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Sem fome, embora a miséria seja uma realidade

A segurança alimentar é considerada uma emergência global. Sucesso da experiência brasileira pode guiar outros países

postado em 01/04/2011 17:33
A segurança alimentar é considerada uma emergência global. Sucesso da experiência brasileira pode guiar outros países
A segurança alimentar é considerada uma emergência global. Sucesso da experiência brasileira pode guiar outros paísesEm seu discurso de posse, a presidente Dilma Rousseff deixou claro que sua meta para os próximos quatro anos é a erradicação da miséria. A estabilidade econômica trazida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e as políticas de redistribuição de renda do governo Lula da Silva fizeram com que um dos maiores problemas do país, a fome, pudesse ter seu impacto reduzido drasticamente.

A ONG ActionAid, em seu Placar da Fome 2010, colocou o Brasil, pelo segundo ano consecutivo, como líder no combate ao problema no mundo. Além de ter reduzido em mais da metade o número de crianças até 10 anos com baixo peso, está no caminho para alcançar os padrões estabelecidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), ao reduzir a quantidade de brasileiros em situação de extrema pobreza de 25,6% da população em 1990 para 4,8% em 2008.
Entretanto, até 2008, 8,9 milhões de brasileiros ainda tinham renda domiciliar inferior a US$ 1,25 por dia. A mudança de discurso parece vir acompanhada de uma alteração nas políticas públicas. Ainda que a fome demande atenção, o foco agora se torna a luta contra a pobreza extrema, em uma correlação que não significa apenas aumento da renda per capita do brasileiro, mas também a melhoria dos serviços oferecidos à população.

De acordo com o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Rômulo Paes de Sousa, a extrema pobreza não é apenas um entrave econômico para o Brasil. Ele a classifica como uma vergonha. ;Retirar os brasileiros da pobreza é importante para o desenvolvimento mas, acima de tudo, o país que quer ser desenvolvido não pode seguir com cidadãos nessas condições. É uma questão de justiça e humanidade;, garante.

Do Governo Federal é esperado um programa que, até agora, é chamado de PAC da Miséria. O secretário afirma que ainda não há nome oficial, nem mesmo modelo de gestão, mas adianta que a estratégia será interministerial e federativa, estruturada em três grandes eixos: garantia de renda, acesso a serviços e inclusão produtiva. ;Não há um ;PAC da Miséria;, mas um compromisso da presidenta de erradicar a extrema pobreza até o fim de seu mandato;, explica.

Para os especialistas, essa erradicação deve vir ligada à vários aspectos. Segundo o coordenador-executivo da ActionAid, Adriano Campolina, o volume de recursos distribuídos por programas como o Bolsa Família precisam aumentar, até porque a fome ainda é uma sombra. ;O atual volume, que é considerado grande, quando comparado ao passado, ainda é muito aquém do número de famílias que estão em situação de vulnerabilidade;, explica. Além disso, Campolina aponta que esses programas não são importantes apenas pelo viés monetário: ao garantir que aqueles valores não são dependentes da atuação política dos governos locais, a população se sente mais cidadã, aumentando suas exigências quanto aos demais problemas dos municípios.

A coordenadora de programas do PNUD no Brasil, Maristela Baioni, afirma que a erradicação da miséria não pode ser focada apenas no aumento da renda per capita do brasileiro. A especialista explica que a pobreza é relativa e, por esta feita, as desigualdades na oferta de serviços básicos também afetam diretamente a população e seu nível de qualidade de vida. ;Quando se pensa na redução da pobreza, estamos buscando nesse país um patamar de maior equidade;, afirma. Ela explica que o combate a fome tem programas bem específicos no Brasil, como o da merenda escolar e dos restaurante populares. Ao direcionar os trabalhos à redução da pobreza, outros pontos têm de ser levados em conta.

;A redução da pobreza passa, necessariamente, pela discussão da fome, mas também por outros temas, como empregabilidade, capacitação, formação, geração de emprego e renda. A segurança alimentar é mais emergencial.; Apesar das dificuldades em implementar as políticas necessárias para que essa correlação seja benéfica para diminuir pobreza e fome, Maristela garante que o Brasil conseguirá alcançar, na média, todos os objetivos de desenvolvimento do milênio, especialmente o da erradicação da fome.

"Ainda somos uma das sociedades mais desiguais do mundo"
Na contramão do clima festivo em torno da ascensão da "nova classe média" no Brasil, o especialista em políticas públicas e gestão governamental Paulo Kliass desnuda uma crueldade do sistema. "Apesar da melhoria do perfil de participação de renda, a desigualdade do topo com relação à base aumentou. Os ricos ficaram mais ricos", analisa o ex-secretário de Previdência Complementar.


Essa constatação tende a "desaparecer" das projeções por questões metodológicas. Para Kliass, o verdadeiro enfrentamento do problema começa pelo reconhecimento que há uma desigualdade patrimonial, além da de rendimento. "Mas enfrentar politicamente essas questões exige coragem e ousadia", avisa.



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>> Leia a íntegra desta matéria na edição 307 da Revista do Correio.

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