde pública. Acreditava que a educação era a melhor arma no combate de doenças de fácil prevenção e, por isso, desenvolveu um método de multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias carentes visando salvar crianças da desnutrição e da violência. Em 1983 criou a Pastoral da Criança a pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que até hoje ajudou quase 2 milhões de crianças menores de 6 anos e mais de 1 milhão de famílias de baixa renda. Em 2004, atendendo a outro pedido da CNBB, fundou a Pastoral da Pessoa Idosa. A sanitarista morreu no ano passado vítima do violento terremoto que atingiu o Haiti. Ela estava em missão humanitária em Porto Príncipe para introduzir a Pastoral da Criança no país.

Pagu (1910 ; 1962)
Patrícia Rehder Galvão era Zazá antes de ser apelidada de Pagu pelo poeta Raul Bopp. Mesmo antes de se destacar como poetisa, jornalista e militante, tinha comportamento já bem transgressor. Fumava em público, usava roupas transparentes e falava palavrões. Embora tenha tido bastante influência no movimento modernista, Pagu não chegou a participar da Semana de Arte Moderna de 1922, como muitos acreditam, já que tinha apenas 12 anos na época. Terminou o curso normal com 18 anos e já passou a integrar o movimento antropofágico influenciada pelo poeta Oswald de Andrade e sua mulher, Tarsila do Amaral. Com a separação de Oswald pouco depois depois, Pagu casou-se com o poeta, arrepiando de pavor a sociedade conservadora dos anos 1930. Foi a primeira presa política do país, tendo colecionado ao todo 23 prisões durante a vida. Ficou conhecida pelo incentivo ao teatro, principalmente a grupos amadores em Santos, onde passou os últimos anos da vida.

Fontes: Tempos e Memórias ; Movimento Feminista no Brasil; Mulheres Imortais ; Volumes 1, 2 e 3; , The Dictionary of Feminist Theory; Vozes femininas na política, Fundação Palmares, Wikipédia e www.mulher500.org.br.

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